Chávez recebe ligação ao vivo de Fidel no ''Alô, Presidente''

Durante mais de 30 minutos, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o líder cubano Fidel Castro conversaram ao vivo na edição da última terça-feira (27/2) do programa da TV estatal venezuelana Alô, Presidente. Confira abaixo a íntegra do diálog

Hugo Chávez — Quem fala?


 


Fidel Castro — Você me ouve?


 


Hugo Chávez — Ouço-te


 


Fidel Castro — Ilustre e caro amigo, como você está?


 


Hugo Chávez — Caramba! É Fidel! (aplausos e exclamações de: “Fidel, Fidel, Fidel!”).


 


Fidel Castro — Estou-te escutando aqui no programa Alô, Presidente, e estou escutando todos os dados que ofereceste em poucos minutos. Acho muito boa a argumentação sobre o crescimento, sobre o PIB, sobre o crescimento do desemprego, muitas coisas muito interessantes.


 


Hugo Chávez —How are you, Fidel?


 


Fidel Castro — Very well (Risos).


 


Hugo Chávez —Você não sabe quanta alegria nos dá ouvir sua voz e saber que está bem.


 


Fidel Castro — Muito obrigado.


 


Hugo Chávez —Um abraço, estamos muito surpresos, agradavelmente surpresos, e estávamos, como quase sempre, falando de você.


 


Fidel Castro — Eu sabia que o Alô, Presidente era apresentado em um só dia .


 


Hugo Chávez —Agora são todos os dias.


 


Fidel Castro — Não, não, não me ponha a fazer isso, que eu tenho muito trabalho aqui (Risos), sobretudo, estou estudando muito; mas vejo que você não se desprende dos livros. A que hora você dorme?


 


Hugo Chávez — Bom, de madrugada durmo um pouco.


 


Fidel Castro — Um pouco.


 


Hugo Chávez — Durmo um pouco, estou estudando muito, é uma das tarefas dos revolucionários, e seguimos o teu exemplo.


 


Fidel Castro — Sim, e leva muito tempo lendo e tem um talento privilegiado para lembrar tudo. Mas o que acontece é que às vezes esquece os números (Risos).


 


Hugo Chávez — Bom, algumas vezes, não muito.


 


Fidel Castro — Mas tem tudo aí marcado para que a gente não se perca, levar-lhe a conta é difícil.


 


Hugo Chávez — Você sabe quantos hectares de milho são necessários para produzir um milhão de barris de etanol?


 


Fidel Castro — De etanol, creio que o outro dia você falou de 20 milhões de hectares, mais ou menos (Risos), mas volta a dizer.


 


Hugo Chávez — Vinte milhões. Não, você é que tem a mente privilegiada.


 


Fidel Castro — Ah!, vinte milhões. E, logicamente, a idéia de pôr os alimentos para produzir combustível é trágica, dramática. Ninguém tem certeza de aonde vão chegar os preços dos alimentos, quando a soja estiver se tornando combustível, com a falta que faz no mundo para produzir ovo, para produzir leite, para produzir carne, e esta é mais uma tragédia de todas as que temos atualmente. Eu estou muito contente de que você tenha falado de salvar a espécie, porque é difícil quanto há que lutar para salvar a espécie, pois há problemas novos, muito difíceis, e você está como um pregador, realmente, como um grande pregador, que se tornou defensor da causa, ou defensor da vida da espécie, por essa razão, eu lhe felicito.


Vejo como luta com o Programa moral e luzes para educar as pessoas, para que compreendam. E sobre isto há muitos detalhes que eu todos os dias leio e revejo, e estou a par de tudo: perigos de guerra, perigos climáticos, perigos alimentares, porque — como você lembrou — há bilhões de pessoas com fome e essas são realidades. Pela primeira vez na história os governos reparam nisso, governos que têm faculdades, que têm autoridade moral para fazê-lo, e você é um desses exemplos.


Há pouco li que a Austrália se proclamava o primeiro país do mundo a fazer uma Revolução Energética, e do que se trata é de um projeto que se realizará em dois ou três anos; isso é para rir, porque vocês em dois meses têm colocado 34 milhões de lâmpadas e em quatro meses cumpriram a meta de levar essa lâmpada, que tantas vantagens tem, a todas as casas. Assim que há outro por ai; mas já alguns estão disputando a Austrália o primeiro lugar.


Não há um país, na Europa, ou em qualquer outro lugar, que não esteja preocupado atualmente por esse problema.. Desculpa que me tenha estendido e que tenha roubado metade de seu programa.


