Kassab e os desacertos públicos

O atual prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab promove uma gestão frente à principal administração municipal do país privilegiando as relações com a elite paulistana e inverte as prioridades de investimentos públicos prejudicando a maioria da população

Kassab foi alçado prefeito depois que José Serra abandonou a administração municipal para alcançar o governo estadual, o atual prefeito nada mais é que um entreposto dos interesses do seu antecessor, daí a ausência de um projeto próprio de sua gestão.



O último acontecimento que envolveu o prefeito foi, no mínimo, lamentável. Colocou para fora aos berros e empurrões um trabalhador que se manifestava diante de um projeto municipal, em uma inauguração pública. A forma e os gestos de Kassab era de um sujeito ensandecido, descontrolado. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, do último domingo (11/02), pede desculpas ao senhor Kaiser (sujeito agredido na ocasião) e à sociedade paulistana. Seria um ato adequado diante de um erro, não fossem as explicações mal convencidas para apresentar sua justificativa. Diz o artigo: “não vou tergiversar, não uso meias-palavras. Errei, me excedi. Perdi a cabeça. Não tenho sangue de barata e reajo, às vezes, como muitos reagiriam. Não tinha o direito de perder a calma, e perdi. Foi um acidente.  Mas nada justifica.  Mostrei-me como não sou. (…)”, e por aí seguem os argumentos.



O principal problema não é o sujeito, passível de erros e pressões do cargo que ocupa, mas sim a gênese de seu destempero. Embutida nesta atitude está a sua concepção autoritária, típica de um político formado nas hostes do conservadorismo paulistano. Kassab é ligado ao PFL, partido de origem dos defensores do Golpe Militar de 1964, de ideologia neoliberal. Portanto, não é apenas uma questão pessoal, trata-se da concepção ideológica que o sujeito é formado e se posiciona na sociedade.



A administração municipal, distinta do que o prefeito prega, é mal gerida, os serviços públicos estão precários e existe a inversão das prioridades, colocando os interesses da classe alta paulistana em detrimento das imensas demandas e dificuldades das classes populares de nossa cidade.



Tomemos como exemplo os serviços públicos de limpeza, as ruas sujas, mal cuidadas, os bueiros bloqueados causando maiores inundações em tempos de chuva. As praças, lugar comum de toda comunidade local, estão abandonadas fazendo com que as escassas opções de laser se agravem. Voltamos para o período de abandono que marcou o período Pitta, um dos maiores desastres administrativos da cidade. Não por acaso, Kassab era seu assessor mais próximo.



No transporte público, a atual administração cortou 1/3 das linhas de ônibus da cidade, mais de 400 distribuídas, sobretudo na periferia de São Paulo. A justificativa era a otimização dos serviços. O resultado é a piora considerável, tanto nas opções de linhas e tempo de demora nos pontos, quanto na qualidade da frota. A população da periferia sofre com a ausência de qualidade no transporte. Sem dizer do aumento injusto e inexplicável das tarifas e a tentativa de desmontar o bilhete único, ensaiado no primeiro período de mandato.



Na educação Kassab fez muito barulho por um novo pacote de construção de unidades dos CEU´s e reforma de escolas. Nada mais que a retomada do projeto da administração anterior, que tanto criticou. O projeto educacional carece de um rumo que leve em conta a qualidade de ensino e a formação dos estudantes, como perspectiva de um futuro melhor para os jovens, principalmente os das periferias. Acabar com o vergonhoso turno da fome é obrigação imediata e não projeção para o futuro, como fez o atual prefeito.



Na saúde, muita propaganda e pouca eficiência, o atual prefeito apresenta as AMA’s, unidades de pronto atendimento, para desafogar as demandas nos Pronto-Socorros e Hospitais Públicos. Ocorre que essas unidades não conseguem dar seqüência aos tratamentos, necessários em muitos dos casos, em que os pacientes precisam realizar exames, tomar remédios, etc., algo que as UBS’s, se bem estruturadas e ampliadas, podem dar conta. Portanto, as AMA’s não são a solução para as graves demandas do setor. A necessidade por mais unidades básicas de atendimento, com equipamentos adequados e profissionais estimulados, ao lado de ambulatórios especializados, sobretudo nas periferias, é a principal exigência da saúde pública. Há regiões com concentração populacional acima de 500 mil habitantes sem nenhuma alternativa de atendimento, principalmente quando se trata de continuidade de tratamento.


 


Entre outras demandas sociais e estruturais, a resposta que a administração oferece é a lógica da otimização do mercado, a “eficiência de gestão”, típica receita dos neoliberais em que insistem transferir para a esfera pública as respostas usualmente utilizadas na iniciativa privada. Kassab acha que é alcaide e trata a administração municipal como sua empresa particular, não faz distinção do público e o privado.


 


O principal problema desta administração, contudo, não é apenas a falta de capacidade administrativa sob o olhar das demandas públicas e de necessidade popular, mas exatamente a falta de um projeto para a cidade. São Paulo está se desindustrializando e perde capacidade econômica a cada ano. Essa situação gera desemprego e acirra ainda mais a situação de miséria e dificuldades do nosso povo. Qual a resposta que o prefeito oferece para enfrentar a superação de um ciclo de declínio econômico na cidade? Não há resposta. Os conservadores tocam a administração com conservadorismo, sem inovação e capacidade de auto-superação.


 


O episódio da expulsão de um trabalhador em um espaço público e chamá-lo de vagabundo é apenas a ponta do iceberg da concepção atrasada da atual administração de São Paulo.


 


Julia Roland, é médica e presidente do PCdoB paulistano.