“Não posso virar bandido do dia pra noite”, diz Zé Dirceu
Por Graciliano Rocha (Campo Grande News)
Zé Dirceu é um cara que não sabe viver sem uma boa briga. Aos 60 anos, continua versátil, escolhe a arma conforme a ocasião. Já usou o microfone e o discurso inflamado como líder do movimento estudantil,
Publicado 27/01/2007 21:25
Depois de 30 meses como nº 2 da República, caiu do Olimpo após acusação de ser o chefe de uma quadrilha que distribuía propina a parlamentares, o mensalão. Foi uma pancada e tanto: perdeu o cargo de ministro, perdeu o mandato de deputado.
A fala pausada, mineira e em tom baixo de hoje contrasta com a imagem de arrogância que se sedimentou em torno de sua figura. É com essa mansidão aparente que Zé Dirceu se protege na sua briga da ocasião: provar que não é nem nunca foi o Poderoso Chefão. Sua luta hoje é para ser inocentado no Supremo Tribunal Federal e anistiado pela Câmara dos Deputados. “O meu filme ainda não tem epílogo”, diz.
No Festival de Cinema que o trouxe à cidade (de Campo Grande), deu autógrafos, sorriu para fotografias com anônimos. Nenhum sinal de hostilidade. Veio para acompanhar a estréia de Hércules 56, documentário do cineasta Sílvio Da-Rin sobre o seqüestro do embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick que resultou na libertação de um grupo de presos políticos que seguiriam para o exílio. Zé Dirceu estava entre eles.
“Não posso virar bandido e chefe de quadrilha do dia para a noite”, sentenciou, ao terminar uma conversa de 20 minutos com jornalistas de Campo Grande na noite de sexta-feira. A seguir os principais trechos da entrevista.
O sr. acha que a realidade do filme tem alguma coisa a ver com a realidade atual do sr. e do País?
Tem tudo a ver com o Brasil de hoje porque sem a luta que foi travada nos anos 60 e 70 o Brasil não seria o que é hoje. Além do aspecto que na geração de 68 fez uma revolução cultural no País, no comportamento, na linguagem, no cinema novo, na música popular brasileira, no teatro, na literatura. A geração de 68 marcou a vida do País, é uma mudança de época. Há um Brasil de antes do golpe e outro depois. Eu sempre digo que o próprio PT é resultado desta luta que houve. Eu sou apenas um participante desta história. O meu filme ainda não tem epílogo. O PT, sim, tem tudo a ver com essa história.
O PT está tendo inclusive a oportunidade de reabrir a história do País, de retomar o desenvolvimento nacional, que é um fio que percorre os últimos 50 anos no Brasil e inclusive (marca) o embate entre a democracia e a ditadura de 64. E depois a luta pela redemocratização. Vamos lembrar que no MDB, que depois se transforma no PMDB e luta pela redemocratização do País e consegue eleger no colégio eleitoral o Tancredo Neves, a grande bandeira era o desenvolvimento nacional.
Acho que o PT tem essa oportunidade histórica, que foi dada pela segunda vez com a reeleição do Lula, de não só consolidar a democracia política no Brasil, mas a social. O próprio resultado da eleição, o embate político-programático que houve no segundo turno mostram que valeu a pena ter governado esses quatro anos até porque foram assentadas as bases para o governo agora e também porque o País avançou nestes quatro anos de governo.
No seu blog o sr. tem feito críticas ao Banco Central e à política de juros do governo. O sr. as mantém?
Isso depende da sociedade e do presidente Lula, mas essa é uma questão ultrapassada. O importante é a aprovação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) na Câmara e no Senado. A decisão (de reduzir os juros de 13% ao ano) do Banco Central já aconteceu, o Banco Central vai se reunir mais sete vezes até o final do ano. A minha posição pessoal e de uma parcela bastante grande da sociedade brasileira é que o Banco Central de parar de reduzir (a taxa básica de juros) em 0,5% sem nenhuma razão. Pelo contrário, sem nenhuma razão, a inflação está caindo, a demanda não está pressionando, o risco-Brasil está caindo.