 


Hugo Chávez — Não, de jeito nenhum, são as 19h49 minutos deste dia. Estávamos lembrando porque hoje é 27 de fevereiro, e aqui nos diziam, há 18 anos, que uma das causas do “Caracaço” é que você, quando veio naquela ocasião, deixou aqui 200 agitadores que incendiaram a pradeira, como se diz. E estávamos fazendo uma análise das causas do tema da dívida externa, do tema da sexta-feira Negra, do saque do país, da fuga de capitais, das privatizações, da inflação acompanhada de uma recessão terrível, do desemprego, do colapso da classe média.


Bom, como diz Einstein, que estávamos lendo há um minuto, não sei se ouviu, quando ele reflete por que o socialismo, e Einstein conclui em que o capitalismo o que gera é um caos. Assim que com o “Caracaço”, lembrávamos de você, e eu lembrava que naqueles dias lhe vi desde longe por aqui, e queria aproximar-me para lhe cumprimentar, mas não pude, e já tínhamos aqui o movimento revolucionário. E queria dizer ao mundo por esta via, pelo programa Alô, Presidente, agora lhe ouvindo e dialogando com você, quanta honra, que aquele dia um povo se rebelou contra o neoliberalismo.


O “Caracaço” foi a primeira resposta a nível mundial, uma resposta contundente ao plano neoliberal, quando o colapso da União Soviética, do muro de Berlim e quando começava a dizer-se que tinha chegado a hora do fim da história e do pensamento único. E o “Caracaço” foi em 4 de fevereiro. Você sabee que esses acontecimentos, por separado, não se entenderiam; e depois este caminho, esta revolução nossa, na qual Cuba sempre está, tem estado e estará presente, e contigo como líder. Temos tantas coisas que agradecer, essa Revolução Energética sem Cuba teria sido impossível.


Agora vamos continuar com você. Hoje se reúne a 7ª Comissão Mista de alto nível, lá em Havana, como você sabe, e as conclusões que até agora tive sobre o avanço da ALBA e sobre a relação bilateral são ótimas. Devo  informar-lhe, você deve estar informado, mas comentar, para que todos saibam, que ontem aprovei ao ministro Rafael Ramírez o estabelecimento de uma empresa mista com o Vietnã, e pedi que o apresentasse hoje, lá em Havana, porque poderíamos criar, Cuba-Venezuela-Vietnã, uma empresa mista para instalar aqui na Venezuela, ou em Cuba, ou em ambas as Repúblicas, uma fábrica de lâmpadas para continuar com esta Revolução Energética; lâmpadas econômicas e outros elementos necessários como os painéis solares, o sistema para a energia eólica. Quero instalar aqií todas essas fábricas, trazendo a tecnologia. Qual a sua opinião?.


 


Fidel Castro — Parece-me maravilhoso tudo isso. Há três dias inauguramos um Parque eólico na Ilha da Juventude, ainda pequeno, com geradores de ar de 275 quilowatts; mas servem para o ensaio que vamos fazer lá, também há uma zona muito importante no oriente do país, onde estamos realizando as medições necessárias para instalar outras usinas que vão produzir energia com um menor custo de investimento.


Vocês têm uma vantagem, que são uma terra livre de furacões, e a nós nos visitam constantemente os furacões; devemos tomar as providências para isso, devemos buscar as soluções necessárias. Vocês têm a energia solar que instalaram lá, em Caracas, uma tecnologia que vale a pena, que tem sido uma boa utilização, embora o investimento fosse custoso, depois, se se fabrica no país, vai resultar muito mais econômica.


Vocês vão instalar uma fábrica de aço inoxidável, utilizando a energia barata que atualmente têm disponível e, sobretudo, a energia que vocês podem economizar.


A Venezuela tem um território de quase um milhão de quilômetros quadrados, nós somos uma pequena ilha, que a corrente do golfo levou muito perto de seus amigos do Norte.


 


Hugo Chávez — Our friends.


 


Fidel Castro — Você diz que eu sei inglês, mas soube em um tempo.


 


Hugo Chávez — Esqueceu?


 


Fidel Castro — O trauma que me deixaram depois me fez esquecer, e por isso não tenho a memória privilegiada que você tem, a capacidade de síntese, seu ouvido musical, sua capacidade de lembrar qualquer canção, porque eu não posso crer que você tenha festejado tanto como para lembrar todas as canções que entoas em Alô, Presidente. Assim que lhe invejo isso.


 


Hugo Chávez — Não, eu não festejei tanto como você, nunca fui tanto a festas como você, nem cantei tanto como você.


 


Fidel Castro — Não, de jeito nenhum, eu me lembro mais ou menos da essência das idéias, você tem a palavra exata, eu observo que você busca a palavra exata. Ao fim e ao cabo, você vai estar entre os grandes escritores deste hemisfério. E não se lamentes porque os escritores têm cada vez maior poder.


