Revitalização da citricultura: fatos e versões

Sergipe já foi o 2º maior produtor de laranja do país nos anos 80-90, e hoje, depois de muita crise e empobrecimento dos plantadores, tenta-se reeguer está tradição. Mas faltam políticas públicas apropriadas para isto. Esta texto e

Muito já foi dito e repetido sobre o Programa de Revitalização da Citricultura Sergipana, principalmente quanto aos recursos já investidos e os benefícios proporcionados à região Centro-Sul do Estado. Informações da própria Secretaria de Estado da Agricultura dão conta de que o Governo do Estado já disponibilizou cerca de R$ 20 milhões em investimentos, gerando mais de 100 mil empregos.
Com relação aos recursos, nada a questionar, até porque difícil se aferir a informação. Quanto aos empregos, aí é muito fácil se discordar, presente o fato de que em Boquim, município que capitaneia a chamada região citrícola, composta de 14 municípios, são pouquíssimas as pessoas que tiveram a conquista ou a recuperação de um emprego em função da tal revitalização. E convenhamos que 100 mil empregos não é um número tão simples assim.
Na verdade, a discussão sobre a crise da citricultura sergipana, seus problemas e eventuais soluções, passa necessariamente pela a origem dessa crise. E não precisa ser especialista em citricultura para saber que os grandes problemas desse cultivo estão centrados em aspectos como o risco da monocultura, a descapitalização do produtor, o surgimento de pragas e doenças, as dificuldade de comercialização, proporcionada, principalmente, pela desorganização dos produtores e pelo cartel das indústrias, a falta de apoio institucional, que se pode aferir pelo desmantelo da outrora eficiente Estação Experimental de Boquim e da própria EMDAGRO, dentre outros.
Como vivenciador da citricultura há mais de 40 anos, na qualidade, inclusive, de pequeno citricultor, poderia muito bem escrever sobre todos os pontos acima elencados. De igual modo, poderia aprofundar sobre aspectos relacionados ao Programa de Revitalização da Citricultura, cantado em verso e prosa como a “salvação da lavoura”.
Mas, e até como forma de manter a maior fidedignidade possível ao tema, não seria justo abrir mão de colher o depoimento de Jadilson Ribeiro, engenheiro agrônomo dos mais respeitados, estudioso do assunto e uma das maiores autoridades em citricultura no Estado. Assim é que o convidamos para externar o seu pensamento sobre este assunto. Vejamos o que escreve o camarada Jadilson:
A citricultura sergipana abrange historicamente 14 municípios da Região Centro-Sul do Estado e estes têm vivido numa perfeita “corda bamba” tentando equilibrar-se por conta própria, com algumas gotas de participação do Governo, mantendo sob sua responsabilidade um empreendimento que há anos vem sustentando as responsabilidades sociais em detrimento da participação da administração pública como de direito.
Já existiram épocas em que esta bendita região, com a exploração da citricultura, conseguia manter mais de cem mil empregos diretos, fazendo com que os habitantes destes municípios se destacassem, econômica e socialmente, de pessoas que se encontravam em regiões outras.
Isto agradava bastante aos governantes que passavam pelo Poder Executivo do Estado de Sergipe. A situação era muito cômoda. Pouco se necessitava da participação governamental. Puro engano, pois o pouco que o Estado fornecia através dos setores da Pesquisa Citrícola e de outras culturas, da Extensão Rural tão decisiva (que saudades da EMATER-SE), da injeção de recursos mais acessíveis, da presença física e moral dos governadores na Região, de políticos comprometidos com os moradores desta terra, de técnicos que entendiam a linguagem do produtor e que procuravam defender os seus interesses, diferentes dos que hoje fazem as jogadas politiqueiras de seus chefes para conservar os seus cargos, nem que isso custe o desaparecimento daquele que lavra a terra, etc. Como tudo mudou. A galinha dos ovos de ouro está sendo maltratada até a morte por aqueles que mais sugam e se deliciam de seus ovos.
O Mundo mudou. A Economia adotou ritmos alucinantes diante do grande dragão da globalização. É necessário ser bastante capaz. É importante ter atrelado ao produtor uma estrutura que consiga dar-lhe segurança, apoio e defesa. Neste momento tão severo para o citricultor e citricultura necessário se faz dar as mãos. A Região Centro-Sul, como várias outras no mundo, mergulha em dificuldades e o pior de tudo é a grande ausência da Administração Pública como organizadora e mantenedora de setores essenciais para o desenvolvimento da citricultura. Falta pesquisa, falta extensão e assistência técnica, faltam veículos para deslocamento dos poucos técnicos que ainda restam, remanescentes de épocas tão remotas numa empresa sem renovação, falta seriedade e compromisso, faltam recursos, falta vida.
Como se tudo isso não bastasse, alguém toma sobre si uma ousada campanha, como se num passe de mágica pudesse tirar da cartola salvadora o coelho salvador, ou melhor, como se quisesse que o coelho salvasse tudo, pois a cartola não mais existe, e denominando de REVITALIZAÇÃO DA CITRICULTURA SERGIPANA procura com uma atriz isolada chamada MUDA, transformar em cinzas o que ainda restava dos cadáveres depauperados da economia citrícola. Não tem mais pesquisa, ELES acabaram, não tem mais extensão e assistência técnica, restaram poucos sobreviventes do massacre que os próprios revitalizadores exerceram em outras épocas àqueles que orientavam os produtores como conduzir os seus pomares. E dinheiro para manter a renovação…??? Onde está?
Já tivemos um parque citrícola de mais de 20 milhões de plantas, algo em torno de 50 mil hectares cultivados com citrus, com uma produção aproximada a um milhão de toneladas de frutos por ano, bem acima de 20 milhões de caixas de 40.8 kg cada. Tudo soprava favoravelmente. O jardim era bem florido.
Não se entende como exatamente nesta época de bonança o Governo começa a danificar o setor, acabando literalmente com toda estrutura física e profissional que apoiava este empreendimento. Parece pouca inteligência dos governantes, pois os citricultores conseguiam aliviar quase toda responsabilidade do Estado em diversos segmentos da sociedade destes municípios, através dos fartos empregos e retornos da citricultura, fazendo com que a administração pública pouco investisse e muito arrecadasse. Era tão pouca a participação, mas mesmo assim estes se esquivam e amarram uma pedra de moinho no pé do citricultor que passou a viver em alto mar com tudo puxando-lhe para baixo.
Pois bem, aí está o Programa de Revitalização, prometendo ressuscitar a citricultura, distribuindo mudas produzidas em ambientes fechados. Seria muito bom se junto a esta muda existissem outros segmentos amparando esta “criança” que vai ao mundo totalmente indefesa e fadada a não crescer, a não dar frutos, pois já encontra à sua frente a desnutrição, a não assistência, a falta de informações tão novas da pesquisa destruída para dizer como conduzir esta tão esperada semente de renovação. 
Hoje o setor citrícola conta com uma redução em sua área produtiva de mais de 50 % dos pomares que eram ativos em 1980, passando a saborear uma queda vertiginosa na produtividade por falta de inovações tecnológicas e de recursos, chegando a produzir aproximadamente 400.000 toneladas de frutos por ano, nos momentos mais otimistas.
No terceiro ano do programa de revitalização pouco se vê em campo das mudanças que “os homens” do Governo anunciam ter acontecido. A propaganda diz: “Troque seu pomar velho por um novo”. Não disseram quando o produtor conseguiria produzir. São pouquíssimas áreas que foram plantadas há dois anos que estejam como tecnicamente deveriam estar. Nem sinal de revitalização. Até parece que semearam a destruição, foi um golpe fatal para os produtores que não foram orientados a lidar com o novo.
Era de se esperar. Colocar em campo uma belíssima muda, bem cuidada, com nova tecnologia requer que outros elementos acompanhem tal mudança. A MUDA sozinha não conseguirá aprender as primeiras palavras, jamais conseguirá dizer ao seu criador aquilo que toda progenitor deseja ouvir: papai. Parece que veio para continuar muda, não dizer para que veio.
Divulgam-se números e mais números. Vários milhares de mudas produzidas e vendidas, vários hectares revitalizados, os empregos da Região recuperados. Além de distribuir MUDAS parece que querem que os citricultores e moradores da Região fiquem CEGOS.
No primeiro ano do programa, atropelando tudo e todos, foi imposta pelo Governo a condição de se produzir somente mudas teladas, excluindo diversos viveiristas que viviam desta atividade há anos, pois não existia estufas para todos. Os profissionais produtores de mudas não tiveram sequer a oportunidade de optar, de serem preparados para a mudança de forma gradativa, de procurarem a qualificação para enquadrarem-se em outros segmentos da economia da Região para manter o sustento de seus familiares. E ainda quer se falar em aumento e/ou recuperação de empregos.

