12 mil pessoas debaixo da lona

Gilberto Amendola, Estadão

'Uau!' ou 'Nossa Senhora!' é o que pode exclamar uma pessoa ao ver o acampamento João Candido pela primeira vez. Erguido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST ) em um terreno de 1,3 milhão de m2 , no Jardim Hitoshi, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, ele abriga cerca de 12 mil pessoas, divididas em 4 mil barracos e 34 'subprefeituras'. Uma verdadeira cidade de lona.


 


Para se ter uma idéia do gigantismo dessa ocupação, basta comparar sua população com a de algumas cidades do Estado. De acordo com o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Bocaina não tem mais de 9 mil moradores; Holambra fica nos 7 mil e Iacanga, cerca de 8 mil.


 


A maioria dos 12 mil 'moradores' do acampamento saiu de outras ocupações, principalmente na Capital. Além do número de habitantes, o acampamento impressiona por sua organização. Todos os barracos são construídos de maneira quase uniforme – com lona preta e bambu. Os moradores estão divididos em 34 regiões. Existem grupos designados para cuidar da limpeza, infra-estrutura, segurança e saúde em cada uma delas.


 


A maioria dessas regiões também possui sua própria cozinha comunitária – bem como barracos destinados a reuniões políticas, eventos culturais e religiosos.


 


O dia no acampamento começa cedo, por volta das 6h. A primeira missão dos acampados é garantir o café da manhã. Pequenos grupos realizam uma coleta nas padarias da região. Outra tarefa matutina é a de levar os baldes de água até o caminhão pipa oferecido pela Prefeitura de Itapecerica.


 


Os desempregados (a maioria) passam a tarde abrindo canaletas para evitar acumulo de água durante as chuvas. A abertura de fossas e a construção de banheiros comunitários é incessante. Na hora do almoço, o cardápio costuma oferecer arroz, feijão e polenta.


 


Depois do almoço, os homens se reúnem em rodinhas de dominó ou truco. O campo de futebol é a única área preservada das invasões. É nele que o time 'Morro do Osso' disputa suas peladas. Os mais jovens incorporaram a cultura hip-hop. 'Eu ando pela ocupação fazendo rima e reunindo o pessoal para cantar e dançar', disse o rapper Elton Reis, 21 anos.


 


Quando a noite cai as lonas pretas transformam-se em 'lonas do amor'. Segundo os próprios invasores, centenas de casais já se formaram no acampamento. 'A noite só não vale fazer muito barulho', brincou Cristiane Nogueira dos Santos, 25 anos. É também durante a noite que os chamados 'coordenadores de disciplina' têm mais trabalho. As brigas de casais e vizinhos ocorrem com alguma freqüência.


 


O acampamento João Candido foi erguido no dia 16 de março. Seu nome é uma homenagem ao líder da revolta da Chibata (1910). O terreno é de propriedade da Sociedade Itapecerica Golf e Urbanização. Há um acordo entre os proprietários e o MTST para que o local seja desocupado em um mês.