Futuro dos quadrinhos se mistura com tecnologia

Para Scott McCloud , um veterano dos quadrinhos, atualmente há pelo menos entre 10 mil e 20 mil pessoas fazendo quadrinhos na Internet. “Alguns são bem ruins -provavelmen





Em 1984, dois anos após deixar a Universidade de Syracuse, Scott McCloud realizou seu sonho de infância: ele se tornou um artista profissional de histórias em quadrinhos quando a revista alternativa de super-herói, “Zot!”, foi publicada por uma pequena editora da Califórnia.




Mas McCloud realmente se consagrou como profissional uma década depois, após seu tratado “Desvendando os Quadrinhos” – engenhosamente apresentado em forma de história em quadrinhos – receber críticas elogiosas do “The New York Times Book Review”. “Quando a jornada de 215 páginas finalmente acaba”, escreveu Garry Trudeau, criador de “Doonesbury”, “a maioria dos leitores dificilmente verá os quadrinhos da mesma forma”.




McCloud continuou escrevendo e desenhando quadrinhos – uma passagem de um ano pela revista “Superman Adventures” em 1997, uma graphic novel muito ruim chamada “The New Adventures of Abraham Lincoln” em 1998 – mas ele se tornou mais conhecido por uma trilogia de livros -“Desvendando os Quadrinhos”, “Reinventando os Quadrinhos” de 2000 e, no ano passado, “Making Comics” (fazendo quadrinhos) – que explicam como os quadrinhos funcionam e oferecem sugestões para o caminho que podem seguir.




Ao longo do caminho, McCloud fez alguns inimigos; seu endosso ao uso de computadores para criar e distribuir quadrinhos em “Reinventando” atraiu uma ira particularmente intensa do pessoal da pena e tinta. (Um recente crítica de “Making Comics” se refere a McCloud como filisteu.)




Ainda assim, ele conta com muitos fãs. A “Publishers Weekly” considerou “Making Comics” uma das 10 melhores graphic novels de 2006 e McCloud, sua esposa e duas filhas pequenas estão atualmente em uma turnê de um ano de divulgação do livro que ao final os terá levado a todos os 50 Estados, cinco províncias do Canadá, Londres e Barcelona. “Nós vimos tempestades sobre o Mediterrâneo, fomos à Torre de Londres, visitamos Vermont no outono, subimos no topo do Rockefeller Center e assistimos a dois espetáculos da Broadway”, ele disse.




E o que aconteceu de mais engraçado até o momento? “Quando bati na traseira do Pluto em Orlando. Eu demorei em frear em um trecho com bastante óleo, escorregadio, da estrada e bati na traseira de um sujeito que descobri depois que trabalhava na Disney World, interpretando Pluto e Buzz Lightyear. Ele não estava vestindo sua fantasia no momento, mas é como nós descrevemos o fato -'O dia em que bati na traseira do Pluto'.”




Nós conversamos com McCloud por celular enquanto ele e sua família – e esta pode ser uma primeira vez nos anais do jornalismo – visitavam um cemitério em Nova Orleans. “É adorável”, ele disse.




Austin American-Statesman: Em 2000, em “Reinventando os Quadrinhos”, você previu que os computadores e a Internet transformariam os quadrinhos. Sete anos depois, eles mudaram?

Scott McCloud:
Eles certamente transformaram os quadrinhos na Internet.
Segundo estimativas conservadoras, eu acho que atualmente há pelo menos entre 10 mil e 20 mil pessoas fazendo quadrinhos na Internet, o que é bastante. Alguns são bem ruins -provavelmente a maioria- mas também há ótimos trabalhos na Internet. Assim, o grau com que a distribuição pela Internet mudou a cultura dos quadrinhos é enorme.

Os computadores, é claro, também estão mudando a forma como fazemos arte, e vimos exemplos de pessoas como os quadrinhistas na antologia “Flight” (na qual uma série de artistas explora a idéia de voar) que estão acostumados a criar arte para a tela, voltarem para o material impresso e também repensarem a forma como criamos arte para impressão.

Há muitas coisas no livro que esperava e que não vimos ainda – algumas mudanças na forma como o comércio se dá na Internet ainda não ocorreram. Na verdade, eu até mesmo tentei e fracassei nos últimos dois anos. (…) O que eu esperava no lado comercial era alguma forma de vendedores interessados e compradores interessados trocarem diretamente pequenos valores em dinheiro. Uma empresa que eu achei que tinha um sistema razoavelmente bom afundou e nunca consegui obter uma ampla adoção social pela comunidade de quadrinhos do que chamamos de “micropagamentos”, apesar disto realmente significar a capacidade de trocar centavos.

