Argentina: Kirchner acerta contas de 30 anos de impunidade


A recuperação econômica e o fim da impunidade em termos de direitos humanos. As duas pernas sobre as quais se assenta a gestão do presidente argentino Néstor Kirchner, cujo mandato termina este ano, receberam nesta semana um forte apoio com a detenção

Desde junho de 2005, quando a Suprema Corte argentina anunciou a anulação das leis de Obediência Devida e Ponto Final, a sociedade argentina vive uma cascata incessante de processos reabertos e novas investigações que a colocaram diante do fato de que, mais de três décadas depois, o país vai acertar as contas do passado. Uma política promovida pela Casa Rosada.



“Quando o presidente disse que não deixava suas convicções na porta da casa do governo e que não ia fazer pactos de impunidade com ninguém, incluía a todos, também a senhora Perón”, destacou o ministro do Interior, Aníbal Fernández, na primeira reação oficial à detenção em Madri da ex-chefe de Estado. De olho nas eleições presidenciais deste outono, o presidente argentino observa como o Poder Judiciário confirma sua política de não virar a página, iniciada já nos primeiros momentos de seu governo.



Acerto
Olhar para o passado é uma política polêmica, mas Kirchner joga com a vantagem que lhe dão os números do presente. Na terça-feira soube-se que em 2006 a inflação ficou finalmente abaixo de 10%, e embora continue sendo uma das mais altas do continente os argentinos vêem afastar-se um de seus grandes demônios: a hiperinflação.



Apenas dois dias depois ocorreria a ordem de detenção de Isabelita, fato que confirma que, em primeiro lugar, os juízes que investigam os casos de assassinatos, desaparecimentos e torturas vão perseguir todos os culpados, independentemente de seu grau de ligação ao fato e de seu paradeiro e, em segundo lugar, que os crimes investigados não se limitam aos anos da ditadura militar (1976-1983), mas incluem os anos anteriores ao golpe, quando o país esteve submetido a grande violência política e o terrorismo de Estado já começava a atuar.



Os anos que vão da morte de Juan Domingo Perón, em 1º de julho de 1974, ao golpe de 24 de março de 1976 são objeto de controvérsia no país. Trata-se de um período de grande violência política interpretado de maneira diferente conforme o ponto de vista. Há quem fale na “teoria dos dois demônios”, segundo a qual havia duas forças antagônicas – extrema-esquerda e extrema-direita – que criaram uma situação que levou ao golpe militar.



Essa versão é rejeitada por Kirchner em seus discursos. A outra tese é a que indica que a extrema-direita – cujos membros já ocupavam altos cargos no Estado – preparou nesse período a chegada do regime militar, e aqui se incluem entre outras ações os assassinatos cometidos pelo Triplo A ou a chamada Operação Independência, efetuada pelo exército argentino na província de Tucumán em 1975. Os juízes avaliam agora essa tese.



“É bom revisar a violência estatal descarregada sobre o povo desde muito antes da ditadura”, afirma María Cristina Caitai, do Centro de Estudos Legais e Sociais, órgão que com uma ação conseguiu a declaração de inconstitucionalidade das leis de Obediência Devida e Ponto Final.