Embaixador Paes Andrade fala de sua longa experiência política
O embaixador do Brasil em Portugal, Paes de Andrade falou sobre a sucessão estadual, governo Lula, PMDB e ainda fez revelações históricas.
Publicado 16/06/2006 18:30 | Editado 04/03/2020 16:37
O peemedebista histórico e embaixador do Brasil em Portugal, Paes de Andrade, adverte: "Se Eunício Oliveira (PMDB) e Inácio Arruda (PCdoB) disputarem ao mesmo tempo o Senado, haverá uma derrota fragorosa (dos dois candidatos). O Inácio não retirará a candidatura ao Senado em nenhuma circunstância, de forma que resta ao Eunício a candidatura a deputado federal". A declaração foi dada ontem durante participação no programa Debates do Povo Especiais – Grandes Nomes. A série de entrevistas foi criada para comemorar os 25 anos da rádio AM dO POVO/CBN (1010).
Tranqüilo, bem-humorado, o Paes embaixador parece diferente do político tenso, formal e, às vezes, irritadiço, de 1985, quando disputou a Prefeitura de Fortaleza e foi derrotado por Maria Luiza Fontenele.
Paes fez revelações históricas: a decisão que tomou, quando presidente interino (era substituto de José Sarney, pelo fato de ser Presidente da Câmara dos Deputados) de alterar a sistemática do FGTS. Na época, os banqueiros recebiam o dinheiro do FGTS e durante 45 dias operavam com esse dinheiro na bolsa. A mudança passaria os recursos diretamente para o trabalhador através da Caixa Econômica Federal.
A medida provocou reação da área econômica e Paes conta que ameaçou de demissão o então ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega e o seu substituto se estes não referendassem a medida provisória. De volta do Exterior, o então presidente Sarney não desfez a medida provisória baixada por Paes de Andrade.
PRECONCEITO SULISTA
Os sulistas discriminam tudo. Discriminam raça, discriminam o ar. Eu estava para embarcar (em fevereiro de 1989, ao assumir interinamente a Presidência da República e visitar sua cidade natal, Mombaça, com comitiva oficial) quando o general Bayma Denis me disse: "Amanhã os editoriais são todos de uma violência inenarrável". E eu disse: "Não estou perguntando o que vai acontecer com a imprensa. Devo embarcar". Nesta hora, Demócrito (Dummar, presidente do O POVO) me liga e diz: "Presidente, estou com todo o corpo de jornalistas e editorialistas na esperança que o senhor venha fazer uma visita ao jornal para que possa lhe entregar a carta de princípios do jornal". Passei na frente do jornal, parei – acompanhado de ministros, militares, civis, com o presidente do Senado – e recebi a carta de princípios do O POVO. Quando retorno a Brasília, diante daquela tempestade de editoriais, a Rachel de Queiroz me liga dizendo que escreveu um artigo sobre a discriminação dos sulistas em relação aos nordestinos e que sairia no outro dia. E não saiu o artigo. E o Júlio Mesquita (presidente do jornal O Estado de São Paulo), amigo da Raquel, telefonou para ela e disse que o jornal não poderia sair sem seu artigo semanal. E ela disse: "O artigo está aí, ou você publica ou então risca o meu nome deste corpo de editorialistas". E o artigo foi publicado e me fez bem ao coração.
A VISITA A MOMBAÇA
Minha visita a Mombaça foi um ato de amor. "Paes de Andrade, se o destino lhe colocar esse quadro novamente e você tiver que ir a Mombaça, eu quero integrar a comitiva e levarei alguns acadêmicos. Quero estar lá. Me convide", disse Raquel. Foi um ato de amor. Todos os vice-presidentes, todos os interinos foram visitar sua terra. (O ex-deputado) Ulysses Guimarães foi até mais afoito, levou o rolls royce oficial para desfilar de carro aberto. E foi na praça de Mombaça, perante a talvez 20 mil pessoas que eu assinei o Castanhão. Assinei a ordem de serviço para o açude Serafim Dias que está lá com 70 milhões de metros cúbicos. Pratiquei meu ato de amor a Mombaça, voltarei quantas vezes o destino me favorecer.
O PMDB COM LULA
O MDB foi o grande partido na hora difícil, na hora de cassação de mandatos, na hora de suspensão de direitos políticos, da instalação no País do Estado discricionário. Nesta hora só existia um poder que era o Executivo. Os demais eram sub-poderes. Foi o MDB que reuniu todas as esquerdas, todas as correntes, foi o estuário. O maior partido do Brasil ainda com a legenda da dignidade, da ordem, do Estado de Direito. Nós agora estamos sem candidato, mas podendo fazer todas as alianças possíveis, de direito e de fato. E votaremos no presidente Lula. Eu passei treze anos no palanque de Lula. Não vamos deixar este palanque.
A CRISE IDELÓGICA DO PARTIDO
O PMDB ainda é o maior partido nacional. Temos 1.253 prefeitos, dois terços do Senado, nove governadores. É uma federação, mas tem um lastro ideológico, sim. Carrego no peito a legenda libertária de Ulysses Guimarães. É verdade, temos também arrivistas, mas a grande maioria do PMDB tem seu lastro ideológico, a bandeira libertária.