Parece que as pessoas no momento estão apenas dispostas a realizar tal comércio quando se trata de um único vendedor, como o iTunes. E há problemas com o modelo de único vendedor – tal vendedor é quem estabelece o preço, tal vendedor é quem decide se seu trabalho estará disponível ou não. E mesmo quando você tem uma entidade relativamente benigna como a Apple -bem, eu acho que ela é benigna, eu uso seus produtos o tempo todo- este é um problema potencial mais à frente.




Statesman: Eu olhei para uma tira de Internet que você mencionou em “Reinventando os Quadrinhos”, “When I Am King” (www.demian5.com), que considerei maravilhosa. Mas considerei incômoda a necessidade constante de rolar a página e clicar. Eu queria ou virar as páginas ou que as imagens se movessem por conta própria, e senti estar em uma zona cinzenta desconfortável entre as duas. Eu estou ficando velho ou os quadrinhos na Internet ainda não descobriram a melhor forma de se apresentarem?

McCloud:
Você pode estar velho, mas não acho que este seja o motivo! (Risos.) Eu acho que a segunda explicação é mais provável. Rolar é chato; sempre foi. Eu não acho que será permanente; eu ficarei surpreso se em 10 anos ainda estivermos procurando pelos botões de rolagem. É como as primeiras experiências com as comunicações de banda larga, coisas como Flash, que exigiam que você esperasse alguns minutos para serem baixadas na época em que todos tinham modems 14,4. Eu me lembro de pessoas dizendo que ninguém escutaria música da Internet por causa da demora para baixá-las. Eu achava que se tratava de uma visão míope porque ela considerava que sempre nos conectaríamos a 14,4 -o que não aconteceu.




Statesman: Na área de jornais há muita ansiedade diante do produto impresso poder ser substituído pela entrega digital. Você acha que os quadrinhos impressos em papel poderão desaparecer? E em caso afirmativo, acha isto uma coisa boa?

McCloud:
Eu acho que ainda existirão revistas e álbuns em quadrinhos físicos, mas o que temos visto é que a recente geração de criadores medita muito mais sua opção de impressão. Eles estão encontrando formas de tornar o material impresso mais interessante, explorando as qualidades únicas da impressão, as qualidades táteis. Eles estão criando quadrinhos em papéis diferentes interessantes, em formatos interessantes, coisas que são realmente agradáveis de segurar nas mãos.

Na minha geração nós realmente não pensávamos desta forma, porque a impressão era simplesmente vista como a forma mais eficiente do criador chegar ao leitor. Mas não é mais; não é a forma mais eficiente, ela apenas tem certas qualidades estéticas inerentes que ainda gostamos. Assim, não acho que o material impresso se extinguirá tão cedo.

Mas eu acho que o jornal em particular – com todo o devido respeito ao Austin American-Statesman – foi um formato que tirou proveito do cenário tecnológico em seu auge e tal cenário está mudando drasticamente. E acho que as tiras de quadrinhos e os jornais, particularmente, foi uma espécie de casamento de conveniência no início do século passado, mas não estou certo se ainda há amor em tal casamento.




Statesman: Em “Making Comics” você menciona que está lendo e estudando mangá (quadrinhos japoneses) desde 1982, quando certamente era o prazer de uma minoria entre os leitores de quadrinhos. Agora, 25 anos depois, mangá é o segmento que mais cresce na indústria dos quadrinhos. Você tem uma sensação de “eu não disse”?

McCloud:
Bem, só um pouco, porque também sinto que estou correndo para me atualizar porque há muita coisa que preciso ler. Eu não li muito mangá nos anos 90 porque estava concentrado em outras áreas, especialmente na Internet. Eu tento ter uma lista de leitura mais eclética possível, mas os quadrinhos se tornaram grandes demais para alguém conseguir se manter atualizado em todos os aspectos deles. Mas para mim pode ser muito frustrante porque gosto de estar informado sobre o que está acontecendo em todos os cantos dos quadrinhos, e se tal mapa cresceu em um fator de 10, meu trabalho apenas se tornou mais difícil.




Statesman: E qual é seu próximo projeto?

McCloud:
Eu finalmente vou fazer uma graphic novel. É uma história que tenho em mente há cerca de 20 anos e que até recentemente não tinha certeza se era a pessoa certa para desenhá-la, porque não achava que era bom o bastante. Mas parte da minha missão na criação de “Making Comics” era literalmente treinar para me tornar um artista melhor, para que me tornasse a pessoa certa para desenhar meu próprio álbum. E me sinto confiante no momento de que posso.




Tradução: George El Khouri Andolfato/ UOL Mídia Global
Fonte: 
Cox Newspapers