A ação dos sanguessugas no Tocantins
A CPMI da Máfia das Ambulâncias publicou um relatório parcial dos seus trabalhos. Nele, estão detalhadas as denúncias contra parlamentares do Tocantins e como funcionava o esquema dos sanguessugas no Estado. por Carlos Pompe
Publicado 31/08/2006 16:36 | Editado 04/03/2020 17:23
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Máfia das Ambulâncias, presidida pelo deputado Antônio Carlos Biscaia, tendo como vice-presidente o deputado Raul Jungman e como relator o senador Amir Lando, foi instalada para apurar graves denúncias de corrupção que podem ter desviado dos cofres públicos mais de R$ 110 milhões nos últimos dez anos. O esquema corrupto envolve setores público e privado, um expressivo número de parlamentares, empresários e outros agentes públicos.
Como forma de democratizar, aprofundar e acelerar os trabalhos de investigação, foram criadas cinco sub-relatorias: Investigação de Parlamentares (deputados Fernando Gabeira, José Carlos Aleluia, Júlio Delgado e Carlos Sampaio); Investigação do Esquema de Fraudes na Aquisição de Unidades Móveis de Saúde (deputado Paulo Rubem Santiago); Sistematização e Controle (deputado Carlos Sampaio); Processo Orçamentário (senador Eduardo Suplicy e deputada Vanessa Grazziotin) e Investigação do Executivo (deputados Júlio Redecker, Albérico Filho e senador Leomar Quintanilha).
O relatório parcial da CPMI, com 975 páginas, baseou-se nas análises de documentos recebidos (depoimentos, inquéritos da Polícia Federal, processos judiciais, relatórios dos órgãos de fiscalização, sobretudo da Controladoria Geral da União) e se orientou pelos trabalhos técnicos, fruto do acúmulo de discussões desenvolvidas por especialistas em processos orçamentários.
A Comissão decidiu enviar os elementos de prova colhidos à Mesa da Casa Legislativa a que pertença o parlamentar, recomendando sua remessa ao Conselho de Ética para apuração e adoção das medidas regimentais da sua competência em razão de conduta incompatível com o decoro parlamentar de 72 parlamentares, inclusive os deputados tocantinenses Pastor Amarildo (PSC) e Maurício Rabelo (PL). Outro deputado do Tocantins investigado, Eduardo Gomes (PSDB), teve o inquérito arquivado “em virtude da inexistência de provas para recomendar a instauração de procedimento disciplinar”.
O que segue é a íntegra das investigações sobre esses três parlamentares, conforme consta no relatório parcial.
Deputado Pastor Amarildo (PSC – TO)
Legislaturas: 99/03 – 03/07
Interrogatório de Luiz Antônio Trevisan Vedoin – Justiça Federal – 26/06 a 11/07/2006
Com relação ao Deputado Pastor Amarildo, Luiz Antônio disse que conheceu o parlamentar por intermédio da Liderança do PTB, no ano de 2001, tendo acordado o pagamento de 10% do valor das emendas destinadas à saúde, isto é, para aquisição de unidades móveis de saúde.
A título de antecipação, para o ano de 2002, Luiz Antônio afirmou que pagou a importância de R$ 50.000,00, conforme depósito de fls. 145, 146 e 147 do avulso V, em favor de Leonídia F. de Souza Lima, não sabendo dizer quem seria a favorecida, mas que os depósitos se deram a pedido do próprio Deputado Pastor Amarildo. Afirmou ainda que a empresa Santa Maria, responsável por dois desses depósitos, é de propriedade da família Vedoin.
Para o exercício de 2002, o parlamentar apresentou emendas para aquisição de unidades móveis de saúde, nos municípios de Bernardo Saião, Cazeara, Recursolândia, Brejinho de Nazaré, Formoso do Araguaia e Lizarda, no valor individual de R$ 79.000,00.
Luiz Antônio afirma que foi o próprio parlamentar quem fez os contatos com os prefeitos, junto com Jair da Costa, representante do Grupo Planam, para acertar os detalhes acerca do direcionamento das licitações. As licitações nos municípios citados foram efetivadas apenas com o empenho, sem que tivesse ocorrido repasse do Ministério da Saúde para os municípios, mas que mesmo sem receber os valores dos municípios, ele entregou todas as unidades móveis de saúde.
