Em Madri, Argentina e Uruguai diminuem rusga por ''papeleras''

Argentina e Uruguai deram um passo importante nesta quinta-feira (19), em Madri, para resolver amistosamente o conflito devido à construção de uma fábrica de celulose no Rio Uruguai, mas nada indica que as delegações dos dois países voltarão da capital es

As diferenças começaram em 2003, com os trâmites de aprovação para a construção das chamadas ''papeleras'' –  duas fábricas de celulose nos arredores da cidade uruguaia de Fray Bentos, às margens do Rio Uruguai. A campanha inicial de ecologistas uruguaios e argentinos contra o que consideravam uma indústria altamente poluente ganhou enormes proporções na cidade argentina de Gualeguaychú, a 25 quilômetros da área fabril, e derivou em um duro enfrentamento entre os dois países.



A Empresa de Celulose da Espanha (ENCE) aceitou transferir a fábrica para outra zona do Uruguai, mas a finlandesa Botnia continuou com seu projeto. Este mês, o Senado do Uruguai aprovou a instalação no país do Banco Nórdico de Investimentos, que financiará atividades da companhia finlandesa com cerca de US$ 700 milhões.



Embora a decisão da ENCE fosse recebida com alívio por Buenos Aires, não acalmou os moradores de Gualeguaychú, que bloquearam de maneira quase permanente passagens internacionais com o Uruguai durante a temporada turística do verão e retomaram a medida em abril, repetindo ações feitas entre o final de 2005 e início de 2006. “E com pontes interrompidas não há negociação”, disse o presidente o Uruguai, Tabaré Vázquez.



A Argentina reclama que a fábrica da Botnia seja construída em outro lugar, longe do rio, e no ano passado levou à Corte Internacional de Justiça, em Haia, sua denúncia de que Montevidéu violou o Estatuto do Rio Uruguai que rege a administração compartilhada desse curso de água. Representantes da Assembléia Ambiental Cidadã de Gualeguaychú entregaram esta semana ao chefe de gabinete do governo argentino, Alberto Fernández, uma carta dirigida ao presidente Néstor Kirchner solicitando “precisões sobre a posição que seu governo manteria diante das propostas do facilitador” espanhol, Juan Antonio Yáñez Barnuevo.



A Assembléia sofreu “muita desinformação por parte de seu governo e isto gera desconfiança” e obriga o movimento a “efetuar todos os aspectos necessários para a defesa de nossa soberania ameaçada, o meio ambiente, a saúde e nosso futuro”, dizia a carta. Estes antecedentes não ajudaram a aumentar o otimismo da diplomacia espanhola a respeito dos resultados da reunião de “entendimento”, que começou com um jantar de boas-vindas na quarta-feira, em Madri, após gestões do embaixador Barnuevo, designado facilitador pelo rei Juan Carlos.



Intermediação espanhola
Começado o encontro formal nesta quinta-feira (19) pela manhã, o objetivo dos anfitriões foi “criar um clima de confiança e bom entendimento entre as partes” para facilitar o diálogo. Assim haviam antecipado Moratinos, que horas antes do primeiro encontro o considerou “um passo importante”, embora “seja muito cedo e arriscado pensar que deste encontro podem sair decisões e soluções definitivas”. Não se deve esperar grandes notícias, mas termos otimismo de que está conversação criará suficiente confiança. Se assim ocorrer, “a Espanha acompanhará esse diálogo para que os bons ofícios de sua majestade possam dar resultado”, acrescentou a fonte diplomática.



Com esse objetivo, representantes de Buenos Aires e de Montevidéu e funcionários espanhóis encabeçados por Yáñez Barnuevo, se reuniram nesta quinta-feira no histórico palacete da Quinta de El Pardo, nas proximidades do Palácio de La Zarzuela, residência dos reis. O chanceler Jorge Taiana disse que o diálogo era apenas o princípio e que a delegação argentina tinha “a melhor predisposição”. Em termos semelhantes se pronunciou seu colega uruguaio, Reinaldo Gargano, que ao terminar a primeira reunião disse que “houve um clima bom” e contou que Moratinos lhes pediu para trabalharem com franqueza e boa fé. “É o que estamos fazendo”, acrescentou.



Juan Carlos recebeu as duas delegações em sua residência de La Zarzuela, o que a imprensa interpretou de maneira otimista, embora já tenha sido suficientemente anunciado que o rei não se envolveria diretamente no trabalho de facilitação. O que foi conversado até agora, desde que em novembro de 2006 o monarca aceitou ser a figura máxima nesse processo, não permite vislumbrar uma solução, “pelo menos no curto prazo”.



A cautela para não envolver a casa real na negociação do conflito começou no mesmo momento em que o presidente Kirchner propôs que Juan Carlos atuasse como “mediador”, durante a 16ª Cúpula Ibero-americana realizada em Montevidéu em novembro passado, sem antes consultar o rei ou a delegação espanhola, acrescentaram as fontes. Após a surpresa inicial, a chancelaria espanhola conversou com as duas partes e informou que o rei aceitava “facilitar” o diálogo, mas não “intermediar”.



Semanas depois, a Espanha designou seu embaixador na Organização das Nações Unidas, Barnuevo, para ser o facilitador. O diplomata visitou várias vezes os dois países e a Finlândia para conversar com os diretores da Botnia, enquanto o rei contribuía com cartas a Kirchner e Vázquez. Cinco meses mais tarde, as duas delegações dividem o mesmo alojamento, mesa e mantel em Madri, em um ambiente sustentado por um governo que pretende estabelecer a confiança necessária para que “as duas partes possam dialogar, primeiro passo para negociar em um futuro”, segundo Moratinos.



A delegação da Argentina é liderada por Fernández, acompanhado de Taiana; da secretária de Meio Ambiente, Romina Picolotti, e do governador eleito da província de Entre Rios, Sergio Urribarri, à qual pertence Gualeguaychú. A missão uruguaia compreende o secretário da Presidência, Gonzalo Fernández; Gargano e o secretário-geral da chancelaria, José Luis Cancela.


 


Fonte: IPS