Moacyr Scliar: “Cadê o militante que estava aqui?”

Não faltará quem atribua o desaparecimento dos militantes à conjuntura política. Para muitos, os lances sombrios da campanha sepultaram de vez o idealismo. Ou, pelo menos, substituíram-no por um pragmatismo. Leia artigo do médico e escritor Moacyr Scliar.

Era uma figura típica, sobretudo em Porto Alegre, o jovem militante. Um rapaz ou uma moça, modestamente vestidos, que passavam pela rua carregando ao ombro a bandeira do partido. Chamavam a atenção pelo olhar brilhante, iluminado, confiante. Chamavam a atenção também pela disposição para a luta. Quando se tratava de marchar, marchavam, sem descanso; quando se tratava de gritar, gritavam, as jugulares túrgidas, os punhos cerrados no ar. O militante era a expressão viva da paixão pela política.


 


Nesta última campanha, não faltou gente agitando bandeiras. Mas não era a mesma coisa. Freqüentemente tratava-se de coisa paga, aliás, bem-vinda, porque minimiza, ao menos transitoriamente, os efeitos do desemprego. A diferença com a militância, porém, é flagrante.


 


Não faltará quem atribua o desaparecimento dos militantes à conjuntura política. Para muitos, os lances sombrios da campanha sepultaram de vez o idealismo. Ou, pelo menos, substituíram-no por um pragmatismo. Não é a primeira vez que, no Brasil, isto acontece. No governo Geisel, surgiu a política do “pragmatismo responsável”. Era, teoricamente, um governo de direita, que deveria alinhar-se ao lado dos Estados Unidos; mas, à ocasião, foram celebrados acordos e tratados com países que eram até considerados inimigos do Ocidente. O que era vantajoso, o que representava interesse, era aceito.


 


São coisas mutuamente excludentes, a paixão do militante e o pragmatismo. Através das revoluções, a paixão política mudou o rumo da História, mas não o fez sem derramar sangue. Isto aconteceu na Revolução Francesa, na Revolução Russa de 1917 e até com a ascensão do nazismo que soube, sim, galvanizar as massas. Quando o militante, ao invés de carregar sua bandeira, começa a queimar bandeiras, é mau sinal. Já o interesse pragmático em geral não faz vítimas, não usa guilhotinas ou paredões; mas inevitavelmente se acompanha de um cinismo que tolera distorções às vezes bem grandes.


 


O Brasil já fez uma opção? Não, o Brasil não fez a opção. E aqui acho que dá para confiar na sabedoria acumulada nestes cinco séculos de História, no sentido de uma combinação, de um mix entre paixão e pragmatismo, de modo que essas coisas mutuamente se neutralizem e que de cada uma delas fiquemos só com os aspectos positivos. Não há dúvida de que este é o desafio que temos pela frente.


 


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Dilema para o segundo turno: pesquisas (com seus equívocos) ou bola de cristal?