Durante o ano de 2003, através de gestões políticas realizadas por José Airton, junto ao Ministro da Saúde, os recursos referentes a esses veículos foram pagos. Esclarece ainda que, durante o ano de 2002, entregou cerca de 100 veículos apenas com o empenho das emendas, sendo esses veículos pagos pelo Ministério da Saúde, através da participação de José Airton. Luiz Antônio disse que, ainda durante o ano de 2002, o Deputado Pastor Amarildo veio à sede da empresa Planam em Cuiabá, quando recebeu um microônibus, a título de antecipação de comissão, adquirido pela Planam em um leilão no município de Nova Marilândia/MT, preparado especialmente com palco para a campanha eleitoral do próprio parlamentar naquele ano. O veículo, na época, estava estimado em R$ 40.000,00.
Para o exercício de 2003, o parlamentar apresentou duas emendas, em favor do município de Brejinho de Nazaré, no valor total de R$ 190.000,00. Essas emendas foram executadas pelas empresas do Grupo Planam e o contato com os municípios se deu pelo próprio parlamentar e Jair da Costa.
Luiz Antônio disse também que, para o exercício de 2004, o parlamentar apresentou emendas em favor dos seguintes municípios: Almas, Combinado, Dianópolis, Lagoa do Tocantins, Miranorte, Paraná, Rio da Conceição, Sandolândia e São Valério da Natividade, no valor total de R$ 735.998,40, para aquisição de unidades móveis de saúde, conforme planilha de fls. 134 do avulso I. Desses municípios, o Grupo Planam executou as licitações dos municípios de Miranorte, Combinado, Paraná e São Valério da Natividade, nos quais, mais uma vez, o contato se fez diretamente pelo parlamentar e Jair da Costa.
Nos exercícios de 2005 e 2006, Luiz Antônio afirma que o Deputado Pastor Amarildo não executou nenhuma emenda.
Interrogatório de Darci José Vedoin – Justiça Federal – 20 a 27/07/2006
Durante o interrogatório prestado perante a 2ª. Vara da Seção Judiciária do Mato Grosso, Darci Vedoin disse não se recordar por meio de quem conheceu o parlamentar, no ano de 2001, e que acordou o pagamento de 10% ao Deputado Pastor Amarildo, a título de comissão, sobre os recursos destinados na área da saúde, para aquisição de unidades móveis de saúde.
Darci Vedoin disse também que ele e Luiz Antônio executaram algumas licitações entre os anos 2001 e 2002, em municípios no Estado de Tocantins. Afirmou ainda que foi o próprio Deputado Pastor Amarildo, pessoalmente ou por meio de seus assessores, que se encarregava de fazer o contato com os prefeitos nos municípios para acertar os detalhes acerca do direcionamento das licitações.
Luis Antônio disse não terem sido entregues mais do que oito unidades móveis de saúde naquele Estado e que se recordava que as unidades móveis foram entregues apenas no empenho, sendo que o Deputado chegou, inclusive, a agradecê-lo, porque a entrega das
unidades ajudou o Deputado durante a campanha eleitoral no ano de 2002.
Afirmou que, a título de comissão ao Deputado Pastor Amarildo, foi dado um microônibus com um palco, para que o parlamentar pudesse utilizá-lo ainda na campanha de 2002. A empresa Santa Maria adquiriu o microônibus em um leilão no Estado de Mato Grosso, e, após adaptá-lo, passou para o parlamentar.
Ao fim, confirmou Darci Verdoin que os depósitos de fls. 145, 146 e 147, todos do avulso V, em favor de Leonídia F. de Souza Lima, refere-se a pagamento de comissão ao parlamentar.
