Atrás do trio elétrico vai quem pode, quem não pode e quem não quer pagar

Ano passado me senti obrigado a rebater um artigo de Nelson Rodrigues filho que fazia críticas ao carnaval da Bahia sem nunca ter pisado os pés em festa tão concorrida. O texto foi bastante extenso, com dezenas de dados, que na minha opinião, ajudam a des

Atrás do trio elétrico em Salvador vai quem pode e quem não pode pagar (ou até mesmo quem não quer pagar – já que  sair em bloco com trio também passa pela opção pessoal). Não existem apenas blocos de preços exorbitantes. Basta cair em campo que se perceberá dezenas ou centenas  destes em que os menos abastados também pagam a preços bem menores dos “grandes” atrações. E eu não vejo nenhum demérito acompanhar um trio do lado de fora da corda, mesmo porque em muitos momentos, do lado de fora é mais tranqüilo, menos prensado.



O professor, que transformou suas discutíveis opiniões em tese de mestrado, resumiu suas posições logo no título, que diz: Espaço de Exclusão, Segregação e Conflito. Antes, diria que alguns intelectuais, que criticam as elites, me parecem mais elitistas do que aqueles que eles julgam ser. Comodamente distantes, afastados do povo, se julgam no direito de fazer a defesa do “popular”, de atacar o “elitismo”, talvez com mais elitismo ainda. 



Outro aspecto que se não analisado termina por comprometer conclusões sobre o tema , é o fato de vivermos num país capitalista.  Achar que será possível igualdade no carnaval, quando vivemos  num modelo excludente  por natureza, eu consideraria como um gesto de voluntarismo ingênuo, apesar de bem intencionado. Essa tese valeria também para o futebol?  Os abonados vão para o estádio e ficam nas numeradas. Enquanto os pobres jogam em campo improvisados na periferia, os ricos jogam em clubes sofisticados. Nem por isso deveríamos chegar à conclusão de que o futebol brasileiro segrega, que não é popular.



Na entrevista o professor diz que os “problemas” citados por ele precisam de soluções urgentes. Vários outros também falam esse discurso. O problema é que nunca vi propostas concretas para essas soluções. Mas o que pode estar por trás delas é uma antiga idéia do poder público bancar as chamadas grandes atrações, sem cordas, o que objetivamente não comporta, não existem recursos para tal. E o aspecto interessante é que se diz que as músicas dessas bandas são de qualidade duvidosa. Ora, se assim são, por que deveríamos estimular o povo consumir produtos dessa natureza?



Quando se critica o “elitismo” do carnaval da Bahia paira a idéia de que mais de milhão de pessoas estariam na rua se martirizando, sendo empurradas, encurraladas.Seria um ritual de auto-flagelação dos pobres e negros, ávidos por serem discriminados e mal tratados.  Não é nada disso.



O carnaval entra hoje no terceiro dia. A Avenida Sete e a Barra estavam tomadas pelo povo alegre, feliz, que pula dentro de corda, fora de corda, em camarotes. Enquanto esse milhão de gente ocupa as ruas e se diverte a valer, alguns transferem a eles a condição de vítimas  de um modelo excludente.  Na verdade eles são os autênticos protagonistas da festa. Não fossem eles, simplesmente não haveria carnaval.



Dizer que o carnaval da Barra é espaço  basicamente para a classe média  e que o povo é um espectador de segunda categoria é outra conclusão estranha. Neste bairro não só tem blocos de classe média. Os estudiosos,  talvez apressadamente,  pesquisam o carnaval com base em cinco ou seis blocos de grandes estrelas.  Estava ontem eu na Barra, na pipoca (uma maravilha)  e em determinado momento passaram quatro trios elétricos independentes, sem bloco.  E como o povo se sente feliz em ver passando a cada momento um trio com artistas famosos!



A esmagadora maioria do povo na rua é de negros e pobres, que se diverte alucinadamente, seja acompanhando os blocos com corda, seja pulando atrás dos trios sem cordas. Concluir que o povo é um espectador de segunda categoria soa esquisito. Eles não se sentem assim.Esses foliões tem a oportunidade ímpar de ver os ídolos sem nada pagar. E a corda não impede os negros e pobres nem de ver, nem de brincar. Não acho que eles pensam, como os que pensam por eles, que estejam em sessões de masoquismo coletivo. Ao contrário.



A propósito, não deve chegar a 40 mil pessoas a quantidade de pessoas que saem em blocos tidos como de classe média, que suponho serem uns 15, no máximo. Sendo assim, teríamos a seguinte situação: enquanto estes 40 mil se divertem outros 1.940 mil vão pra ruas serem humilhados nos rituais de discriminação e segregação.Dizer que o nosso carnaval não é popular me parece estranho. Se popular significa povo, pois é exatamente aqui que tem povo na rua – calcula-se em torno de 2 milhões nos diversos pontos existentes na cidade (talvez um exagero).



O professor termina a entrevista dizendo que não é porta-voz da beleza e sim dos problemas. Beleza e problema sempre conviveram juntos.  Agora que termino esse artigo sigo pra Barra.  Negro e pobre, vou enfrentar uma dura jornada (cerca de 14 horas) de segregação (bem pertinho da corda – do lado de fora, é claro) E como é bom!



* Clique aqui para ver a entrevista Em Salvador, atrás do trio elétrico só vai quem pode pagar