Mercosul se fortalece, mas cria impasse com adesão boliviana

A adesão da Bolívia ao Mercosul fará com que o bloco exponha ao mundo duas faces que caracterizam o atual momento vivido por seus membros. Por um lado, ganha o conceito de integração regional, defendido pelos principais governantes da região; por outro, s

Existe a expectativa de que o anúncio da adesão oficial da Bolívia ao Mercosul ocorra na reunião de cúpula do bloco, marcada para começar nesta quinta-feira (18/1), no Rio de Janeiro. A decisão, no entanto, esbarra na TEC (Tarifa Externa Comum), o que caracteriza o bloco como uma união aduaneira.



O presidente da Bolívia, Evo Morales, enviou carta a todos os presidentes do Mercosul neste mês solicitando a criação de um grupo de estudos para incluir a Bolívia como membro pleno do bloco. No entanto, como tem tarifas de comércio mais baixas que as do Mercosul, a Bolívia quer uma fórmula que resolva isso, seja por meio de uma lista de exceções e tratamentos diferenciados ou pela admissão do novo sócio sem que o país participe da TEC por algum tempo. A situação será discutida pelos especialistas.



A concepção de união aduaneira é caracterizada pelo acordo feito por determinados países, no qual se estabelecem regras comuns de comércio com países que não façam parte desse acordo.



''A Bolívia é um país muito pobre, e o Brasil não tem interesse em tirar vantagem. O que nos interessa é a estabilidade da Bolívia'', disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, para quem os pedidos da Bolívia devem ser atendidos.



Divisão ou união?
Caso se confirme a entrada da Bolívia, será consolidada a heterogeneidade política na integração do continente. De um lado estarão Venezuela e Bolívia, com seus projetos de nacionalização; do outro, Brasil, Uruguai e Paraguai voltados para a consolidação da economia de mercado, e no meio a Argentina, que adota um modelo de economia de mercado, mas com o presidente Néstor Kirchner praticando controle de preços estratégicos.



''Teoricamente, a adesão de membros menores é uma alternativa ao processo decisório do Mercosul, que não fica tão a favor dos interesses brasileiros, o que é bom para o processo de integração. Na prática, as exceções inviabilizam a união aduaneira'', avalia Renato Baumann, diretor da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) no Brasil.



Dependendo da solução que for dada à Bolívia, o Mercosul poderá assistir a alguns conflitos, já que as principais reivindicações do Uruguai e do Paraguai se referem justamente à obrigatoriedade do uso da TEC.



O Uruguai quer ainda autorização para fazer acordos comerciais com outros países. E a exceção à Bolívia pode melindrar Chile e México, que não foram admitidos no bloco por não poder aderir à TEC.



Apesar dessa expectativa, o governo uruguaio vem defendendo publicamente a entrada da Bolívia no bloco. Para o chanceler do país, Reinaldo Gargano, a integração sul-americana ganhará novas perspectivas com a chegada de Evo Morales. ''Trata-se de um ponto fundamental para esse processo de integração. Teremos no Mercosul uma representação de três quartos do continente'', defende.



Mercosul e CAN
Apesar desses possíveis impasses, a Bolívia espera que o Mercosul anuncie sua adesão ao bloco como membro pleno sem ter que renunciar à Comunidade Andina (CAN), algo considerado arriscado por exportadores bolivianos e tecnicamente difícil por especialistas.



A Bolívia exerce atualmente a Presidência temporária da CAN, integrada também por Colômbia, Equador e Peru. No ano passado, a Venezuela se desvinculou desse bloco para entrar no Mercosul como membro pleno, ao lado de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.



Apesar de Brasília e La Paz considerarem que a Bolívia pode pertencer simultaneamente a duas uniões alfandegárias diferentes, essa possibilidade é considerada difícil por especialistas. O ministro Celso Amorim alega que a Comunidade Andina ''deixou de ser uma união aduaneira'' após a decisão de Colômbia e Peru de assinarem tratados de livre-comércio com os Estados Unidos, o que provocou a saída da Venezuela do bloco.



A CAN, no entanto, continua contando com uma Tarifa Externa Comum (AEC) que obriga a Bolívia a tributar as importações com uma taxa generalizada de 10% e de entre 0% e 5% para bens de capital. O Mercosul também é uma união aduaneira com uma Tarifa Externa Comum média de 12,3%, mas que chega a 20%, especialmente para bens de capital.



Em declarações concedidas durante a Cúpula Sul-Americana de Cochabamba, o secretário da Comunidade Andina, Alfredo Fontes, disse que considera difícil que a Bolívia abandone a CAN exatamente no momento em que os andinos iniciarão suas negociações de livre-comércio com a União Européia.



Apesar das insistentes declarações do presidente boliviano, Evo Morales, de que seu país pode pertencer aos dois blocos, os próprios exportadores de seu país já advertiram que a Bolívia terá que abandonar a CAN, o que seria totalmente desvantajoso.



Ameaças
Segundo o Instituto Boliviano de Comércio Exterior (IBCE), a saída da CAN provocará a ruína de milhares de agricultores bolivianos, que conseguem exportar com vantagens para os países andinos, mas que não têm como competir com a agricultura dos países do Mercosul, maior produtor mundial de alimentos.



O IBCE advertiu que a entrada da Bolívia no Mercosul também coloca em risco o mercado interno do país, que pode ser inundado por alimentos procedentes de Brasil e Argentina.



Em 2005, a Bolívia exportou para seus parceiros da Comunidade Andina produtos agropecuários avaliados em US$ 400 milhões e importou apenas US$ 20 milhões. Nas trocas com os países do Mercosul, as vendas bolivianas foram de US$ 17 milhões e as compras de US$ 133 milhões.



Apesar do superávit boliviano no comércio com o Mercosul em 2005 (vendas de US$ 1,294 bilhão e compras de US$ 933 milhões), a maior parte das importações se reduziu exclusivamente a gás natural, setor que gera menos empregos do que a agricultura.

Da redação, com agências