Planilha “movimentos” apreendida na Planam, citando o nome do parlamentar
Na apreensão feita pela Polícia Federal nas empresas dos Vedoin, localizou-se no HD de computador da empresa Planam, planilha Excell que se refere ao movimento de contas da empresa do ano de 2001/2002, onde se verifica a existência de recursos destinados a Leonidia F. de Souza Lima, no total de R$ 30.000,00, sendo que na coluna observação existe a inscrição “Dep. Pastor Amarildo”, conforme segue:
Interrogatório de Maria da Penha Lino –Polícia Federal – 08/05/2006
O Deputado Pastor Amarildo é citado no interrogatório de Maria da Penha Lino, ex-funcionária da Planam e ex-assessora do Ministério da Saúde, no Departamento de Polícia Federal, Superintedência Regional em Mato Grosso, em 19/06/2006, em Cuiabá, no qual a mesma afirmou que: (…) QUE tem conhecimento acerca de diversos parlamentares que trabalharam neste “esquema” com o grupo PLANAM no ano de 2004; QUE perguntada se saberia “de cabeça” todos os nomes, solicitou a relação completa dos parlamentares da Câmara dos Deputados para que pudesse apontar os nomes; QUE após análise da lista, passou a destacar, um a um, com um marca texto, o nome dos seguintes parlamentares: (…) PASTOR AMARILDO (…) QUE existem outros parlamentares, além dos indicados, que interagiam com o grupo PLANAM; QUE o grupo não trabalhava com emendas de parlamentares sem que eles tivessem que pagar propina;…
Deputado Maurício Rabelo (PL-TO)
Legislatura: 03/07
Depoimento de Luiz Antonio Trevisan Vedoin – Justiça Federal do Mato Grosso – 3 a 11/07/2006
Luiz Antônio Trevisan Vedoin afirmou que, no ano de 2003, conheceu o Deputado Federal Maurício Rabelo através do Deputado Federal Pastor Amarildo. Afirmou Luiz Antônio que realizou um acordo com o Deputado Maurício Rabelo, através do qual este receberia comissão de 10%, sobre o valor das emendas parlamentares destinadas à área de saúde, para aquisição de unidades móveis de saúde.
Segundo Luiz Antônio, no exercício de 2004, o Deputado Maurício Rabelo, por ocasião da apresentação das emendas parlamentares, recebeu, no mês de outubro de 2004, cerca de R$ 40.000,00, em espécie, que lhe foram entregues no seu gabinete na Câmara dos Deputados.
Luiz Antônio afirmou que, de todas as entidades arroladas na planilha de fls. 132 do avulso 1, executou apenas as licitações nos Municípios de Paraná e Ponte Alta, assim como no Hospital Padre Luso, em Palmas.
Quanto ao exercício de 2005, o Deputado Maurício Rabelo apresentou emenda parlamentar no valor de R$ 800.000,00, com recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, em favor do INTEDEQ, em benefício dos municípios do Estado de Tocantis. Contudo, apesar do empenho da emenda parlamentar, que se destinava à aquisição de unidades móveis de informática, a licitação não foi executada.
O acusado Luiz Antônio Trevisan Vedoin disse que, por volta do mês de outubro de 2005, realizou pagamento de mais de R$ 20.000,00, em espécie, os quais foram entregues pessoalmente ao Deputado Maurício Rabelo, em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Luiz Antônio afirmou que, no mês de dezembro de 2005, pagou mais R$ 20.000,00 ao Deputado Maurício Rabelo, sendo que o assessor parlamentar, Luiz Martins, foi quem se dirigiu ao escritório da PLANAM, em Brasília, para pegar o dinheiro, após ter sido sacado por Rodrigo e Fernando, de acordo com diálogos colacionados na representação policial do próprio acusado.
O acusado Luiz Antônio ainda afirmou que possuía com o Deputado Maurício Rabelo uma espécie de “conta corrente contábil”, através da qual, conforme as licitações iam sendo executadas, o parlamentar receberia as suas comissões.
Segundo Luiz Antônio, não foi realizado nenhum pagamento em favor do assessor parlamentar Luiz Martins. Contudo, todos os recursos entregues a Luiz Martins foram destinados ao Deputado Maurício Rabelo.
Por fim, como prova da veracidade de suas alegações, Luiz Antônio juntou aos autos do referido processo duas planilhas, onde há listagem de municípios e entidades que supostamente teriam sido beneficiadas pelas emendas parlamentares do Deputado Federal Maurício Rabelo.
