Minas sob o governo neoliberal de Aécio Neves

No Seminário "Por um Novo Projeto de Desenvolvimento para Minas e para o Brasil" promovido pelo Instituto Maurício Grabóis – seção MG, Manoel Geraldo Cação Pereira, o Quincas, membro do Comitê Estadua

Com a derrota de Eduardo Azeredo para Itamar Franco e após um intervalo de quatro anos, o mesmo bloco de forças da elite mineira comprometido com o modelo neoliberal conseguiu sua recondução ao Palácio da Liberdade com a eleição de Aécio Neves, apoiado em uma formidável articulação política, financeira, midiática e com forte apoio empresarial, que começou a ser construída ainda no Governo Azeredo.

Aécio praticamente não disputou a eleição, tamanha a aliança que o apoiou. À exceção do PT e do PCdoB, todos os demais partidos integram a administração tucana.
Na condução do Estado o Governo Aécio mostrou-se logo cedo extremamente centralizador. Editou 63 Leis Delegadas que alteraram a estrutura da administração direta e indireta sem qualquer discussão com a sociedade e com suas forças políticas representativas.
Mostrou-se um governo monolítico, voltado para a eficiência gerencial, tentando passar uma falsa imagem de neutralidade política e ideológica, mas com o foco na coordenação e regulação das ações do mercado, ou seja, ao invés de um Estado voltado para a sociedade, um Estado voltado para ser a mais eficiente ferramenta do mercado.
As dificuldades iniciais do Governo Lula decorrentes da correlação de forças com que foi eleito levaram-no a buscar neutralizar a oposição tucana valorizando as relações com Aécio. Ao mesmo tempo, as dificuldades de Aécio com os problemas fiscais e financeiros de Minas herdados de Azeredo – e perpassando pelo governo Itamar – levaram-no a buscar uma relação política hábil em relação ao governo federal.

O caráter do governo Aécio, de seu programa e de sua ação, emerge da análise de três aspectos:
1º) qual o papel que ele defende na ação do Estado;

2º) que setores vêm se beneficiando de suas propostas de Governo;

3º) qual o grau de compromisso democrático com a sociedade.
Esse caráter começa a ficar claro quando se examina o diagnóstico do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) do governo Aécio, em que fica clara a busca de um Estado menos responsável pelo provimento direto de bens e serviços, que tem sua ação dirigida para a regulação, planejamento e coordenação de políticas sociais, transferindo os investimentos diretos destinados a garantir os direitos sociais básicos, ora para os municípios, ora para a sociedade ou para o setor privado.
Um exemplo disso é a questão do investimento social, em que a Prefeitura de Belo Horizonte, que possui 13% da população do Estado, investiu em 2005 R$ 67 milhões, enquanto o Estado investiu somente R$ 50 milhões. Ou seja, a Prefeitura de Belo Horizonte investiu 30% a mais do que o Estado. Esse quadro vem se arrastando ao longo dos anos pela omissão deste governo e dos que o antecederam.
O Governo Aécio criou instrumentos para operacionalizar a transferência de recursos públicos para o setor privado instituindo as chamadas OSCIPS (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público) – aprovadas pela maioria do governo na Assembléia Legislativa – introduzindo aí um contrabando: as OS (Organizações Sociais), que são associações ou fundações de caráter privado que podem realizar diferentes serviços, que deveriam ser públicos, utilizando recursos públicos, como instalações, funcionários e dinheiro público. Nesse mesmo sentido se inserem as PPPs (Parcerias Público-Privadas), instrumentos do chamado "choque de gestão", uma das marcas do marketing de Aécio.
Esse verdadeiro "assalto" do setor privado à máquina do Estado ficou bastante evidente na área de saúde, um dos setores mais críticos do Governo Aécio, um do mais precários.
Enquanto o governo federal enfrentava o problema da saúde convocando uma Conferência Nacional de Saúde para reafirmar a defesa do SUS e enfrentar, sem estrangulamento, numa iniciativa de sentido democrático e de busca da participação da sociedade na solução de problemas públicos, Aécio apontou em sentido contrário, indicando às unidades hospitalares da rede FHEMIG que seguissem a experiência dos Hospitais de São Paulo, no Governo Alckmin, sob a gestão das OS, como alternativa de maior "resolutividade". Nas PPPs, ao contrário do governo federal, o projeto de Minas inclui áreas de Saúde, Educação, Assistência Social, Segurança, Sistema Penitenciário, Defesa e Justiça, entre outros, objetivos estratégicos do Governo Aécio. E seus verdadeiros beneficiários estão configurados nos 31 "Projetos Estruturadores" configurantes no PMDI, dos quais só o 31º – que trata da inclusão social de famílias vulnerabilizadas – foi resultado de Emenda Popular, pois não estava previsto no Plano Plurianual do governo do Estado.
A natureza desses projetos é:

  1. projetos que buscam viabilizar os negócios privados (estrutura de transportes e logística para exportação);
  2. projetos que visam garantir o arranjo das finanças públicas para as finalidades de benefício do interesse privado;
  3. projetos que preparam a máquina pública para subordiná-la às Parcerias Público-Privadas;
  4. projetos de impacto social dirigidos à segurança e às políticas compensatórias na Gestão da Pobreza.

Nesse verdadeiro DNA do Governo Aécio que é o PMDI, questões de grande relevância social como a da pobreza no Estado merecem apenas um parágrafo. Temas fundamentais como o emprego, por sua importância na integração social, não são sequer mencionados. Ou seja, apesar da grande propaganda em torno de Aécio, o emprego ou o desemprego, pasmem, não existem para o seu governo. A questão do emprego e da renda como uma problemática de governo não existe em seu diagnóstico.
Dos 31 projetos estruturadores, 19 estão com a execução orçamentária inferior ao de uma área que não é prioritária, que não é estruturadora, a de Comunicação Social. Em Minas essa área teve uma suplementação de verbas da ordem de 598% acima do previsto para o ano de 2005. Nesse sentido, pode-se dizer que o governo de Aécio é um grande evento e produto de marketing. É evidente que não é só isso. Mas, quando se fala em governo Aécio, as referências são "Choque de Gestão", "Déficit Zero", "Estrada Real" etc, que, quando confrontadas com a realidade, se esfumaçam e sobram problemas para o povo. O chamado "Déficit Zero" é na realidade uma brutal compressão dos gastos sociais do Estado. Basta ver que as despesas e ações em serviços de saúde determinadas pela emenda nº 29/2000 foram comprimidas a ponto de obrigar o Governo Aécio, através de uma manobra contábil a incluir, como despesas de saúde, os gastos realizados pela COPASA e pelos institutos de Previdência Militar (que não atendem ao público externo). Isso tudo para apresentar um falso perfil de gastos do Governo com a Saúde.
Outro malabarismo do governo Aécio é a utilização de receitas federais que, após serem "mineirizadas", com novos nomes, são utilizadas para a promoção do governo Aécio. Como o programa "Minas sem Fome" (nome mineiro), abastecido com verbas federais do "Fome Zero" do governo federal, ou o "Luz para Todos".
Destacam-se as receitas transferidas da esfera federal, ou seja, receitas em que a gestão é do governo Federal – FPM, LEI KANDIR, CIDE, SUS e FUNDEF. Estas receitas cresceram espantosos 55,54%. A importância para Minas dessas receitas pode ser medida por um único exemplo: a mais bem sucedida execução orçamentária do ano 2005, com 73% no projeto de pavimentação de acessos rodoviários, que rende muitos votos, tem 80% dos recursos provindos das transferências da CIDE.
Nesse sentido, a gestão macroeconômica do Governo Lula foi o grande fator de ajuste fiscal da receita do governo de Minas de 2003 a 2004.
Do ponto de vista da economia, o recorde das exportações em 2005, com o "boom" do aço e os efeitos da boa performance da indústria em outros setores, a exemplo do transporte e da construção, levaram o PIB de Minas Gerais a um crescimento de 4,75%, mais que o dobro da média do Brasil, de 2,3%, apurada pelo IBGE.
Com a maior taxa de crescimento, a participação de Minas no PIB do Brasil deverá crescer das tradicionais 9% a 9,5% para 9,8%, estima-se.
Nessa conjuntura, a indústria cresceu 5,9% em 2005, destacando-se a extração de minerais, com 12,7% acima; fabricação de autopeças e automóveis, com 10,8%; cimento, 10,6%; indústria de alimentos, com 6,7%, e têxteis, 6,5%.
A agropecuária, com 1,7%, refletiu a queda do café, responsável por 60% do PIB do setor. A produção de grãos cresceu 6,6%; o comércio, 7,1%, e os transportes, 6,2%. A economia mineira, apesar do governo Aécio, parece recuperar-se da perda de dinamismo ocorrida no final do século XX.
Entretanto, mantêm-se as bases agropecuárias e a extração mineral como pilares da economia mineira e o setor metal-mecânico, carro-chefe da nossa indústria, beneficiado pela força da extração mineral, ainda não desenvolve todo o seu potencial.
É simbólico que, ao mesmo tempo em que se verificam recordes de consumo de celulares, ainda não se tenha aberto caminho para a transformação do minério e do aço em bens de consumo que agreguem valor às riquezas tradicionais. Com isso, o aumento da renda e do emprego de melhor qualificação fica comprometido.
