Lula homenageia mulheres e lança plano de combate à aids

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso inusitado na manhã desta quarta-feira (7), ao lançar o primeiro plano da América Latina para conter a disseminação do HIV entre as mulheres. Falando de improviso, ele defendeu o ''combate à hipocrisia

 


 


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez hoje um entusiasmado discurso em defesa das mulheres. Em cerimônia realizada na Cidade do Samba, no Rio de Janeiro, Lula lamentou o avanço da aids no Brasil e no mundo e defendeu a educação sexual e o uso da camisinha. ''Ao invés de um Dia Internacional da Mulher (amanhã), deveria ter um dia de combate à hipocrisia que está em todos nós'', disse o presidente ao criticar a falta de debate de temas como a gravidez precoce.


 


''Para que a gente possa evitar a aids, vamos tomar todas as medidas, sobretudo no momento em que a aids está crescendo entre as mulheres heterossexuais'', disse Lula, após afirmar que não poderia usar o termo aidético porque foi alertado que não é politicamente correto. O presidente prosseguiu falando da iniciação sexual dos adolescentes e disse que ''sexo é uma coisa que quase todo mundo gosta e é uma necessidade orgânica''.


 


O presidente concluiu dizendo que ''esse Dia das Mulheres é um alerta a todos nós: vamos acabar com a hipocrisia neste País, preservativo deve ser doado e ensinado como usar, sexo é deve ser feito e ensinado como fazer''.


 


Veja abaixo a íntegra do discurso do presidente:


 


Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia em comemoração ao Dia Internacional da Mulher
Rio de Janeiro-RJ, 07 de março de 2007


 



No fundo, no fundo, eu acho que vocês estão cansados de discursos.


Mas, pelo menos, a minha nominata eu vou ler aqui para não criar problemas.


Eu quero, primeiro, cumprimentar o nosso governador Sérgio Cabral, governador do estado do Rio de Janeiro e sua companheira, sua esposa Adriana Ancelmo,


Quero cumprimentar minha companheira Marisa,


Quero cumprimentar a companheira Nilcéa Freire, secretária especial de Políticas para as Mulheres,


Quero cumprimentar os ministros de Estado que estão comigo, Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Agenor Álvares, da Saúde; Orlando Silva, do Esporte; Márcio Fortes, das Cidades; Luiz Dulci, da Secretaria-Geral; Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;


Quero cumprimentar o senador Marcelo Crivella,


Quero cumprimentar a deputada Cida Diogo, deputados Edson Santos, Jorge Bittar e Simão Sessim e Alexandre Santos,


Quero cumprimentar a nossa querida Maria Fernanda Ramos Coelho, presidente da Caixa Econômica Federal,


Quero cumprimentar o Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro,


Quero cumprimentar o Vital Severino Neto, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro,


Quero cumprimentar os prefeitos aqui presentes, que estão aí embaixo, junto de vocês,


Quero cumprimentar os deputados estaduais,


Quero cumprimentar os secretários estaduais e municipais,


Quero cumprimentar o José Barbosa, presidente da Casa da Moeda, que cunhou as moedas para simbolizar esse Dia Internacional da Mulher e o prêmio dado aqui,


Quero cumprimentar a Silvia Aparecida Domingues de Almeida, do Movimento Nacional Cidadãs Posithivas,


Quero cumprimentar a Sonia Regina Gonçalves da Silva, presidente da Associação de Mulheres do Morro do Urubu,


Quero cumprimentar a senhora Aída dos Santos e a senhora Tereza Guilhermina, em nome de quem eu cumprimento todas as atletas e paratletas aqui presentes,


Quero cumprimentar a nossa querida Benedita da Silva,


 


Quero dizer duas coisas importantes, Nilcéa, que você vai saber agora. Ontem, eu assinei uma medida provisória indicando a primeira mulher para ser ministra no Superior Tribunal Militar brasileiro, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha. E também, outro dia, a Marisa participou de um evento lá em Brasília, onde nós formamos a primeira turma de 11 mulheres aviadoras da Força Aérea Brasileira. Portanto, não são apenas mais pilotos, agora são pilotas também.


 



 E eu não poderia, Sérgio, deixar de fazer um cumprimento especial ao nosso querido Roberto Dinamite. Eu não sei se é porque o Sérgio Cabral e eu somos vascaínos. Com todo o respeito aos botafoguenses, aos flamenguistas, aos fluminenses, ao tricolor das Laranjeiras mas, por acaso, nós dois somos vascaínos. E eu me deparo com uma das figuras mais brilhantes que o futebol brasileiro produziu nessas últimas três décadas. Pode tentar continuar jogando até fazer o milésimo gol, Roberto, não tem mais limite de idade.


 


Eu queria dizer para vocês o seguinte: eu não vou entrar nas discussões que aqui já foram ditas pela companheira Nilcéa, pelo companheiro Agenor e pela representante da Unicef.


 


Eu queria dizer para vocês algumas coisas. Certamente, ainda falta muita coisa para a mulher conquistar a plenitude da igualdade no planeta Terra e no nosso País mas, certamente, se nós analisarmos os últimos 50 anos, nós vamos descobrir que as mulheres conquistaram espaços extraordinários em todas as atividades da vida deste País.



 Vocês estão lembrados que não faz muito tempo que mulher andar de calça comprida na rua era feio, vocês estão lembrados que mulher ser enfermeira era feio, vocês estão lembrados que mulher ser comissária de avião era pejorativo, vocês estão lembrados que mulher fumar na rua era uma coisa horrível. E vocês foram percebendo que as mulheres foram ocupando espaços, foram conquistando e os homens não foram cedendo, mas fomos compreendendo que somente partilhando a nossa convivência na cidade, na casa e no País é que nós poderíamos construir uma democracia verdadeira. Falta muito para a mulher conquistar ainda e falta muito para que os homens avancem na compreensão do papel das mulheres, porque o problema nosso não é (Inaudível) de instrumentos legais, porque a nossa Constituição é muito bem feita e garante os direitos às mulheres.