Interrogatório de Darci José Vedoin – Justiça Federal — 26/07/2006
Darci José Vedoin afirmou que não se recorda através de quem conheceu o parlamentar, no ano de 2003. Disse Darci Jose Vedoin que com o Deputado Maurício Rabelo foi acordado pagamento de 10%, a título de comissão, sobre os recursos destinados na área da saúde, para aquisição de unidades móveis de saúde e equipamentos médico-hospitalares.
Darci José Vedoin afirmou que as unidades móveis entregues no Estado de Tocantins ocorreram mediante parceria com a IVECO, em Palmas. Assegurou Darci José Vedoin que foi o próprio Deputado Maurício Rabelo, ou seu assessor Luiz Martins, quem fez contato com os prefeitos dos municípios, para acertar os detalhes sobre o direcionamento das licitações.
Darci José Vedoin disse que foram realizados alguns pagamentos, em espécie, ao parlamentar, contudo não saberia quantificar os valores. Apenas afirmou que se recorda que um desses pagamentos foi realizado por Rodrigo Medeiros ou Fernando, funcionários do escritório da PLANAM em Brasília.
Interrogatório de Ronildo Pereira Medeiros – Justiça Federal do
Mato Grosso — 14/07/2006
Ronildo Pereira Medeiros afirmou que os acusados Darci José Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin fizeram acordo com o Deputado Maurício Rabelo no qual este receberia 10% sobre os valores da emendas direcionadas à área de saúde, na aquisição de unidades móveis e equipamentos médico-hospitalares.
Ronildo afirmou que ele e Luiz Antônio anteciparam, cada um, R$ 20.000,00, conforme notas de fls. 718 dos autos, para que o parlamentar apresentasse emenda para o exercício de 2006. Assegurou Ronildo que pelo menos R$ 20.000,00 foram transferidos pelo depoente para o nome de terceiros a pedido do Deputado Maurício Rabelo. E que esse depósito foi realizado pela OXITEC ou pela FRONTAL. Ainda declarou Ronildo Pereira Medeiros, conforme extrato de conta corrente da empresa FRONTAL, de sua propriedade, fls. 76 e 77, do avulso 7, ter realizado pagamento em favor do Deputado Maurício Rabelo no valor de R$ 20.100,00, realizado no dia 30/11/2005, a título de antecipação de comissão pelas emendas a serem apresentadas para o exercício de 2006.
Ronildo Pereira Medeiros ainda declarou que realizou, no mês de dezembro de 2004, a antecipação de comissão, no valor de R$ 40.000,00, em espécie, para que o Deputado Maurício Rabelo apresentasse emenda parlamentar à área da saúde, para aquisição de equipamentos médico-hospitalares e unidades móveis de saúde. Disse que o dinheiro foi entregue ao parlamentar pelo acusado Luiz Antônio.
Por fim, Ronildo Pereira Medeiros disse que nenhuma emenda do Deputado Maurício Rabelo foi apresentada para aquisição de equipamentos, no exercício de 2005.
Depoimento de Maria Estela da Silva – Justiça Federal do Mato Grosso — 10/06/2006
O Deputado Maurício Rabelo é citado no interrogatório de Maria Estela da Silva ao Juízo Federal da Segunda Vara, Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, em 10/06/2006, em Cuiabá, no qual a mesma afirmou que: (…) tem condições de arrolar alguns nomes de deputados, que eram autores de emendas parlamentares, as quais redundaram em convênios e processos licitatórios de interesse do grupo; a interroganda não pode afirmar se os deputados recebiam alguma vantagem pelas emendas, nem apontar um percentual de participação; não pode afirmar que os deputados tinham absoluto conhecimento sobre as fraudes; os contatos realizados entre os gabinetes dos municípios se davam pelos assessores parlamentares; eram os assessores quem passavam os nomes dos municípios, entidades em geral, nomes de contatos e as senhas para acessar o sistema para elaboração de pré-projeto; os nomes dos deputados são os seguintes: (…), Maurício Rabelo (…)
A depoente disse que também não pôde afirmar que os deputados tinham absoluto conhecimento sobre as fraudes. Segundo a depoente, os contatos realizados entre os gabinetes dos municípios se davam pelos assessores. Afirmou que os assessores parlamentares passavam os nomes dos municípios, entidades em geral, nomes de contatos e as senhas para acessar o sistema para elaboração de préprojeto.
