O imperialismo está gerando um monstro
Do semanário Avante!, órgão do PC Português
“Não vejo qualquer interesse na diplomacia se for para voltar ao status quo anterior entre Israel e o Líbano. Penso que isso seria um erro. O que nós estamos presenciando, de certa forma, é um começo
Publicado 03/08/2006 13:53
Elas foram proferidas a 21 de Julho num encontro com a imprensa em resposta à questão sobre as iniciativas que os EUA se propunham implementar para restaurar a paz no Líbano. A afirmação de Condoleezza Rice pode ser chocante, mas não é certamente uma novidade; antes confirma que a teoria do «caos construtivo» está em marcha: o verdadeiro poder não se exerce pelo imobilismo mas sim pela destruição de todas as formas de resistência.
Um recente artigo de Thierry Meyssan (jornalista e escritor, presidente do Réseau Voltaire), recorda aos mais distraídos ou de memória curta que não há nada de novo na vontade israelense de desmantelar o Líbano e de criar aí um mini-Estado cristão, anexando de caminho uma parte do seu território.
O desiderato foi enunciado em 1957 por David Ben Gourion (primeiro-ministro de Israel de 1948 a 1963, de forma quase ininterrupta), numa carta a Moshe Sharett (seu sucessor por um breve período, entre 1953 e 1955), publicada em anexo das suas memórias póstumas ( www.voltairenet.org/article9886.html). O objetivo volta a ser enunciado em 8 de Julho de 1996, num documento intitulado «Uma ruptura limpa: uma nova estratégia para a segurança [de Israel]», onde se prevê:
– a anulação dos acordos de paz de Oslo;
– a eliminação de Iasser Arafat;
– a anexação de territórios palestinos;
– a derrubada de Saddam Hussein no Iraque para desestabilizar a Síria e o Líbano;
– o desmantelamento do Iraque com a criação de um Estado palestino no seu território;
– a utilização de Israel como base complementar do programa norte-americano de guerra das estrelas.
O documento, com o título inglês «A Clean Break: A New Strategy for Securing the Realm, Iasps», divulgado na época pelo jornal Guardian, inspirou o discurso proferido a 9 de Julho de 1996 pelo então primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, no Congresso dos EUA: ameaças contra o Irã, a Síria e o Hezbolá, tendo à frente a reivindicação da anexação de Jerusalém Oriental.
Das palavras aos atos
Que não se está perante uma paranóia da «teoria da conspiração» comprovam-nos os fatos.
O desejo de Bush de levar a cabo um «remodelamento do Grande Oriente Médio», nas suas próprias palavras, com o objetivo de controlar as zonas ricas em hridocarbonetos – designadas por Zbignew Brezinski (antigo conselheiro de Segurança Nacional de Carter) como o «arco da crise», ou seja, o arco que vai do Golfo da Guiné ao Mar Cáspio, passando pelo Golfo Pérsico – exige uma redefinição de fronteiras que já está sendo preparada.
Os palestinos estão confinados em 22% da Palestina histórica; a faixa de Gaza e a Cisjordânia estão separadas; a autoridade palestina arruinada, com ministros e parlamentares presos ou seqüestrados; o muro do apartheid israelense destrói casas, separa pessoas das suas famílias e terras agrícolas; os assassinatos seletivos e as punições coletivas são uma constante; a morte de Arafat continua envolta em mistério; os acordos de Oslo estão mortos e enterrados.
O pretexto para o ataque ao Líbano – resgatar soldados israelenses «seqüestrados» pelo Hezbolá –, é uma mistificação. Segundo fontes independentes, terá sido o exército israelense quem introduziu um comando na região libanesa de Aita al Chaab, onde os soldados foram atacados pelo Hezbolá, que capturou dois deles. A versão oficial, repetida à exaustão, é que foi o Hezbolá a entrar em território de Israel.
O Hezbolá, o alvo a abater, é apontado como sendo «armado e financiado pela Síria e pelo Irã», dois países catalogados por Bush como fazendo parte do «eixo do mal». Irrelevante passou a ser o fato do Hezbolá ter sido formado como uma defesa contra a bárbara invasão do Líbano por Ariel Sharon em 1982, que provocou 22 mil mortos.
Por outro lado, o desarmamento do Líbano, no passado recente, com a expulsão das forças sírias, na seqüência do muito oportuno assassinato do antigo primeiro-ministro Rafic Harriri, atribuído à Síria, não poderia ser mais conveniente para Israel.
Enquanto isso, Saddam Hussein foi derrubado a pretexto de armas de destruição em massa que não existiam, e o Iraque ocupado e destruído. A tenaz resistência iraquiana não estaria prevista, mas a ingovernabilidade do país pode ajudar a divisão do território em pequenos Estados que deixem de constituir uma ameaça para os planos do império.
No que toca ao Irã, a campanha de demonização ocorre em vários níveis e diferentes tons, desde os seletos fóruns da ONU ou da União Européia às arruaças de jornais, como sucedeu em 19 de maio último no National Post, do Canadá. O periódico online foi obrigado a pedir desculpas por ter publicado um artigo dizendo que o Irã aprovou uma lei exigindo que os judeus usassem um distintivo amarelo. O autor da «notícia» foi o jornalista iraniano exilado Amir Taheri, que em 30 de maio viria a ser convidado pela Casa Branca para integrar o grupo de «especialistas em Iraque» que aconselha George W. Bush.
Voltando às declarações de Condoleeza Rice, e atendendo ao que está sucedendo no Líbano, forçoso se torna concluir que o império está gerando um monstro.