 Portanto, é preciso mais que uma lei, é preciso que haja uma evolução na qualidade da massa encefálica que temos dentro do cérebro para compreender a importância da convivência paritária, igual, entre homens e mulheres, porque a violência contra a mulher é proibida por lei. No ano passado aprovamos a Lei Maria da Penha, que dá cadeia e não cesta básica para quem bater na mulher.



 Então, neste dia 7, em que nós estamos participando deste evento em comemoração ao Dia Internacional da Mulher – e não pode ser amanhã porque amanhã eu estarei recebendo o presidente da Alemanha, por isso a Nilcéa antecipou para hoje, aqui no Rio de Janeiro – eu queria dizer para vocês que nós precisamos dar um passo adiante. E quero que vocês aproveitem, eu tenho mais quatro anos de mandato, eu quero que vocês aproveitem, é um desafio que eu estou fazendo a vocês.


Aproveitem o fato de eu ter mais quatro anos de mandato e façam as reivindicações que estão enrustidas na cabeça de vocês e no movimento, porque nós só vamos avançar se houver ousadia da sociedade para que o governo seja ousado e cumpra com a sua função. E para que essa ousadia venha a acontecer, no ano que vem, Nilcéa, você poderia, no Dia Internacional da Mulher, fazer um dia de combate à hipocrisia que está estabelecida na cabeça de todos nós.



 Por que é o dia da hipocrisia? Hipocrisia porque muitas vezes nós deixamos de debater os temas da forma verdadeira com que eles têm que ser debatidos, por puro preconceito, por pura… “ah, mas minha mãe não gosta, meu pai não gosta, a igreja não gosta, não sei quem não gosta”. Trinta por cento das meninas entre 15 e 17 anos que estão fora da escola, a razão são filhos precoces. Trinta por cento das meninas entre 15 e 17 anos que não estão freqüentando a escola é porque tiveram filho.



 E por que tiveram filho numa idade em que poderiam ter a vida pela frente, ao invés de um filho? É porque no tempo adequado e no momento certo não houve a educação sexual que deveria ser dada dentro de casa, que deveria ser dada na escola, que deveria ser dada na televisão, que deveria ser dada no rádio. Na hora em que a gente trata esses assuntos com uma certa hipocrisia e não temos coragem de discutir os temas como eles são, o resultado que nós colhemos é a gravidez precoce, é a violência entre jovens, porque a gente não cuidou de ensinar.



 Eu estou dizendo isso para mim e para vocês, porque muitas vezes nós somos modernos nos discursos, mas em casa a gente não tem coragem de conversar com a filha da gente, não tem coragem de conversar com o filho da gente. Agora tem um problema mais sério, meu caro Roberto Dinamite, que é uma verdadeira dinamite neste País, que é o crescimento das pessoas convivendo com Aids. Eu fui orientado pela Nilcéa que eu não poderia falar “aidético”, porque politicamente não é correto, vou aqui, agora, não errar mais politicamente.



 Pois bem, houve um tempo em que todo mundo ficava tranqüilo porque diziam o seguinte: “a Aids só pega nos homossexuais”. Então, quem não era homossexual achava uma maravilha: “eu nunca vou ter Aids”. Depois inventaram que a Aids só vai pegar em quem usa drogas, sobretudo quem injeta drogas na veia: “ah, eu não injeto, então eu estou livre disso”; a Aids é uma coisa de homem que trai a mulher: “eu não traio, então eu estou livre disso”. O tempo vai passando, a ciência vai evoluindo e nós vamos descobrindo que a Aids é tudo isso e um pouco mais que nós ainda não sabemos.



No governo, nós estamos dispostos a tomar todas as medidas para que a gente possa evitar, sobretudo, num momento em que a Aids está crescendo entre as mulheres heterossexuais. Então, acabou o tabu, acabou a frescura da gente ficar transferindo responsabilidades: “é uma doença do vizinho, não é minha. É uma doença da vizinha, não é minha”. Ela é uma doença de todos nós e todos nós temos que ter certeza de uma coisa: não tem como a gente carimbar na testa de uma criança, adolescente, qual é o momento em que ela pode começar a fazer sexo. Não tem como um pai ou uma mãe dizer: “a minha filha só vai fazer sexo, ou o meu filho, quando eu quiser”. Primeiro porque sexo é uma coisa que quase todo mundo gosta e é uma necessidade orgânica, é uma necessidade da espécie humana e da espécie animal. Portanto, como nós não temos controle disso, o que nós precisamos é educar, no momento certo, enquanto é criança. No mesmo momento em que essa criança está aprendendo que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, ela precisa começar a ter noções do seu próprio corpo para que possa evitar as mazelas de que nós fomos vítimas a vida inteira neste País.



Recentemente, fiz viagem por 17 países da África. Tem estado em que metade da população está convivendo com a Aids. Sabe por quê? Porque em algum momento o Estado e o governo resolveram fingir que não tinham problemas, e o resultado é muito pior depois, porque a gente não vai tratar da vida e não vai tratar da saúde, a gente vai tratar da doença e vai tratar da morte. Por isso, meus amigos e maioria de amigas que estão aqui presentes, meus companheiros e minhas companheiras, esse Dia Internacional da Mulher é um alerta para todos nós: vamos fazer um combate à hipocrisia neste País. Preservativo tem que ser doado e ensinado como usar. Sexo tem que ser feito e ensinado como fazer. Somente assim, nós seremos um País livre da Aids e de outras doenças infecciosas.



Muito obrigado e parabéns às mulheres.