Lobão morde a língua, grava “Acústivo MTV” e assume jabás

Cantor e compositor carioca faz o que criticou com vontade na última década – grava um Acústivo MTV.


 


Por Edson Wander

Lobão mordeu a língua e jogou a toalha. Depois de brandir a independência como salvação da lavoura e espezinhar colegas que se entregaram ao doce e regado mundo dos álbuns acústico-industriais, eis que o velho Lobo figura de cordeiro no esquema banquinho-e-violão em seu novo CD+DVD Acústico MTV (Sony&BMG).


 


Com todos os elementos clássicos do formato (incluindo quinteto de cordas), Lobão reviu antigos sucessos (Revanche, Rádio Blá, Me Chama, Canos Silenciosos…) e incluiu algumas das últimas da fase independente (Você e a Noite Escura, A Queda, A Vida É Doce).


 


E como Lobão justifica a “recaída”? Tem dito que cansou de não ser ouvido (apesar de ter alimentado o sonho das vendas em bancas de jornal), que o quadro gerencial da Sony (agora Sony&BMG, contra quem movia processos) mudou e com isso mudou também o tratamento que recebia da gravadora. O novo contrato, além do disco revisionista, prevê o relançamento de toda a discografia dele numa caixa a sair no fim do ano, incluindo a reedição dos três álbuns independentes.


 


Diz mais: que o nível dos acústicos “melhorou muito” e assume que voltou a tocar nas rádios por causa de jabá, o suposto pagamento que as gravadoras fazem para ter seus artistas executados. Lobão liderou uma frente que pretendia criar uma lei federal tipificando o jabá como crime.


 


Canções perdem força


 


E o Lobão Acústico MTV é ruim? Não é, como não é nenhum dos que ele atacava. São tecnicamente perfeitos, bem produzidos e gravados. Lobão abria artilharia mais ideológica do que técnica contra os discos. E invariavelmente tinha razão, dado o caráter padronizante do projeto.


 


O dele ficou assim, sem tirar nem pôr, apesar de ele defender que tenha ficado “excelente” porque explorou uma sonoridade folk, usou mais de 30 violões e blá blá blá. Pelo contrário, apesar de bonito, algumas canções perderam sua força natural, especialmente as mais recentes, dos discos lançados pelo Universo Paralelo (selo próprio).


 


O CD Canções Dentro da Noite Escura (de 2005) é um tratado de rock brasileiro pesado e lírico, mas a canção-síntese dele, Você e a Noite Escura, soa diluída no Acústico MTV. São 21 faixas no DVD e 18 no CD. A produção foi de Carlos Eduardo Miranda (um dos jurados do programa Ídolos, do SBT). A versão em DVD deve chegar as lojas até o início de maio.


 


Leituras possíveis


 


E o que será dos projetos paralelos de Lobão com a nova inserção na indústria do disco? Sofrerão um ataque súbito por excesso de incoerência? Não se sabe ainda. O editor da revista dele, Outracoisa, diz que continua tudo igual. Adilson Pereira não quis comentar o novo disco do chefe alegando não ter recebido o trabalho.


 


Perguntado se a revista resenharia o disco, limitou-se a dizer que “ficaria estranho a revista falar do disco”. “O que a gente normalmente faz é uma matéria sobre os discos lançados pela revista, não é o caso deste”, disse Pereira.


 


De mais esse episódio da história do falastrão Lobão, algumas leituras são possíveis, ao gosto de cada freguês: a) o mercado independente paga as contas, mas não leva ao céu, b) o rock é mais demasiadamente humano para uns artistas do que outros e c) esquerda festiva não é um conceito aplicável só aos políticos.