 


Hugo Chávez — Vou perguntar-lhe uma coisa. O que acha desta notícia de última hora que chega por aquí? 67% dos estadunidenses desaprovam a política de Bush no Iraque. Você sabee que estamos nos preparando para receber Bush na América do Sul?


 


Fidel Castro — Ah!, vão lhe dar as boas-vindas. Sim, ouvi dizer alguma coisa, creio que vão organizar alguma manifestação de massas, tudo com um espírito pacífico e muito respeitoso. Mas com certeza que você não sabes duas notícias novas de hoje.


 


Hugo Chávez — Me diga.


 


Fidel Castro — Por exemplo, a bolsa de Xangai desceu 9% hoje, e a bolsa de Nova Iorque, que é a melhor, desceu 4% hoje. É uma das maiores descidas nos últimos anos, e isso realmente comprova o que nós estamos pensando.


 


Hugo Chávez — Bom, essas notícias eu não…


 


Fidel Castro — Hoje perderam lá US$ 800 bilhões e essa é a melhor das bolsas, e perdeu mais que quando a crise do sudeste asiático. Assim que não sei o que vai preocupar mais os dirigentes dos EUA: se a notícia do que aconteceu lá na bolsa ou a viagem de Bush pela América do Sul. O que você acha?


 


Hugo Chávez — Não, eu não tinha essas notícias da queda das bolsas de Xangai e de Nova Iorque. Você deve saber também, porque você sabe tudo, que o Fundo Monetário está em crise, e eu dizia ontem, e hoje, que é possível tenham que pedir um empréstimo ao Banco do Sul. O Fundo Monetário não tem para pagar salários, estão vendendo as barras de ouro.


 


Fidel Castro — Sim, estão vendendo ouro que o único que vale agora; o que deve vender são papéis, os papéis com que os Estados pagam. Vender ouro agora é coisa de loucos; mas, bom, o Banco do Sul é um banco sério, aspira a ser um banco sério.


 


Hugo Chávez — Será um banco sério.


 


Fidel Castro — O Fundo Monetário Internacional jamais foi, mas está em crise, está em crise. Olha, isto se produz dois ou três dias antes da queda destas bolsas.


 


Hugo Chávez — É a mesma crise — como você sabe — a crise da economia mundial, mas, da alternativa. A nível nacional cada qual com seu próprio modelo: nós com o socialismo, lá em Cuba, e aqui na Venezuela, com suas particularidades, e, a nível internacional, a ALBA, que estamos dando pressa, como você sabe, Fidel, estamos dando pressa.


Todo o mundo pergunta por você. Passamos por Martinica, estivemos em Dominica e São Vicente, os primeiros-ministros enviaram-lhe muitas saudações, Roosevelt Skerrit, nosso amigo e o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas; visitamos a obra de ampliação do aeroporto. Lá cumprimentamos os trabalhadores cubanos e os venezuelanos, o corpo de engenheiros do exército venezuelano. Em Dominica inauguramos o primeiro depósito de combustível, e em São Vicente a usina de gás, juntamente com Ralph Gonsalves.


Todos perguntam por você e eu lhes digo o que sei de sua recuperação, de sua nova Serra Maestra, essa grande batalha na qual lhe acompanhamos todos os dias, pedindo a Deus, que como tu disse: “Ajuda a Chávez e a seus amigos”, que continue lhee ajundando na recuperação. Todos, somos milhões, queremos ver-lhe de novo totalmente recuperado, como tenho a certeza que será.


Bom, Daniel Ortega veio há poucos dias, falamos várias horas; semana próxima temos uma reunião lá, em Manágua, da Comissão Mista. Veio Kirchner, como você sabe, à faixa do Orinoco, e Kirchner me convidou. Aproveito para torná-lo público, por causa de seu telefonema, não tínhamos tornado público. Vamos fazer uma reunião em Buenos Aires, semana próxima, vamos continuar avançando na relação bilateral Argentina-Caracas, e depois vamos fazer outra reunião na Bolívia — vamos visitar Evo Morales na próxima semana — da aliança estratégica, o eixo Caracas- Buenos Aires, passando por Brasília, o eixo com La Paz, agora com Correa.


O primeiro navio chegou a Quito, só aproveito este diálogo para lembrar essas coisas, os avanços que conseguimos e que continuaremos conseguindo.


E você, Fidel, exemplo de resistência e agora de ofensiva. Não quero deixar passar a oportunidade deste telefonema surpreendente, que nos motiva e nos alegra tanto, para continuar lembrando aos nossos povos o valor de Cuba revolucionária e seu valor, seu valor, sua consciência.


