Mostra reduz revolucionário Che Guevara e frisa o ''ícone''
Desde sua morte na selva boliviana, em 1967, Ernesto Guevara de la Serna, o Che, ganha força como ícone da rebeldia jovem, da vontade de lutar contra a opressão. Ainda assim, um ícone — porque, dessa forma, pouco se fala da causa pela
Publicado 30/06/2006 21:24
Na célebre imagem, com boina e olhar sonhador, o "guerrilheiro heróico", então ministro da Indústria de Cuba, encara o horizonte. Curadora da exposição, Trisha Ziff exagera ao dizer que se trata da “foto mais difundida e reproduzida no mundo inteiro”. Outros elementos e outras tantas pesquisas seriam necessários para se julgar a visibilidade dessa imagem.
O lucro no lugar da razão
O problema não está aí. De pôsteres a cadernos, de óculos a preservativos, a foto do Che altaneiro foi reproduzida de tal forma a diluir o significado de uma vida revolucionária. Uma vida que inclui a luta contra o imperialismo e pela soberania dos povos.
Ao partir dessa imagem, o Victoria & Albert — um dos museus de artes aplicadas mais importantes do mundo — dá coro à distorção. A mostra traz cartazes, filmes, roupas e objetos comerciais e artísticos inspirados na foto de Korda e procedentes de mais de 30 países. O museu diz fazer "a narrativa" da imagem. O efeito desejado é testemunhar uma “causa perdida”, ainda que a Revolução Cubana continue viva, 47 anos após sua eclosão.
A imagem do líder revolucionário deu origem a uma milionária indústria, que a usa em uma variedade de produtos de consumo. No México, a figura do Che está presente em preservativos, enquanto aparece estampada em caixas de lenços descartáveis nos Estados Unidos, garrafas de vinho na França e maços de cigarro na Espanha. Uma empresa australiana, mais despudorada, chegou a lançar um sabor de sorvete inspirado no nome do líder guerrilheiro: "Cherry Guevara".
Já uma fabricante de cremes para lábios sabor goiaba a usou como imagem da marca. "Rebele-se contra a secura dos lábios", diz o anúncio. Recentemente o estilista francês Jean Paul Gaultier a usou para vender óculos de sol, e Madonna vestiu a boina do guerrilheiro para vender seu álbum "American Life". Para organizar a mostra no museu londrino, os curadores vasculharam mercados de pulgas e a internet em busca de objetos. Encontraram também camisetas de todas as cores com a imagem estampada do Che e seu olhar enigmático para o porvir.
“A ideologia capitalista tem uma incrível capacidade de incorporar alguns elementos da cultura alternativa, até mesmo revolucionária, e transformá-los em objetos de mercado, formas sem conteúdo, neutras, inofensivas”, acusou o historiador Augusto Buonicore, em artigo publicado no Vermelho em 2002. “O ícone”, prossegue Buonicore, “não tem dúvidas ou medos, é um fantasma que não convive com as malditas contradições cotidianas".
Na opinião do historiador, “para compreender o verdadeiro Che, é preciso ir para além do ícone, além da marca, além do mito. O ícone, em geral, não tem sangue correndo nas veias, não tem carne e osso, não sente fome ou frio”.