Maria Estela da Silva também disse que o Deputado Federal Maurício Rabelo foi autor de emendas parlamentares, que redundaram em convênios e processos licitatórios de interesse do grupo.
Análises e Transcrições de Gravações Telefônicas
Em interceptação telefônica do alvo (61) 224-0111, tendo como interlocutores Marcelo e Nelson (do gabinete do Deputado Maurício Rabelo), ocorrida em 27/09/2004, às 15h 13, Nelson atende o telefone e identifica que é do gabinete do Deputado Maurício Rabelo. Na conversa travada, Nelson diz que recebeu um fax da Prefeitura Municipal do Formoso do Araguaia com exigências em relação ao Anexo 9. Nelson diz que é um parecer, e pede o número de fax do Marcelo para poder mandar o parecer. Marcelo informa o número de fax. Nelson pede que Marcelo identifique a Aliança do Tocantis. Nelson pergunta se já tem alguma posição sobre a Aliança do Tocantis. Marcelo diz que não tem posição ainda. Nelson diz que não entende o procedimento e pergunta se Marcelo atua em conjunto com o Ministério da Saúde.
Marcelo diz que está recebendo todos os pareceres, e fazendo alterações para mandar para as prefeituras para o prefeito assinar, sanando as pendências.
Denúncia do Ministério Público Federal
O Ministério Público Federal, por sua vez, denunciou o acusado Luiz Carlos Moreira Martins como incurso nas sanções do crime de formação de quadrilha, previsto no art. 288 do Código Penal, e no crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do mesmo diploma. Veja-se abaixo a transcrição de parte da denúncia, onde Luiz Carlos
Moreira Martins é apontado textualmente como ativo integrante da quadrilha, litteris:
LUIZ CARLOS MOREIRA MARTINS é servidor público da Câmara dos Deputados, em Brasília/DF. Encontrava-se lotado no gabinete do Deputado Federal MAURÍCIO RABELOPL/
TO. Vale dizer que o denunciado em apreço associou-se de maneira estável e permanente às atividades da organização criminosa, relacionando-se notadamente com LUIZ ANTÔNIO. ALESSANDRA e RODRIGO MEDEIROS, sempre com o propósito de cometer crimes.
Conforme as investigações realizadas, LUIZ MARTINS recebeu vantagens indevidas, pagas pela quadrilha em questão, em razão da sua função pública e do possível direcionamento de recursos orçamentários a projetos de interesse da organização criminosa. Assim, perpetrou o delito de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal).
Com efeito, por telefone, no dia 22 de dezembro de 2005, os irmãos LUIZ ANTÔNIO e ALESSANDRA, o “operador de caixa” RODRIGO e motorista da PLANAM FERNANDO cuidaram da realização do “pagamento” de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a LUIZ MARTINS, citando-o como pessoa ligada a M.A.U.. Os termos de um dos diálogos revelaram que por essa sigla a organização criminosa estava a se referir ao Deputado Federal MAURÍCIO RABELO-PL/TO. De outra parte, essa mesma ligação permitiu concluir que “pagamentos” semelhantes haviam se tornando freqüentes.
Extrato bancário da conta do “operador de caixa” RODRIGO MEDEIROS, que concretizou o pagamento, efetivamente acusou saque de cerca de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), no dia 22 de dezembro de 2005, data em que ocorreram as mencionadas ligações (cf. fls. 05 do IPL nº 294/2006).
Ademais, registro telefônico datado precisamente do dia 22 de dezembro de 2005 revelou que naquele dia a organização criminosa foi informada da iminência de liberação de recursos provenientes de emendas orçamentárias do parlamentar assessorado por LUIZ MARTINS.
