Assassinato no ar: Como os pilotos do Legacy falharam

“Eu não sei o que TX 35 significa… TN 25. Eu preciso aprender essa porra internacional. Merda”, fala um dos pilotos do Legacy. E, mesmo após perceber o choque, um deles completa: “E daí se nós batemos em alguém?”


 


Por Leide Maia

As 290 páginas com as transcrições dos diálogos entre os pilotos norte-americanos Joe Lepore e Jan Paladino, registrados na caixa-preta, confirmam que o maior acidente da história da aviação brasileira – a queda do Boeing da Gol, em 29 de setembro do ano passado, que matou 154 pessoas – poderia ter sido evitado se não fosse a negligência e irresponsabilidade dos pilotos do Legacy.


 


Os diálogos confirmam que pilotos ignoravam procedimentos básicos da aviação. Além disso, fica evidente também que só depois da colisão com o Boeing da Gol – exatamente dois minutos depois – os pilotos perceberam que o transponder do Legacy estava desligado, desmentindo os seus depoimentos. Um piloto pergunta para o outro: “Cara, você está com o TCAS ligado?” O outro responde: “É. O TCAS está desligado”. Não há identificação dos pilotos nos diálogos, as vozes estão identificadas por Hot 1 e Hot 2.


 


Esta ainda é uma das principais questões: por que o transponder do Legacy, aparelho que aciona o TCAS (o sistema anticolisão), estava desligado quando as aeronaves bateram? Os investigadores trabalham com a hipótese de que um dos dois pilotos estava usando um laptop no colo, com a tampa escondendo a parte do painel onde fica o transponder, pois nos diálogos existem referências a DVD.


 


Um dos pilotos (Hot 1) na transcrição admite que estava “ainda trabalhando os problemas de mexer nessa coisa”, referindo-se ao FMS (Flight Management System), que gerencia todos os dados do vôo, inclusive rota e altitude. Mais adiante, depois de dizer que precisava “ler o livro”, reclamou: “Tudo está uma bagunça porque (…) nós precisamos, eu acho, limpar esse avião e o configurar”.


 


Outra demonstração da inexperiência dos pilotos: “Céu a 2500. eu não sei o que TX 35 significa… TN 25. Eu preciso aprender essa porra internacional. Merda”, fala um dos pilotos (Hot 2). O outro (Hot 1) responde na seqüência, afirmando que deveriam saber o sistema que eles haviam adotado. “Devia ser bem comum, tá. Eu quero dizer, nós mudamos para o sistema deles. Certo. Então, nós devíamos estar bem parecidos”, afirmou Hot 1.


 


Os pilotos também manifestam dúvidas sobre a localização da aeronave e, em determinado momento, Hot 2 diz: “Eu só quero ter certeza de que estamos indo na direção certa”. E o desconhecimento do plano de vôo, que segundo Lepore, “não passa de uma mera proposta”, deixa claro um desleixo e desconhecimento das regras elementares da aviação.


 


Essas regras, normas e procedimentos determinam que a torre só pode mudar um plano de vôo por uma ordem expressa, por perda de visibilidade quando a aeronave já está no ar ou por um pedido, verbal ou escrito, do piloto. Nada disso aconteceu. O controlador apenas liberou a decolagem do avião: “Clear, 370, Manaus”. Traduzindo: “Liberado para decolar a 370, vôo Manaus”. Nenhuma resposta do piloto questionando a ordem da torre.


 


Os pilotos afirmaram que só souberam do desaparecimento do Boeing depois do pouso de emergência na serra do Cachimbo. No entanto, de acordo com as transcrições, no momento do acidente, um dos pilotos pergunta ao outro: “Que diabos foi isso?” e, 26 minutos depois, um deles admite: “Nós batemos em outro avião. Eu não sei de onde essa porra veio”.


 


Mesmo após perceber o acidente, o caráter dos pilotos do Legacy fica explícito na seguinte frase: Hot 2… “E daí se nós batemos em alguém? Eu quero dizer, nós estávamos na altitude apropriada”.