Sem rumo, MTV prega alienação política e violência

Neste dia (1º/8) em que sua matriz, nos Estados Unidos, completa 25 anos, a MTV Brasil está às voltas com uma das maiores polêmicas de sua história. Uma campanha da emissora conclama os jovens brasileiros a caírem na despolitização, votarem nulo e se m

Diversas entidades juvenis, como a UNE e a Ubes, condenam a alienação pregada pela Music Television – que de música tem cada vez menos. Enquanto a MTV passou estes 25 anos potencializando o pop (gênero de consumo rápido e rala densidade), a juventude brasileira deixou sua marca em lutas como a queda da ditadura militar, o voto aos 16 anos e o impeachment de Fernando Collor. Sem contar as reivindicações nas áreas de cultura e lazer, como a meia-entrada em shows, eventos e espetáculos.


 


A emissora vai na contramão da História ao se dirigir a essa mesma juventude e pedir alienação política e violência. ''Se a MTV rejeita a política como meio de transformação, é incoerente que lute contra drogas, disseminação da aids, racismo e homofobia. Dá para resolver qualquer um desses problemas sem política?'', alerta Thiago Franco, presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). De acordo com o dirigente estudantil, um dos maiores riscos da campanha é não propor ''nenhuma saída para além do voto nulo''.


 


Maniqueísmo
Em outras palavras, o que fazer depois de atirar ovos e tomates nos candidatos? E será que a liberdade de expressão justifica a incitação à tamanha revolta, com ovos e tomates a mão, mais uma caprichada pontaria? Os termos da campanha são pesados e não escapam à generalização. Analisando a política de forma porca e depreciativa, a MTV impõe à disputa eleitoral de 2006 um maniqueísmo sem precedente.


 


De um lado, há os candidatos que apóiam um governo ''sujo pela corrupção e pela hipocrisia''. No outro extremo, estão políticos de uma oposição que ''pensa que todo mundo é idiota e não se lembra do que fizeram quando estavam no governo''. O horário político, segundo a emissora, apresenta pessoas ''em busca de votos cordeirinhos'', numa campanha ''inútil'' e ''marqueteira'', munida apenas de ''papo furado''.


 


Repúdio geral
A controvérsia ganhou repúdio de outras autoridades. Em depoimento à Folha de S.Paulo, o ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), criticou o teor da campanha e a irresponsabilidade da MTV. ''Voto nulo é um erro. Equivale à avestruz que, numa tempestade de areia, enfia a cabeça no buraco'', comparou Mello. ''Quando uma concessionária pública prega isso, presta um desserviço''.


 


Para o prefeito Cesar Maia, do Rio de Janeiro, a campanha é inconstitucional, antidemocrática, e acaba por ''agredir todos os candidatos''. Já Gustavo Petta, presidente na União Nacional dos Estudantes (UNE), sustenta que a MTV emite ''uma opinião despolitizada, uma campanha 'deseducativa' e perigosa para a democracia''. A emissora, segundo, Petta, falha ao utilizar o poder que tem ''sem dar o direito a outras opiniões, ao contraditório''.


 


A juventude contra a MTV
Um dos papéis dos movimentos estudantis e juvenis é incentivar a prática política. À vista disso, as 47 entidades que compõem o Conjuve (Conselho Nacional de Juventude) divulgaram nota à imprensa, manifestando ''preocupação'' com a campanha da MTV. ''Segundo nossa percepção, ela condena a priori o processo eleitoral, sem indagar sobre qual é a predisposição de jovens para votar e para participar'', diz o comunicado. Para rebater a idéia de que a campanha reflete uma inclinação da juventude, o Conjuve enumera dados. Segundo o TSE, houve ''aumento de 39%, em relação a 2002, do número de eleitores de 16 e 17 anos, faixa etária em que o voto é facultativo''. A nota do conselho reforça que se trata do ''maior crescimento proporcional de eleitores''.


 


Em outra pesquisa, a cargo da Unesco,  68,8% dos brasileiros entre 15 e 29 anos disseram ''acreditar que o voto pode mudar a situação do país''. Para 66,6%,  é inaceitável não votar nas eleições. O Conjuve evidencia, assim, que ''convocação ao uso de 'ovos e tomates', durante o período eleitoral – mesmo como recurso da linguagem publicitária – não contribui para a superação dos reais problemas de corrupção e violência em nossa sociedade, aspecto argumentativo que esta mesma Campanha da MTV procura evidenciar''.


 


Pelo voto consciente
A esses dados, informa Thiago Franco, somam-se os exemplos dos ''jovens, aos montes, em conferências temáticas do governo, nos novos grêmios estudantis''. Responsável por levar essa preocupação ao Conjuve, a Ubes, de Thiago, dissemina o repúdio em seu portal na Internet e nas manifestações de seus membros. Em março, a entidade encampou a campanha ''Se Liga 16'', incentivando a participação consciente dos jovens de 16 e 17 anos nas eleições deste ano.


 


''Muitas lideranças jovens foram torturadas e assassinadas ao lutarem pelo direito ao voto'', enfatiza Gustavo Petta. ''Sem a valorização do voto, o que faremos é o jogo dos verdadeiros setores que atuam na política por seus interesses econômicos, para roubar, cometer hábitos corruptos e arbitrários.''


 


De São Paulo,
André Cintra