Vanda Sales – Idades de Fortaleza

Todo dia, o fortalezense desloca-se rumos às suas tarefas cotidianas sobre terrenos e relevos de idades múltiplas, que retratam em geral longa história natural.

Uma visita à Ponta do Mucuripe representa uma viagem a 100 milhões de anos atrás, quando a América do Sul iniciava seu trajeto de continente à parte, isolado da África. Um roteiro ao sudoeste da cidade exemplifica um passeio sobre raras superfícies cristalinas, que têm entre 80 e 30 milhões de anos. A passagem pela Praia das Dunas evoca cenários naturais de 30 milhões de anos atrás, quando vulcões conviveram com as paisagens costeiras locais. Um percurso estabelecido entre a Aldeota e o Pici, ou entre o Montese e o bairro de Fátima, são realizados sobre relevos sedimentares estruturais que têm idade provável de 20 milhões de anos, a mais.


 


Ao longo da orla marítima, dunas, riachos, lagoas e manguezais representam episódios evolutivos decretados há 5.000 anos, quando o mar subiu em relação ao nível atual. Pois é certo, os portugueses, ao aqui chegarem, encontraram lençóis de dunas brancas recobrindo a extensão das terras, palmilharam o entorno de lagoas costeiras que pontilhavam lá e cá o meio, percorrerem riachos que recortavam amplos vales no core sedimentar, transpuseram manguezais que coroavam as desembocaduras fluviais…


 


Fortaleza muito antiga, tal é a história que contam os cenários naturais. A falta de sensibilidade dos agentes de produção do espaço urbano, públicos e privados, vem transformando esse patrimônio natural em espaços artificializados extremamente degradados. No futuro, restarão resquícios das paisagens que a natureza tanto tempo levou para criar?


 


Vanda Claudino Sales – Geógrafa e professora universitária