Artigo: A questão do etanol e a soberania nacional
Confira artigo do jornalista Esmael Morais sobre a questão do etanol e da soberania nacional.
Publicado 12/03/2007 16:27 | Editado 04/03/2020 16:54
Esmael Morais *
De repente o mundo redescobriu o Brasil como possível fornecedor de uma nova matriz energética renovável e mais limpa. Privilégio de nosso país que têm dimensões continentais localizadas nas linhas dos trópicos e por isso mesmo também é rico em outras matrizes. A enormidade de áreas cultiváveis pode garantir à Nação verde-amarela o título de potência mundial no setor sucroalcooleiro por muito mais tempo. Aliás, estudiosos apontam que é possível substituirmos 10% da gasolina consumida no planeta pelo etanol aumentando a área plantada de cana-de-açucar em apenas mais 10% da área agricultável.
A produção total da cana destinada à fabricação do álcool e do açúcar e de derivados chega a ocupar cerca de 6,2 milhões de hectares totais. O etanol em si tanto para consumo interno quanto para o externo ocupa atualmente de 3,1 milhões de hectares. Outras culturas – as dos demais cereais ocupam 46 milhões de hectares. Mas ainda há outros cerca de 90 milhões de hectares livres, sem necessidade de desmatamentos, prontos para o plantio de alimentos.
De acordo com dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 2005, 13,9% da matriz energética advêm da cana-de-açucar; 13,1% são oriundos da madeira e de outras biomassas; da hidroeletricidade, 15,1%; derivados de petróleo respondem por 38,4%; e 19,5% da matriz energética brasileira restante vêm do carvão mineral, do gás natural, dentre outras fontes. Do total de nossa matriz energética, 44,7% são compostas de fontes renováveis.
Mas o grande lance reside no fato de os Estados Unidos produzirem o etanol extraído do milho a US$ 0,50 por litro enquanto no Brasil o preço final do produto baixa a US$ 0,17 a partir da cana. Ou seja, o álcool brasileiro custa três vezes menos e por isso é altamente competitivo na América do Norte e no resto do mundo. Embora haja um forte subsídio estadunidense, que diferença faz se há um mercado internacional ávido pelo produto?
O segundo fato importante é que os EUA anunciaram o investimento de US$ 1,6 bilhão nos próximos dez anos em pesquisas para o melhoramento da produção do etanol. Isso denota uma aposta estratégica dos norte-americanos nessa matriz energética.
A terceira questão diz respeito aos oponentes da aproximação Brasil-EUA em relação ao comércio do etanol. Esse pessoal alega problemas de áreas, que os brasileiros deixarão de produzir alimentos – sua vocação natural, etc – para se voltar à produção de combustível aos gringos. Mas os dados acima, no entanto, enfraquecem tal tese. Ou seja, a produção de grãos está garantida com sucessivos excedentes a cada ano.
A quarta e talvez a verdadeira problemática em relação ao acordo brasileiro com os norte-americanos se dá em razão aos tipos de investimentos que serão feitos em solo verde-amarelo.
Acredito que a questão energética é uma questão estratégica e vital para a soberania nacional seja ela de qualquer matriz. Por isso acho fundamental que as forças vivas trabalhem para convencer o governo federal a estipular salvaguardas que controlem o fluxo de capitais estrangeiros nas participações de empreendimentos que envolvam o etanol, bem como outras matrizes energéticas oriundas do solo, do subsolo ou do processo de fotossíntese brasileiros.
O Brasil não pode se transformar numa neocolônia e nem reservar para si o papel deplorável de grande latifúndio do imperialismo norte-americano. Isto ocorrerá se o país ceder ou permitir o uso de suas terras nacionais em grandes “plantations” dominadas por estrangeiros ou capitais nacionais associados a eles.
Esmael Morais é jornalista. Foi coordenador do Seminário Nacional de Matriz Energética, realizado em Curitiba (2001), e coordenou o setor de comunicação do Fórum Popular Contra a Venda da Copel (Companhia Paranaense de Energia).