De outra parte, documentos juntados aos autos demonstraram que algumas das emendas daquele Deputado Federal, há alguns anos, realmente destinaram recursos a convênios relacionados a licitações das quais a EMPRESA PLANAM COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA. foi “vencedora”. E isso basta para autorizar a conclusão de que LUIZ MARTINS, prevalecendo-se da sua função pública, de algum modo direcionou emendas orçamentárias a projetos de interesse do organização criminosa, ainda que possivelmente não tenha contado com a participação do Deputado Federal por ele assessorado.
Como se vê, LUIZ CARLOS MOREIRA MARTINS, em concurso material e na forma do artigo 29 do Código Penal, incorreu o na prática do crime de quadrilha, previsto no art. 288 do Código Penal; e no delito de corrupção passiva, previsto no art. 317 do mesmo diploma.
Interrogatório de Luiz Carlos Moreira Martins — Polícia Federal — 04/05/2006
Em sua defesa, Luiz Carlos Moreira Martins, preso em 04/05/2006, em Brasília, durante a Operação Sanguessuga, realizada pela Polícia Federal, declarou, em depoimento prestado perante a autoridade policial, que: “QUE o seu trabalho consiste no acompanhamento de projetos de Leis que tramitam no Congresso Nacional de interesse da empresa TAURUS, bem como “auxilia in formalmente” o deputado MAURICIO RABELO; QUE utiliza o gabinete do referido deputado como ponto de apoio para suas atividades no Congresso; QUE o interrogado morou nas cidades de Niterói/RJ, Salvador/BA, Três Corações/MG, Roma na Itália e Brasília/DF em razão de sua atividade militar; QUE conheceu a pessoa de DÁRCI JOSÉ VEDOIN no gabinete do Deputado MAURlClO RABELO em oportunidade na qual estava assessorando o deputado MAURICIO RABELO para que UNIDADES MÓVEIS DE SAÚDE fossem entregues para municipios e entidades do Estado do TOCANTINS; QUE o deputado MAURICIO RABELO em razão de autoria de emendas ao orçamento da União destinada ao Estado de TOCANTINS, especificamente, para a área das Secretarias Municipais de Saúde, tinha interesse em que as ambulâncias adquiridas com os recursos liberados do orçamento fossem entregues rapidamente; QUE não tem conhecimento de qualquer envolvimento do deputado MAURICIO RABELO com o empresário LUIZ ANTÔNIO TREVISAN; QUE indagado sobre o motivo pelo qual LUIZ ANTÔNIO TREVISAN se referia ao interrogado como “alguém que o ajudava” respondeu que os contatos mantidos com o empresário era com o único objetivo de agilizar a entrega das ambulâncias adquiridas por prefeituras do Estado de TOCANTINS; QUE o proveito tirado pelo deputado MAURICIO RABELO, em razão da entrega agilizada das ambulâncias era de cunho político; QUE o interrogado não recebia qualquer valor para que mantivesse os contatos com o empresário LUIZ ANTÔNIO; QUE a atividade do interrogado era de conhecimento do deputado MAURICIO RABELO; QUE não tem conhecimento sobre outras pessoas que colaborassem com o deputado MAURICIO RABELO na empreitada de entrega de ambulâncias adquiridas por municípios;”
Deputado Eduardo Gomes (PSDB – TO)
Legislaturas: 2003/2007
Interrogatório de Luiz Antônio Trevisan Vedoin – Justiça Federal – 03 a 11/07/2006
No que se refere ao Deputado Eduardo Gomes, o Sr. Luiz Antônio Vedoin afirmou que o conheceu em 2005, por intermédio do Sr. Ronaldo Barreto, proprietário das concessionárias Iveco e Kia, em Tocantins.
O referido empresário, segundo informações conhecia todos os parlamentares do Estado de Tocantins e realizava a intermediação de venda de equipamentos, por meio de contatos pessoais ou de seus vendedores. Por esse serviço, pagava 6% sobre o valor dos equipamentos em favor de Ronaldo Barreto, que, por sua vez, se responsabilizava pelo acerto com os parlamentares.