CANDIDATURA PRÓPRIA DO PMDB
Não há acampamento do PMDB junto do presidente Lula. Há homens com fé, com ideologias libertárias, que foram expatriados, cassados. Se Ulysses fosse vivo, talvez ele fosse candidato. Quando ele foi candidato, andei por todo este Brasil e para nossa tristeza ele alcançou apenas 3% dos votos. Amargamos esta derrota que foi humilhante para o partido. Infelizmente, poderia até se repetir. Hoje, não temos nenhuma condição. Quem é que se coloca como candidato à Presidência da República? O Garotinho. Ele ficou com muita raiva de mim, porque na convenção eu disse: "O Garotinho não está no PMDB, ele está em trânsito". Já o senador Pedro Simon é um homem extraordinário, honrado, candidatou-se, mas já retirou porque vai disputar um mandato de senador pelo Rio Grande do Sul. Se insistisse, ia ter uma votação inexpressiva e perderia sua cadeira de senador. Itamar Franco também cometeu o erro de colocar seu nome como candidato do partido, quando na realidade é candidato a senador com o apoio do Aécio Neves em Minas Gerais.
SUCESSÃO ESTADUAL
Entendo que Eunício (Oliveira, presidente do partido e seu genro) deveria ser candidato a deputado federal. Já falei para ele: "Candidate-se a deputado que você vai fazer, com o meu apoio, uns 300 mil votos". Vou apoiar o Eunício se ele for candidato a senador, mas acho uma imprudência. Tive uma conversa longa, de duas horas e meia com Inácio (Arruda, também pré-candidato ao Senado pelos partidos de oposição). Ele é uma pessoa muito ligada à mim. "Inácio, você é candidato a senador em qualquer circunstância?". E ele respondeu: "Sou, sou candidato ao Senado em qualquer circunstância. E o Eunício?", ele questionou. E eu disse: "O Eunício não está com esta postura. Ele quer ser candidato, mas se você é candidato, acho que as duas candidaturas vão para uma derrota fragorosa e você tem o problema da cláusula de barreira de seu partido", falei. O Inácio não retirará a candidatura ao Senado em nenhuma circunstância, de forma que resta ao Eunício a candidatura a deputado federal. Isso, se ele me ouvir, porque em algumas coisas ele me ouve e em outras não.
POLÍTICA EXTERNA DE LULA
O presidente Lula colocou com muita clareza sua prioridade de defesa da paz e recebeu aplauso de quase todas as nações afora que lutam pela paz. A paz é um compromisso da humanidade, é compromisso do Brasil. Nas nossas constituições, a guerra de conquista está proibida, então ele até agora está olímpico e sob os aplausos da consciência livre dos povos. Quem defende a paz está dentro dos fundamentos da consciência dos povos. Quarenta e três humanistas, há pouco tempo, fizeram sua defesa pela paz. Aí está o grito do povo.
O MERCOSUL
O presidente tem prioridades como fortalecer o Mercosul com as portas abertas para os países andinos e integrar a América Latina. O presidente Hugo Chávez acaba de entrar no Mercosul. Ele é uma personalidade polêmica e tem estimulado na Bolívia e em outros países o estilo dele. Foi vítima de golpes, é amigo do presidente, mas não terá forças para desvirtuar esta prioridade de fortalecer as relações entre os países membros.
CORRUPÇÃO NO BRASIL
Nosso presidente da República está tendo uma postura corretíssima. Não obstante as calúnias, as injúrias, as infâmias, as mentiras. É apurar com rigor e punir implacavelmente. Já tem vários na cadeia. Ninguém pode concordar com a corrupção, com o mensalão. O presidente está sendo correto, rigoroso e a Justiça – eu acredito – será implacável.
RELACIONAMENTO BRASIL X PORTUGAL
Tenho agido com muito rigor com relação a violências que estão sendo praticadas no aeroporto. Eu estava em missão de serviço, quando nosso vice-governador (Maia Júnior) chega em Portugal. Coloco toda a embaixada para acompanhá-lo. Ele chega e sofre a maior humilhação. Vai revistado, humilhado e eu imediatamente vou ao ministro das Relações Exteriores (de Portugal) e registro a minha indignação. As pessoas que cometeram essas injustiças inaceitáveis foram afastadas. A Lúcia Flexa de Lima, nossa embaixatriz, foi em missão a Lisboa. Na volta, ao passar por detectores de metais, ela foi humilhada. Fizeram um processo de investigação não, de violência. Quando se trata em Portugal, a nível de ministério, as providências são rápidas e somos atendidos. Mas a administração do aeroporto de Lisboa está entregue a uma firma terceirizada. É
inaceitável.
IMIGRAÇÃO
Quando assumi a Embaixada, fui a Lisboa na comitiva do presidente Lula. Lá, ele assinou um protocolo para agilizar a regularização dos brasileiros em Portugal. Neste dia, tínhamos 31 mil brasileiros irregulares em Portugal. Isso significa o sub-emprego ou o não emprego. Eles são submetidos a todos os tipos de humilhação, porque o empresário não tem nenhum interesse em regularizar. Neste trabalho com o cônsul-geral, conseguimos até ontem regularizar 15 mil brasileiros, o que significa entregar o visto de trabalho, aí a cidadania plena. Falta ainda cerca de 19 mil sem documentação. Estamos em um trabalho forte e pretendo dentro de oito meses regularizar os brasileiros que faltam.