Para entidades, CPI das ONGs é instrumento de guerra política

Organizações criticam caráter político-partidário da iniciativa, que se refere apenas ao período do governo Lula e já nasce como repercussão de denúncias sobre supostas irregularidades entre estatais e ONGs que seriam ligadas ao PT.


Por Jonas V

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) estão na mira da oposição. O circo apertou com a apresentação na última terça-feira (28) de requerimento do senador Heráclito Fortes (PFL-PI) que solicita a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a liberação de recursos do governo para ONGs e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) , além da utilização destes recursos durante os quatro anos da gestão Lula.


 


“Sob o manto de proteger nossas riquezas, tornam-se verdadeiros entraves ao desenvolvimento nacional, para proteger setores nos quais têm interesse”, acusou o senador na entrega do pedido. As críticas ao uso de recursos públicos por parte de ONGs e OSCIPs voltaram à tona durante o processo eleitoral a partir da acusação da suposta relação da Unitrabalho – rede que envolve universidades na capacitação de trabalhadores – com o caso da tentativa de compra do dossiê dos irmãos Vedoin por petistas.


 


A esse episódio se somou relatório do Tribunal de Contas da União divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo em 12 de novembro. A matéria afirmava que parte considerável de uma amostra analisada pelos técnicos do tribunal apresentava irregularidades na prestação de contas de seus convênios com a administração federal.


 


O fato mais concreto que reacendeu a ofensiva da oposição após a Unitrabalho ter sido inocentada das acusações foi a divulgação na imprensa que organizações conveniadas com a Petrobrás teriam relação direta com empresas que fizeram doação para a campanha de Lula à Presidência.


 


O que dizem as entidades
Para Luiz Antônio Carvalho, da Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), a CPI é uma iniciativa confusa orientada pela disputa político-partidária. Confusa pelo fato de se referir a ONGs quando na verdade o termo não configura nenhuma forma jurídica de associação, o que deixa o fato determinado extremamente frágil.


 


“Abrir uma CPI da ONGs seria o mesmo que instalar uma comissão para investigar empresas ou o estado brasileiro”, diz. A iniciativa cumpre o papel de instrumento de disputa político-partidária, continua, pelo fato de só se referir ao período do governo Lula e já nascer como repercussão de denúncias sobre supostas irregularidades entre estatais e ONGs que seriam ligadas ao PT.


 


“A CPI não visa à reforma do estado e do marco legal das ONGs, mas simplesmente o desgaste do opositor político”, avalia. A opinião é partilhada pela líder do PT no senado, Ideli Salvati (PT-SC). “O próprio senador Heráclito já disse que o objetivo é atacar o PT, fazer guerra política. Não tem seriedade em algo que começa na primeira semana de dezembro e termina no dia 22 do mesmo mês, não vai investigar nada”, afirma.


 


Segundo Jorge Durão, coordenador da Associação Brasileira de ONGs (Abong), os promotores da CPI miram nas organizações, mas vão acertar nos problemas do Estado. “As inúmeras CPIs relacionadas a ONGs deveriam se chamar CPIs do governo x, y ou z”, afirma


 


De acordo com Durão, “fá casos como no Rio de Janeiro, em que, independentemente do partido, a lógica de operar a relação com estas entidades é a mesma”. Essa lógica, explica o ativista, consiste no uso destas entidades como quebra-galho para cumprir o que o Estado não consegue fazer por sua estrutura engessada.


 


Relação ONGs-Estado
A tensa e interdependente relação entre ONGs e Estado foi alvo de debate no Senado na última quarta (29) e quinta-feira (30), em um fórum que visou discutir as causas dos problemas que levaram à apresentação do pedido de instalação da comissão. Os focos recaíram sobretudo no que toca à destinação de recurso público para as organizações e as regras que regem esta relação.


 


Os dois temas surgem praticamente juntos, pois é a necessidade de fiscalizar a transferência e uso de verba do Estado que traz à tona as noções de controle da atividade destas entidades. Na avaliação dos presentes, é aí que está o é aí que está o x da questão, e não em uma postura policial em relação à celebração de convênios entre governo a ou b e determinadas entidades.