Produziram-se as mudas e foi um atropelo novamente. Faltava material propagativo, faltava área para absorver todas as mudas, faltava uma coisa atrás da outra. Eles não conseguiram prevê isso antes de lançar o programa. Eles parece que não conheciam a realidade do setor. Até desprezaram quem podia ajudar. Boa parte das mudas não ficaram prontas na época ideal para o plantio e foram “empurradas” de qualquer forma para a destruição. Poucas foram bem direcionadas e com isso não atingiram o objetivo desejado. Autorizaram aos viveiristas a vender a particulares as mudas subsidiadas pelo Governo a fim de que não vissem a situação catastrófica piorar, não interessando o destino.

Pois bem. É chegado mais um ano político e aí a MUDA começa a FALAR. Este ano as coisas inverteram. Os produtores ansiosos em renovar as suas áreas, motivados pelo bom momento vivido pela citricultura no mundo não conseguem as mudas que desejam. Adivinhem o que aconteceu? As mudas foram reservadas em grande quantidade para Programas de interesses do Governo, foi suspensa a admissão de novos interessados que ficaram a “ver navios” depois de todo investimento feito em suas propriedades confiando na promessa e garantia do programa, sem poderem trazer mudas de outros Estados para plantio de suas áreas, pois foi proibido o acesso bem antes de procurar saber com firmeza se tinha estrutura para atender às necessidades daqueles que confiaram na campanha divulgada em alto e bom som e que se encontra ainda nas rodovias da laranja: TROQUE O SEU POMAR VELHO POR UM NOVO. PROCURE A DEAGRO.

E agora? Nem pomar velho, nem pomar novo. Resta o lamento de muitos produtores que investiram para preparo de suas áreas e hoje estão sem saber a quem recorrer. “Não temos mudas para todos”, é a resposta daqueles que coordenam o programa.

SALVE A MUDA!
SALVEM-SE CITRICULTORES, O GOVERNO VEM AÍ. “MUDA” NELE”.
 
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(*) Chicão Almeida é bancário, advogado, pequeno citricultor e Presidente do Diretório Municipal do PC do B de Boquim e candidato a Dep. Fed pelo PCdoB-SE. Jadilson Ribeiro é engenheiro agrônomo, advogado, pequeno citricultor e membro do PC do B de Boquim.