Lembrávamos que você esteve aqui em 1959, quando começava a experiência chamada democrática, que fracassou totalmente, e esse fracasso levou ao “Caracaço”, e o “Caracaço” ao 4 de fevereiro, e o 4 de fevereiro ao dia de hoje, ao que está acontecendo aqui; mas você, Cuba e seu exemplo de dignidade, de batalha, de coragem e sua solidariedade sempre tem estado e estarão presente conosco como exemplo.


 


Fidel Castro — Hugo, queria dizer a você que eu estava reunido com o chefe da delegação venezuelana, estávamos falando quando chegaram notícias suas, assim que estou muito contente. Vamos ver se converso — estou pessoalmente reunido com ele — com algumas das personalidades nestes dias. Aqui estão trabalhando muito, com muito entusiasmo, aproveitando o pouco tempo que temos. O fator tempo não pode esquecer-se, e, segundo minha opinião, temos pouco tempo, e eles estão, aparentemente, mais conscientes disso.


Eu te agradeço muito todas as saudações e, sobretudo, lembrei de devolver os microfones, porque não me entusiasmo igual a você.  Também quero agradecer as saudações dos venezuelanos, desse povo tão heróico, tão querido, que lhe levou às responsabilidades que atualmente tem. A história voltou a se reescrever; mas há 200 anos tudo era diferente. O mundo tem mudado muito e sobretudo nos últimos 60 anos, e esse é o tempo que devemos aproveitar e sobre o qual há que meditar muito. Eu dedico tempo a isso, e sinto-me bem porque creio que não há nada mais importante. Também estou contente de ver como seu povo trabalha — já falei disso — com entusiasmo, com seriedade. E agradeço a todos a prova de carinho e o ânimo que me dão, agora que estou dedicado a esta tarefa.


Não posso prometer lhe visitar para acompanhá-lo em uma dessas viagens, mas sim posso dizer que me sinto com mais energia, com mais força, e tenho mais tempo para estudar. Quer dizer, voltei a ser um estudante.


 


Hugo Chávez — Moral e luzes.


 


Fidel Castro — Moral e luzes! Isso não me sai da cabeça agora, porque é a primeira vez que vejo alguém tentando ganhar essa batalha moral conquistando o interior, o coração e a mente das pessoas. Não sei se ainda tens tempo, mas supõe-se que você ia falar com Ramírez. Diga o que faço.


 


Hugo Chávez — Não, amanhã posso falar com Ramírez, estamos ouvindo-lhe muito felizes, estamos muito felizes de sua recuperação. Continue recuperando-se, não se esqueça da “tsunami”.


 


Fidel Castro — Não


 


Hugo Chávez — Continue recuperando-se.


 


Fidel Castro — E uma coisa que esqueci, que aqui todo o mundo lhe agradece por ter notícias de mim, porque eu falo, e faço silêncio, silêncio total, porque não posso estar falando todos os dias, não posso criar o hábito de dar notícias todos os dias. Peço-lhe a todos calma e paciência, e estou contente porque veio todo o mundo tranqüilo, e o país marcha, que é o mais importante. E também peço tranqüilidade para mim, para poder cumprir minhas novas tarefas até o momento.


 


Hugo Chávez — Sim, eu tornei… bom, você me torna uma espécie de emissário, ou de fonte. Quem qur saber como está Fidel, vem aqui, liga para mim, conversa comigo, e eu sempre digo a verdade, o que está acontecendo: falo de sua recuperação, de seu exemplo, sua constância. Você diz que não poderá me acompanhar em uma das minhas viagens, mas não é necessário, você sempre estará conosco, e eu espero voltar de novo a Havana para continuar conversando, trabalhando e aproveitando o tempo, pois isso é uma boa reflexão para todos nós.


O vice-presidente, a Comissão do Poder Popular, do Poder Comunal lhe enviam saudações, pois vamos nos reunir agora quando o programa terminar; todos lhe enviam saudações, Teresita, Elena, a equipe de Venezolana de Televisión, da Radio Nacional de Venezuela, todos os milhões e milhões que nos estão ouvindo.


Sabes qual a audiência da primeira hora do programa? 40%, uma cifra estratosférica, como você sabe, a audiência de Aló, Presidente.


 


Fidel Castro — Muito bem.


 


Hugo Chávez — Obrigado por este telefonema histórico.


 


Fidel Castro — Obrigado a todos.


 


Hugo Chávez — Vamos dar um aplauso a Fidel (Aplausos). Um bom aplauso, irmão; um abraço, camarada, companheiro, e você sabe que eu para isso não tenho complexo, chamo-lhe de pai diante de todo o mundo! Até a vitória sempre!


 


Fidel Castro — Até a vitória, sempre!


 


Hugo Chávez — Venceremos!


 


Fidel Castro — Venceremos!


 


Hugo Chávez — Bravo (Aplausos e exclamações de “Bravo”).