Em entrevista, Cláudio Lembo desanca tucanos e o ''velho PFL''

Em entrevista à revista semanal IstoÉ, o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), condena ''idéia de superioridade'' dos tucanos paulistas e cita particularmente o atual governador José Serra como um dos tucanos que alimenta ares de arrogância. Le

 


 


O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), não quis alimentar polêmica neste sábado com o ex-governador Cláudio Lembo (PFL), que lhe fez várias críticas em entrevista à revista IstoÉ. Lembo insinuou considerar Serra ''narcisista'' e disse que o ''tucanato paulista tem uma idéia própria de superioridade''.


 


Ao participar da 2ª Festa do Ano Novo Chinês, que acontece na Liberdade, região central de São Paulo, Serra disse não ter conhecimento da entrevista e chegou a pedir uma cópia da revista. Leu o texto, mas continuou calado.


 


Lembo, que substituiu Geraldo Alckmin no governo de São Paulo quando o tucano deixou o cargo para concorrer às eleições presidenciais, reclama que secretários de Serra o acusam de má gestão e diz que fez apenas um governo de transição.


 


''Preservei a estrutura de governo do PSDB. O problema é que o PSDB tem uma visão autofágica da política. Come-se a si mesmo. Isso não leva a nada, mas acho que eles não entendem'', afirmou o pefelista, segundo a IstoÉ. ''Serra é apenas o registro do tucano médio. Ele tem uma tendência a buscar a perfeição'', comentou ele, sobre seu sucessor.


 


Confira abaixo a íntegra da entrevista publicada na IstoÉ:



 


Por Marco Damiani
 


O ex-governador Cláudio Lembo nasceu para a política dentro da Arena, o partido de apoio ao regime militar. Evoluiu pelas trocas de nomes da legenda até chegar ao PFL, pelo qual cumpriu um mandato de nove meses como governador de São Paulo, em 2006. Tarimbado, ele sustenta que chegou a hora de o partido dar um fim a si mesmo, buscando outro nome e bandeiras mais identificadas “com os pequeno-burgueses da cidade e do campo”. O espaço político, acredita, está aberto, principalmente porque o PSDB não está sabendo cumprir esse papel. “Os tucanos são autofágicos, comem-se a si mesmos”, avalia. A ira disfarçada em ironia tem a ver com a postura assumida pelo governador José Serra em relação à sua gestão em São Paulo. Depois que lhe passou o pavilhão do Estado, em 1º de janeiro, nunca mais Lembo foi convidado para uma conversa no Palácio dos Bandeirantes. Agora, vê crescerem os disparos dos tucanos contra a sua curta administração, na qual contratos teriam sido malfeitos e até a peça orçamentária pouco ajudaria o Estado. O ex credita o fim do diálogo com Serra ao fato de o governador se achar “mais experiente que os demais”, alerta que se pode fazer muito no governo, “menos ser narcisista”, e lembra que agiu, no poder, como um governador de transição que preservou “a estrutura montada pelo PSDB”. Foi um Lembo inspirado e ferino o político que atendeu ISTOÉ na terça-feira 6 para a entrevista a seguir:



Os tucanos têm criticado sua gestão à frente do Estado. Isso lhe incomoda?
Cláudio Lembo – Nem um pouco. Há críticas infundadas, provenientes de uma visão de mundo perfeito, que não existe. As ruas têm sido solidárias comigo, é o que me importa. Li pela imprensa, agora, análises dos atuais secretários sobre o projeto de orçamento, que está sendo discutido na Assembléia Legislativa. Ora, se ele contiver equívocos, é só mandar emendas com as alterações. Não precisam derrubar tudo.


 


Então o sr. se importa.
Lembo – Não, porque eu sei que é difícil para os tucanos agir de outra maneira. Eu fiz um governo de transição, no qual preservei a estrutura de governo do PSDB. O problema é que o PSDB tem uma visão autofágica da política. Come-se a si mesmo. Isso não leva a nada, mas acho que eles não entendem.