 


O ponto de partida para a resolução dos desafios existentes na relação das ONGs com o governo, de acordo com os expositores que participaram do seminário, é a solução da confusão normativa como ponto de partida. “Nossa avaliação é que já tem lei de mais, mistura entre marcos normativos criando interpenetrações de leis”, disse José Eduardo Romão, do Departamento de Títulos, Qualificação e Classificações do Ministério da Justiça. Frente.


 


Para Romão, é preciso fazer uma consolidação da legislação dessa área, resolvendo o conflito entre normas e dando coerência às regras. Ele citou casos onde os problemas geram uma “burrocracia”, como no uso de título de Utilidade Pública (condecoração criada na década de 30) como pré-requisito à obtenção de qualificação ou reconhecimento de serviços prestados, como o título de entidade beneficente.


 


Na avaliação dos debatedores, as mudanças que viriam após o momento de harmonização da legislação precisam mirar o controle sobre o uso dos recursos repassados pelo poder público. “Deve ser aprimorado o controle no que tange ao destino dos recursos e o seu uso deve ser fiscalizado junto às entidades”, defendeu o procurador de Justiça do Distrito Federal José Eduardo Sabo Paes.


 


A divergência é quais os caminhos para se fazer isso. Durante os últimos anos, principalmente no âmbito da primeira CPI das ONGs presidida pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), foram apresentadas alternativas calcadas no controle do conjunto das entidades através de instrumentos como a obrigação de prestação de contas de todas as organizações junto ao Ministério Público. Iniciativas como esta encontram resistência no conjunto das ONGs por gerarem obrigações mesmo sobre aquelas entidades que não utilizam recursos públicos.


 


Possíveis soluções
Na busca por respostas aos impasses existentes, o representante do Ministério da Justiça apresentou, no debate, a proposta da criação de um cadastro unificado de entidades interessadas em acessar os recursos da administração federal. “O cadastro tem o objetivo de dar ampla publicidade às prestações de conta ano a ano de OSCIPs e entidades de utilidade publica”, declarou José Eduardo Romão. “Ele vai se integrar com outros cadastros, desburocratizando, padronizando e dando transparência dos processos.”


 


A proposta tenta resolver o problema do controle excessivo sobre a atividade de todas as entidades. De acordo com Romão, “não é um cadastro de ONGs, não pode ser cadastro de ONGs. Ao estado interessa conhecer o que é feito com recursos públicos, não nos interessa fiscalizar o que é feito com recurso privado”.


 


No entanto, integrantes de entidades demonstraram receio frente à proposta e sugeriram alternativas menos complexas, como o uso da base de dados da Receita Federal a partir de uma declaração diferenciada como referencial sobre a ação das ONGs.


 


Quanto à fiscalização dos convênios entre as organizações e o governo, foi lembrado que a submissão das prestações de conta ao Tribunal de Contas da União já é um instrumento de fiscalização. O interesse na Receita não é apenas do ponto de vista da transparência sobre a ação das entidades, mas sobre a busca por isenções fiscais para este campo de organizações.


 


CPI natimorta
Apesar do barulho em torno da CPI, a expectativa tanto dos governistas como até mesmo da oposição é que este ano a comissão não deve sequer nascer. Caso tenha êxito na sua instalação, deve ficar para o ano que vem. Os partidos têm até a próxima terça-feira para indicar seus representantes. Instalada, ela terá prazo até o dia 22 para seu funcionamento.


 


Segundo a senadora Ideli Salvati, como o curto tempo impedirá qualquer investigação mais séria, a CPI deve vai acabar servindo apenas como palco para ecoar as denúncias contra irregularidades em convênios de estatais com entidades. Até o próprio senador Heráclito Fortes já prevê a dificuldade de garantir o funcionamento da comissão e já fala em reapresentar o pedido no ano que vem.