Luiz Antônio esclareceu que não sabe dizer se, efetivamente, Ronaldo Barreto repassava algum valor para os parlamentares. Contudo, o referente a 10%, sobre as emendas dos parlamentares Pastor Amarildo e Mauricio Rabelo, a título de comissão dos parlamentares, a cargo dele, Luiz Antônio, foram efetivamente repassados.
Luiz Antônio disse que no final do exercício de 2005, sobravam recursos da emenda individual do parlamentar Eduardo Gomes. Por essa razão, foram elaborados os projetos, a pedido do parlamentar, para os municípios de Santa Rosa, Ananás e Cristalândia, conforme e-mail enviado entre Jessemine, Igara e Raquel, conforme fls. 1.079 do processo de nº 2006.36.00.007613-1/IPL-041/2004. Esses projetos não foram empenhados.
Por fim, esclareceu que, com relação ao diálogo de índice 883066, Luis Paulo, mencionado no diálogo, é assessor do Senador Eduardo Siqueira Campos e que Luis Paulo estava intercedendo pelo deputado Eduardo Gomes, para comprar um veículo parcelado.
Depoimento de Ronildo Pereira Medeiros – 6ª Reunião da CPMI –
11/07/2006
Na 6ª Reunião da CPMI, quando perguntado pelo Deputado Fernando Gabeira se o Deputado Eduardo Gomes trabalhava com o esquema, o Sr. Ronildo respondeu que “com ele não” (sc-28).
Análise de Transcrições e Gravações Telefônicas
O diálogo que se segue, ocorrido entre um auxiliar do Deputado Eduardo Gomes e o Sr. Darci Vedoin, mostra que o primeiro, ao buscar a confirmação de um compromisso agendado, demonstra a familiaridade com o interlocutor, além do cuidado que ambos tiveram ao falar ao telefone sobre assuntos, provavelmente escusos, verbis:
Diálogo índice 826373; terceira chamada telefônica, nome alvo – Darci José Vedoin, fone alvo – (65) 84143604, interlocutores – Darci x Mauro, data – 14/12/2005, horário – 18:01:08)
O SR. MAURO – Alô? Darci? Darci?
O SR. DARCI – Oi.
O SR. MAURO – Darci?
O SR. DARCI – Alô?
O SR. MAURO – Darci ou Luiz?
O SR. DARCI – Oi?
O SR. MAURO – É o Mauro aqui do Deputado Eduardo Gomes. Tá vindo para cá?
O SR. DARCI – Não, eu tô indo lá no aeroporto levar o Luiz Antonio…
O SR. MAURO – Ah, tá.
O SR. DARCI – Eu te dou uma ligada depois.
O SR. MAURO – É, que o Luiz parece que marcou com o senhor aqui para vim aqui para Terceira agora.
O SR. DARCI – Pois é, é que nós ficamos de ir para aí às 5h, né, ficamos esperando a ligação e já estamos indo para lá agora.
O SR. MAURO – Vocês já estão indo embora?
O SR. DARCI – Mas eu vou fazer o seguinte, vou fazer o seguinte. Eu volto para cá na segunda-feira à noite. E eu já conversei com o pessoal lá o negócio lá de umas outras coisas que vou… Mas eu não quero, não vou falar por telefone.
O SR. MAURO – Ah, entendi, entendi, entendi.
O SR. DARCI – Tá?
O SR. MAURO – Não, hoje não dá não, né? Então, o senhor volta para cá agora, segunda?
O SR. DARCI – Hã?
O SR. MAURO – Segunda-feira, segunda-feira.
O SR. DARCI – Segunda à noite. Aí na terça-feira… aí eu tenho o dia inteiro com vocês aí.
O SR. MAURO – Pois é rapaz. Vamos…
O SR. DARCI – Tá bom?
O SR. MAURO – Tá jóia, um abraço. Obrigado.
O SR. DARCI – Manda um abraço, tudo de bom. Pede desculpa lá para ele, tá?
O SR. MAURO – Ah, tá obrigado.
O SR. DARCI – Obrigado, Mauro. Tchau, tchau.