 


O sr. foi bastante procurado pelo então governador eleito José Serra durante a fase de transição de governo. Depois da posse, voltaram a se falar?
Lembo – Não. Eu não fui mais convidado pelo governador Serra para nenhum diálogo. Não estivemos juntos nenhuma vez. A última vez que o vi oficialmente foi no dia 1º de janeiro, quando ele tomou posse e eu ofereci todo o suporte necessário para uma transmissão em nível civilizado. Posteriormente, nos vimos numa mera reunião oficial no Tribunal de Contas do Estado. Ele foi educado. E só.


 


Para a transferência de informações, não teria sido mais adequado que as conversas continuassem?
Lembo – Eu creio que o governador Serra seja um homem tão preparado que não precisa de diálogos com pessoas que não tenham uma experiência tão grande quanto a dele. Ele certamente se acha mais experiente que os demais e por isso nunca precisou de nenhum diálogo comigo.


 


Na atividade política, talvez o sr. tenha mais tempo do que ele.
Lembo – E na vida. Lamentavelmente, tenho até mais tempo de vida. E de política também. Eu vivi momentos muitos difíceis na política, mas isso é muito subjetivo e de cada um. Certamente cada um valoriza a sua vida e os momentos mais difíceis das suas carreiras. É preciso lembrar, porém, que no governo se pode tudo, menos ser narcisista.


 


É o caso do governador paulista?
Lembo – Serra é apenas o registro do tucano médio. Ele tem uma tendência a buscar a perfeição.


 


Surgem agora críticas sobre a extensão, por oito anos, das concessões às empreiteiras que administram as estradas e os pedágios. A responsabilidade pela prorrogação foi atribuída ao sr.
Lembo – Esse é um grande equívoco e, acima de tudo, um erro técnico e legal. Quem prorrogou os contratos – e eu até desconheço os termos dessas prorrogações – foi a Agência Delegada dos Transportes de São Paulo. Eu desconhecia. O governador Serra sabe que eu desconhecia. Houve um estudo pela agência, em função de sua autonomia legal, que eu acho excessiva – e isso sim mereceria um estudo. O primeiro ato que eu tomaria no exercício do governo seria a elaboração de um anteprojeto examinando formas de cercear ou, ao menos, permitir maior transparência a essas agências, de resto criadas pelos tucanos.


 


O sr., logo após assumir, teve de enfrentar distúrbios e rebeliões organizadas pelo PCC. Naquele momento, não houve uma solidariedade imediata do ex-governador Alckmin e tampouco do então candidato Serra. Sempre foi difícil se relacionar com os tucanos de São Paulo?
Lembo – Sim. O tucano, em geral, tem uma introversão que o faz viver apenas no seu ninho e não permite uma boa relação com o mundo exterior. Salvo os tucanos, talvez, de outros Estados do Brasil. Aqui em São Paulo, o tucanato tem uma idéia própria de superioridade perante os outros. Isso é grave. O que temos visto no mundo é que quando a intelectualidade tenta dominar a sociedade, isso gera um grande problema.


 


Dá para governar assim?
Lembo – Pode dar, mas não é bom. É bom a gente sempre ter relações muito próximas com todos os segmentos da sociedade. Um governo intelectualizado, elitizado, pode ter a rejeição da sociedade. Pode ter ao seu lado alguns segmentos superiores, mas os grandes estamentos da sociedade podem se mostrar antagônicos e, mais que isso, frustrados. Aí, a resposta virá pelas urnas.


 


Como o sr. vê o perfil de Serra no governo?
Lembo – Difícil. O governador Serra tem-se mostrado um homem introvertido. Não tem dado entrevistas coletivas, não tem se exposto à imprensa. É difícil perceber, por isso, qual vai ser o seu estilo. Ele nunca foi o primeiro, nunca foi a estrela dos grupos aos quais pertenceu. Ele foi secretário do Planejamento, foi ministro, foi sempre um homem que esteve sob a tutela do governador de São Paulo ou do presidente da República. É o momento de ele demonstrar a sua própria personalidade. Acho que será introvertido e com baixo bom humor. À medida que se aproxime da sociedade, vai sentir a necessidade de sorrir.


