Crítica: Por que ver “Antônia” no cinema?

Existe um clichê segundo o qual no cinema brasileiro só se vê sertão, favela e gente pobre. Por isso nossos filmes não atrairiam o público predominante das salas, em sua maioria constituído por uma classe média que se imagina projetada nas ficções de m

Favela e gente pobre integram, sim, o universo de Antônia, terceiro longa de Tata Amaral, mas tudo o que se vê na tela desmonta os simplismos do pré-julgamento.


 


Em primeiro lugar, nota-se a ambição bem-sucedida de fazer um filme popular que almeja um público além do freqüentador de salas de shopping, a partir da escolha de um tema pop: quatro garotas da periferia de São Paulo, integrantes do grupo feminino de hip hop Antônia, sonham com o sucesso enquanto a realidade cumpre o papel de demolir seus ideais.


 


Essa vocação foi o que permitiu ao filme ter seu núcleo dramático testado num veículo popular por excelência, a TV, no formato microsérie, antes de ser lançado no cinema.


 


A idéia é a mesma de dois outros títulos de apelo: Dois Filhos de Francisco e Dreamgirls – Em Busca de um Sonho.


 


Singularidades


O que diferencia o filme de Tata Amaral é o sinal invertido que dá a seu relato. Enquanto aqueles mostram como o sonho supera os obstáculos, este valoriza o limite do idealismo frente à realidade. De um lado, estão filmes fundados na fantasia, de outro, a ficção alça vôo a partir da crença no poder do realismo.


 


Em segundo lugar, é essa opção estética de Tata Amaral, já definida desde seus longas anteriores (Um Céu de Estrelas e Através da Janela), que garante a Antônia uma veracidade responsável pela singularidade do resultado final.


 


O fator mais evidente dessa escolha encontra-se na adoção de atores não-profissionais, cujo desempenho em cena dá a impressão de não estarem representando. Mais que verismo, alcança-se um frescor na representação de tipos, falas e situações que afastam do filme os riscos de cair no estereótipo.


 


Além desse elemento, com um trabalho de câmera e de luz avesso aos cânones da beleza oficial, Antônia ficcionaliza o espaço social sem maquiá-lo.


 


Tampouco lança sobre a pobreza um olhar paternalista, do tipo “veja como sofrem”. Nem ambiciona demonstrar uma tese, e, assim, pode se dar o luxo de construir um relato provisório, distante de uma amarração que visa a um efeito conclusivo.


 


Cinema popular?


Por isso, também, Antônia é menos um filme bonito no conjunto e mais um filme com momentos de beleza, como em duas cenas de arrepiar: uma na qual as personagens se deparam com um ato de violência e outra quando a câmera acompanha o esforço físico delas para levar nas costas, escadaria acima, um rapaz agredido.


 


Enquanto a população da periferia se queixa, com razão, do modo como o audiovisual a representa, mostrando dela só a violência e os efeitos da miséria social, Antônia vai até esse universo para apreendê-lo com uma atenção inédita que só intensifica seu efeito de verdade. Se isso não é uma aposta de cinema popular (e não populista) o que, afinal, será?