Os maiores recursos para o fomento do desenvolvimento continuam sendo carreados para o agronegócio e para as grandes indústrias como Fiat Automóveis, Philips, Souza Cruz, Usiminas, com resultados duvidosos se comparamos o volume de recursos aplicados versus geração de empregos. Só a Fiat recebeu de 1997 a 2003 o montante de R$ 556 milhões de recursos públicos através do Fundo de Incentivo à Industrialização. Não é à toa que essas empresas são as que mais contribuem para as campanhas do PSDB de Aécio, Azeredo etc.
A política tucana de Minas está assentada em alguns pilares importantes: um amplo acordo das elites, de caráter conservador e antidemocrático, unificado através do projeto neoliberal; um forte esquema de financiamento da política, que ganhou força com as privatizações do governo Azeredo e prossegue com Aécio, com os esquemas mencionados de transferência de recursos públicos para entes privados; fortes laços com o sistema financeiro internacional; controle dos movimentos sociais, em particular do movimento sindical e operário, através da repressão e da busca de cooptação de lideranças. Os exemplos da repressão sobre os metalúrgicos em suas campanhas salariais e sobre os eletricitários e contra as manifestações populares por ocasião da reunião do BID deram a marca de como o governo Aécio tenta manter esses movimentos na defensiva. Mas acaba provocando uma maior mobilização contra si e desmascara sua fachada democrática.
Também faz parte desse arsenal reacionário o controle ditatorial sobre a mídia mineira – amplamente denunciado pelo Sindicato dos Jornalistas -, assim como a manutenção, até agora, do isolamento da oposição, através da cooptação de um amplo arco de forças da situação extremamente poderoso; em que a bandeira da "unidade de Minas" e da "valorização de Minas no panorama nacional" convergem para a figura de Aécio. E à busca da convergência para as elites.
Essa situação exige uma articulação das forças mudancistas no Estado em busca de um projeto alternativo. É necessário que essas forças se dediquem a formular uma estratégia de desenvolvimento econômico e social em benefício não de grupos restritos, mas da sociedade como um todo.
Isso exige lutar pela modificação da política macroeconômica no plano nacional e, no plano estadual, contrapor políticas alternativas de expansão do emprego, de impulso à reforma agrária e à agricultura familiar, de atendimento às necessidades mais urgentes de infra-estrutura, particularmente dirigida à população mais pobre. E, na questão da segurança, contrapor ao discurso de direita a favor da repressão e da construção de presídios, o ataque à desigualdade social profunda. Contra o "Estado Penal" que promove o controle social pela repressão às populações excluídas e "perigosas" propor uma política de ampliação dos direitos sociais e a integração democrática da sociedade.
Esse projeto alternativo exige das forças mudancistas a ampliação do debate político, da busca de aliança das forças organizadas com base em ampla mobilização dos movimentos sociais para reverter essa fase de atraso e conservadorismo reacionário oculto sob amplo marketing, que busca dar-lhe ares de moderno e avançado.
Nessa conjuntura, é fundamental o esclarecimento da população frente à ofensiva da máquina de propaganda tucana. É preciso desmascarar e desmistificar o governo Aécio. Sem essa base consciente não conseguiremos a mobilização popular tão necessária para derrotar o domínio tucano.
Temos o desafio de retomar o debate sobre um novo projeto político para o Brasil que rompa a tradicional lógica das elites e atenda aos interesses da maioria de sua gente.
O esforço de formulação de um novo projeto não se faz somente no âmbito nacional e nem se trata de um debate teórico. Ele pode e deve ser realizado, de forma concreta, a partir das políticas que são construídas pelas respectivas administrações em cada unidade da federação, nos Estados e nos municípios.
Este é o caminho pelo qual os partidos progressistas e as organizações da sociedade civil dão sua contribuição para que as necessidades da maioria se transformem em políticas públicas de governo.

Manoel Geraldo Cação Pereira (Quincas)

Membro do Comitê Estadual