 


Qual é a sua aposta de boa gestão entre os novos governadores?
Lembo – Aécio Neves. Ele fez um bom primeiro mandato, com secretariado de altíssimo nível. Não sei se ele sai na frente de Serra na disputa presidencial para 2010, mas de qualquer maneira administrativamente ele sai na frente, porque está continuando um governo que foi bem-sucedido nos primeiros quatro anos.


 


São Paulo não deveria estar neste mesmo caso de continuidade, à medida que os tucanos estiveram 12 anos seguidos no poder, o que inclui o seu período?
Lembo – Mas aqui existe um problema: o tucanato de São Paulo é muito dividido. Essa divisão faz com que haja lutas intestinas que não permitem continuidades administrativas.


 


A aliança do PFL com o PSDB, que existiu durante três eleições presidenciais, chegou ao fim?
Lembo – Da minha parte só vejo uma saída: um candidato a presidente da República do nosso partido. Pode não ser um candidato que venha a ser vitorioso, mas que ofereça pensamentos, idéias e, acima de tudo, novos caminhos para o futuro. Isso de viver sempre vinculado a outro partido, como é da história do PFL, é extremamente grave. Não forma quadros nem novas lideranças. Aí o partido pode tender para uma autoflagelação que o levará à morte.



 


Não é melhor o partido anunciar oficialmente que não fica mais junto com o PSDB?
Lembo – Eu acho que em Brasília está acontecendo isso. A eleição de presidente da Câmara Federal demonstrou que o PFL partiu para uma posição firme, de autonomia. Isso é bom para o partido. Foi um posicionamento claro. Eu creio que o PFL vai ter algumas situações muito boas a partir de figuras de outros Estados. Temos bons quadros, como o novo líder Onix Lorenzoni, o ACM Neto, o Rodrigo Maia e o José Carlos Aleluia. Acho que o PFL tem de se transformar num partido do Congresso Nacional, com grandes quadros no Senado e bons quadros na Câmara Federal.


 


Mas o partido vem diminuindo.
Lembo – Isso é normal. Toda vez que perde governo, um partido que nasceu nas entranhas do governo perde quadros. Eu não vejo nada de excepcional nisso. O que essa redução de tamanho alerta é para a necessidade de mudança. Está na hora de mudar a denominação, conceber um novo partido, como também dar mais clareza aos objetivos do partido. Está faltando um grande partido pequeno-burguês no Brasil, de representação dos interesses das classes médias urbanas e rurais. É isso que deve se fazer a partir da mudança que se está anunciando agora, com a criação do Partido Democrático. O velho PFL acabou.


 


O sr. pode montar o novo PFL em São Paulo?
Lembo – Não é fácil. É preciso muitos quadros. Também em São Paulo o partido acabou. Sempre estivemos a reboque, desde o tempo do Paulo Maluf.


 


O sr. defende que o prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, se desvincule da liderança do governador Serra, do PSDB?
Lembo – Eu espero que ele faça uma reflexão e analise o que é melhor para o partido. Também espero que o Guilherme Afif seja uma das nossas grandes bandeiras, em razão da luta que ele tem pela diminuição dos impostos. Essa é uma boa bandeira. Ele tem grande espaço pela frente.


 


O sr. acha que o prefeito Kassab está indo bem à frente da maior cidade do País?
Lembo – Eu diria que ele está indo. Não colocaria nenhum advérbio nesse momento. O episódio da última semana (Kassab expulsou um desempregado de um posto de saúde chamando-o de “vagabundo”) mostra a expressão do conflito social que existe no Brasil. Eu sempre mostrava, durante a minha passagem pelo governo, que a minoria branca está em conflito com a maioria da sociedade. Esse episódio mostra exatamente isso: o poder está em situações de conflito com as pessoas isoladas, o “qualquer um”, que é próprio da política italiana dos anos 1930. Esse episódio mostra que uma pessoa, como é próprio da democracia, ofereça suas idéias e tenha um conflito com as autoridades.


 


Fonte: IstoÉ Online