(Fim da chamada)
Os diálogos seguintes, ocorridos entre o parlamentar e o Sr. Darci Vedoin, diz respeito a um pedido de orientação para a doação de uma ambulância para o município de Figueirópolis. O Sr. Darci se prontificou para elaborar um “projetinho” para o parlamentar e a acionar uma pessoa “de dentro” para acompanhar o processo, verbis:
Diálogo índice 1369301, sexta chamada telefônica, nome alvo – Darci, fone alvo – (61 84230444, interlocutores – Darci x Deputado Eduardo Gomes, data – 28/03/06, horário – 11:12:40.
A SRA. FLÁVIA – Seu Darci?
O SR. DARCI – Isso.
A SRA. FLÁVIA – Oi. É o senhor que esteve aqui agora na 3ª. Secretaria, não foi?
O SR. DARCI – Sim.
A SRA. FLÁVIA – Então, o Deputado Eduardo Gomes gostaria de falar com o senhor, tá?
O SR. DARCI – Pois não.
A SRA. FLÁVIA – O senhor tem algum outro telefone de contato? Eu consegui seu telefone através do seu filho, Luiz Antônio.
O SR. DARCI – É esse mesmo. Esse aqui é tô direto com ele.
O SR. DARCI – Tá, então, tá. Só um minutinho, tá? (Pausa.)
O SR. MAURO – Alô.
O SR. DARCI – Sim?
O SR. MAURO – Seu Darci?
O SR. DARCI – Sim.
O SR. MAURO – É o Mauro. Vou passar aqui para o Deputado.
O SR. DARCI – Tá bom.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Darci.
O SR. DARCI – Sim, meu patrão?
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Quantas pessoas eu tenho que assassinar para conseguir uma doação de uma ambulância?
O SR. DARCI – Ah, ah, ah, ah. Nenhuma.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – É que eu estou com um problema que eu não vou conseguir resolver, porque é em Figueirópolis, sabe? Lá, o Prefeito, pra você ter uma idéia, está alugando uma ambulância usada, horrível lá. E eu vou organizar tudo com ele, depois… Mas eu preciso através de uma entidade, alguma coisa, preciso. Lá, no caso, é meio urgente, porque é setorial lá para mim.
O SR. DARCI – Então, vamos fazer um projetinho agora. Agora, que aprovou o Orçamento, tem como fazer isso ai mais rápido.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Então, tá bom.
O SR. DARCI – Eu tenho uma pessoa lá dentro também para acompanhar. E tirar a ambulância.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Está ótimo, então.
O SR. DARCI – Na segunda-feira, pode… Aprovando o Orçamento, eu já tenho como fazer esse projeto para o senhor.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Tá bom, então.
O SR. DARCI – Aprova, parece que amanhã, né?
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – É aprova amanhã. Está bem próximo.
O SR. DARCI – Está bom. Aí se terça-feira com ele, o Luiz vai está com o senhor aí.
O SR. DEPUTADO EDUARDO GOMES – Está bom, então, meu irmão.
O SR. DARCI – Um grande abraço.
(Final da chamada.)
Em outra transcrição, um homem não identificado liga para o Sr. Darci e diz que o parlamentar colocou à sua disposição (de Darci) o seu gabinete e já convocou 03 (três) amigos para participarem de uma reunião. Nessa reunião, o Sr. Darci venderia “o seu peixe'' e, certamente, combinaria a contrapartida (diálogo índice 722959, nome alvo – Darci, fone alvo – 6584143604, data – 22/11/2005, horário – 19:33:48).
Esclarecimentos prestados por Luiz Antônio Trevisan Vedoin em depoimentos perante a CPMI nos dias 03 e 04/08/2006 – Brasília
Em anexo a este relatório encontram-se as transcrições dos depoimentos prestados por Luiz Antônio Trevisan Vedoin perante a CPMI, nas dependências da Superintendência Regional da Polícia Federal em Brasília, no dia 03/08/2006, e no Senado Federal, no dia 04/08/2006. Nesses depoimentos, foram prestados esclarecimentos sobre o depoimento anterior e adicionadas informações que, juntamente com a análise da manifestação escrita do parlamentar, elidem a conclusão de envolvimento do parlamentar.