Os juros são muito altos. É verdade que os juros foram reduzidos de 26% para 13%, mas o juro real é muito alto. O que conta é o que nós pagamos de serviço da dívida, isso é que tira dinheiro das empresas, das famílias, e dinheiro de investimento em infra-estrutura e social porque nós pagamos R$ 155 bilhões de juros. Quanto mais cai a taxa Selic menos nós pagamos de serviço da dívida interna e mais podemos investir. Evidente que a sinalização do Banco Central de reduzir o juro num ritmo menor vem na contramão do PAC.
Não está demorando muito para abrir os arquivos da ditadura, não?
Não, os arquivos da ditadura foram abertos. O que é cobrado da justiça, do estado brasileiro e do governo do presidente Lula são os documentos que levariam famílias de mortos e desaparecidos a ter acesso aos restos mortais dos seus entes queridos e dar a cada um o enterro segundo a convicção religiosa de cada família. O governo Lula transferiu para a Biblioteca Nacional as informações de todos os arquivos dos órgãos policiais.
O que se cobra, e com justiça, é que as Forças Armadas revelem para o País o que foi a repressão e como foram mortos mais de 140 brasileiros, que são aqueles que ainda estão desaparecidos. Agora o governo Lula mudou a política do estado brasileiro com relação ao acesso dos documentos, manteve uma vedação [a determinados documentos] que existe por razões de estado que diz mais respeito a questões diplomáticas de fronteira.
A aliança com o PMDB afasta Lula do PT?
Não. Ele apresentou o programa de aceleração econômica e a partir do apoio que tiver a esse programa vai constituir o governo. Além da aliança do PT com PSB e PCd B, que são partidos próximos no aspecto ideológico, político-programático, há uma aliança PT e PMDB. Primeiro porque isso significa na Câmara 170 votos e mais 30 no Senado. Segundo: são os dois maiores partidos do Brasil, que juntos têm quase de 40% dos votos. Para governar o Brasil e consolidar um programa de transformações sociais, a aliança do PT com PMDB é fundamental.
Qual a influência que o sr. tem ainda hoje na direção do PT?
Nenhuma. Não sou mais dirigente do PT, não sou mais deputado, não participo de governo, eu sou militante do PT. O que eu tenho é apoio de uma grande parte do PT para minha luta para ser julgado pelo Supremo. Estou lutando para que o Supremo me julgue. A grande maioria do PT quer que eu seja anistiado pela Câmara. Mas eu não tenho influência no PT.
A eleição do Chinaglia pode ajudar no seu pedido de anistia na Câmara dos Deputados?
Independe. Se tiver um projeto de iniciativa popular ou um projeto parlamentar, ele tem que ser votado, independe de quem seja o presidente. A Câmara vai decidir.
Quando deve ser apresentado o pedido de anistia?
Ah, não sou eu que vou apresentar, não sou eu que vou fazer campanha. Também não tenho pressa. O que eu tenho pressa é que o Supremo me julgue porque eu não quero que prescreva, não quero impunidade. Não temo a justiça, eu quero ser julgado. Eu estou cassado há mais de um ano e até agora todas as decisões que foram tomadas me favorecem.
No caso Santo André, na CPI dos Bingos eu fui inocentado. Eu não tenho nenhuma investigação ou inquérito. O que eu tenho é a denúncia da Procuradoria Geral da República, que é muito grave e que eu considero inepta, vazia, apoiada nas declarações do Roberto Jefferson. Todo mundo sabe que o Roberto Jefferson foi cassado na Câmara dos Deputados porque não conseguiu provar (as acusações da existência do mensalão).
E no Congresso?
Os deputados sabem que minha cassação é política. Não havia nenhuma prova contra mim. Eles me conhecem, fui deputado federal três vezes e uma estadual. Na minha vida pública de 40 anos, eu nunca fui processado, com exceção do período da ditadura militar que dá pra encher esse prédio inteirinho de processos. Eu não posso virar bandido, corrupto, chefe de quadrilha do dia pra noite.