A oitava cor do arco-íris que alguns não consegue vêr

Miranda Muniz, presidente estadual do PCdoB, escreve sobre a polêmica sobre o filme “A OITAVA COR DO ARCO-IRIS”, a partir de notícias divulgadas por alguns veículos de comunicação do eixo Rio-São Paulo, e defende o cineasta Am


 


“Me pediram pra deixar de lado toda tristeza,  
Pra só trazer alegrias e não falar de pobreza. 
Eu, que não posso enganar, misturo tudo que vi,


canto sem competidor, partindo da natureza


do lugar onde nasci. 
Não separo dor de amor. 
Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho 
De que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza 
Foi que me fez cantador.”  
Terra Plana (Geraldo Vandré) – 1968
 


No final do ano passado, alguns veículos de comunicação do eixo Rio-São Paulo, divulgaram um tal ranking, elaborado pelo site Filme B, em que aponta “A Oitava Cor do Arco-íres”, do cineasta Amauri Tangará, como o filme nacional menos assistidos pelo público. Para agravar a situação, a notícia veio acompanhada de comentários desabonadores sobre obra, o que tem causado polêmica e indignação, afinal, esse foi o primeiro longa metragem genuinamente produzido em Mato Grosso (desde artistas, cenários, técnicos, estúdio, etc.).  
 
Instigado a comentar a “grande notícia(!?)”, o camarada Amauri, que não gosta de levar desaforo pra casa, declarou, de sua aconchegante casa da Chapada (“construída com sacrifícios e trabalho duro!”), não ter ficado surpreso nem abatido com o tal ranking.  
 
É que Amauri Tangará e sua companheira Tati sabem, mais do que ninguém, das dificuldades enfrentadas para “fazer arte” fora do referido eixo, o qual, tradicionalmente, detinham o monopólio dos recursos públicos e incentivos desse setor, situação que começou a ser invertida com a política de descentralização do Governo Lula e que, segundo ele, “tem desagradado muita gente”. Para Amauri, esse tipo de matéria “é uma tentativa de convencer os leitores do quanto é vão e inútil distribuir recursos públicos para artistas que não possuem poder de competir no mercado; prega a idéia preconceituosa de que um tal Brasil que fica do outro lado (de não sei onde), caipira e tupiniquim, que tem mais é que plantar feijão e tulipas para a burguesia.”  
 
Mas vamos à polêmica…  
 
Quanto ao público, Amauri esclareceu que o filme foi colocado em cartaz em apenas uma sala de cinema na cidade de São Paulo, no mês de outubro, na sessão das 13:30. Entretanto, foi comparado com filmes que ficaram em exibição desde o início do ano e que dispuseram de polpudas verbas para divulgação na grande mídia, ao contrário do seu filme. Também informa que o filme já foi assistido por milhares de pessoas, tanto no Brasil (Brasília, Cuiabá, Alta Floresta, Maringá, Curitiba, Campo Grande, Florianópolis, Porto Alegre, São José do Rio Preto, São Luiz, etc.), como no exterior (Nova York, Los Angeles, em cidades de Portugal, Espanha, etc.),  
 
No aspecto da qualidade, mesmo não sendo “especialista” em cinema, vou prestar um testemunho, pois tive a rara felicidade de assistir, ainda em fase finalização, o filme, exibido em primeira mão para os moradores (muitos protagonistas do próprio filme) do Distrito da Guia, pequeno distrito de Cuiabá-MT. 
 
Ao chegar na pacata localidade (cerca de uma hora antes do filme começar), fiquei impressionado ao ver a quantidade de crianças, adultos(as) e velhos(as), com roupas “domingueiras”, que se deslocavam rumo à praça central. Inicialmente, imaginei que fosse casamento ou celebração de alguma missa especial. Depois, ao chegar na praça, percebi que iam assistir ao filme de Tangará. Quase não conseguir um lugar para sentar, em uma das mais de mil cadeiras (tipo cadeiras de bar) distribuídas em uma grande área cimentada ao ar livre.  
 
Após o falatório de algumas autoridades, a praça estava repleta. Parecia que toda a população da Guia estava presente. Amauri deu o comando e um projetor instalado em um caminhão distante a cerca de 80 metros de um telão gigante foi acionado. Durante os poucos segundos que antecederam ao início das cenas, o silêncio foi absoluto. Assim que as primeiras cenas iam passando o público começou a manifestar e interagir. O dilema do menino entre salvar sua avó e perder de vez sua cabritinha de estimação, e o desespero da avó para encontrar seu neto, eram também vivido pelos espectadores(as). Mesmo com esse enredo central, Amauri não descuidou de abordar, de maneira sutil e perspicaz, a problemática da miséria, saúde pública, poluição dos rios, aspectos do patrimônio cultural, luta pela sobrevivência na cidade grande, contrastes entre interior e capital, etc., ao lado de sensibilidade, companheirismo, solidariedade!  
 
No final, angustia e certa decepção, pois o menino volta e depara com o cortejo fúnebre de sua adorável vovozinha. Mas, logo a seguir, Amauri surpreende o público com “outro” final em que a avó está curada e o menino e a cabritinha retornam, para a alegria e felicidade de todos(as). Afinal, esse povo sofrido também merece um pouco de alegria! Quando o projeto se apaga, há um clima generalizado de alegria e emoção entre os(as) presentes. Muitos(as) vão às lágrimas, demonstrando que o povo gostou!  
 
Essas e outras são as oitavas cores do arco-iris, impossíveis de serem vistas e percebidas por quem não conhece os dramas vivenciados pelo povo, especialmente do interior do nosso país, ou que só concebe cinema com efeitos especiais e recheados de atores globais ou holiudianos.  
 
Camaradas Amauri e Tati, vão em frente!  
 
* Miranda Muniz – agrônomo, bacharel em direito, oficial de justiça avaliador federal e presidente estadual do PcdoB/MT