Colômbia: Uribe acumula denúncias, mas mantém popularidade

Casos de corrupção, uma relação obscura com os paramilitares, assassinatos de sindicalistas e objeções do Senado norte-americano à política contra o narcotráfico são parte de uma lista extensa de problemas com que lida Álvaro Uribe, presidente da Colômbia

Em apenas oito meses de seu segundo governo, o presidente Álvaro Uribe aguentou incólume uma notável avalanche de denúncias contra ele próprio e seus aliados políticos. Em outras latitudes, esses embates provavelmente haveriam produzido uma crise de governabilidade e até a queda do governo. Mas Uribe mantém os índices de popularidade (até 73%) que o acompanham desde que chegou ao poder pela primeira vez, em agosto de 2002.



Uma única explicação põe de acordo os diversos analistas da realidade colombiana: trata-se do chamado “efeito teflon”, que faz com que o presidente pareça revestido de uma sólida capa desse antiaderente. “Na frigideira dele caem as piores coisas, os elementos mais sujos, e nada fica grudado”, dizem as pessoas nas ruas.



De acordo com os resultados de uma busca no Google, “o teflon é um polímero capaz de resistir a temperaturas de cerca de 300º durante longos períodos sem sofrer modificações. É resistente à maioria dos ácidos e das bases”.



E é isso, guardadas as naturais proporções, o que acontece com Uribe. Para alguns analistas próximos a seu projeto governamental, trata-se de uma virtude do governante. Todos os ataques passam longe, a tudo ele repele. Sua condição de “animal político”, a maneira em que se ocupa de todos os acontecimentos, pondo em prática o conceito de microgerência, seus repetidos conselhos comunais e fato de dar a cara aos maiores ou menores problemas de uma nação fazem com que as pessoas perdoem seus erros (passados e presentes) e que ele ainda possa manter seduzida a opinião pública.



O que pensa a oposição
Os analistas da oposição observam o assunto “teflon” de outra maneira. Desde os tempos em que surgiram os cartéis da droga na Colômbia, há pouco mais que 25 anos, produziu-se no país uma progressiva decomposição moral. A opinião pública começou a aceitar certas formas cotidianas de enriquecimento ilegal, fácil e rápido, e em conseqüência se reverteram alguns valores e a ética de uma sociedade invadida pelas máfias. Criou-se uma “ética mafiosa” que influenciou todo o país. E para esses analistas opositores, é justamente a complacência com o dolo e a ilegalidade, que se observa desde a evasão de impostos até as mais desbocadas e sofisticadas formas de corrupção ou no horror dos massacres e deslocamentos forçados, o que permite que o país sintonize com Uribe, que perdoe suas complicações com os fenômenos mafiosos e narcoparamilitares, porque “o país pensa como Uribe”.



Mas, ainda assim, os dados estatísticos e as pesquisas às vezes não batem. O jornalista Daniel Coronell ressaltou há tempo que as pesquisas de popularidade presidencial se fazem por telefone ou internet, só nas quatro cidades mais importantes e, geralmente, só em estratos altos da população, que têm acesso a estes serviços de comunicação. Devido à enorme abstenção eleitoral (até 50%), Uribe foi reeleito no ano passado com 25% dos votos. Os críticos asseguram que 75% dos colombianos não opinam nas urnas e nas pesquisas. A que resistiu o presidente e os partidos que o apóiam? O que não gruda nesse governo “teflonizado”?



O senador do opositor Polo Democrático Alternativo, Gustavo Petro, denunciou em um debate no Senado que o presidente autorizou, como governador de Antioquia, uma Convivir (empresas privadas de segurança e auto-defesa legalizadas na década anterior e hoje desaparecidas), organizada por comandantes paramilitares, em processo de paz e hoje detidos.



Petro denunciou também que em uma fazenda de propriedade do presidente, chamada “Guarachacas” e localizada no departamento de Córdoba, foram torturadas e massacradas várias pessoas. Uribe assegurou que essa fazenda não é sua, mas recentes publicações confirmam que metade da área ainda hoje pertence a ele e que a outra metade foi vendida aos “investidores” Gallón Henao, os mesmos cujos guarda-costas assassinaram em Medellín o jogador Andrés Escobar, autor de um gol contra na Copa dos Estados Unidos.



No mesmo debate foram exibidas fotos nas quais seu irmão Santiago aparece, na década de 90, compartilhando espaço com Fabio Ochoa, chefe do Cartel de Medellín hoje extraditado para os Estados Unidos.



Troca de farpas
O presidente rechaçou as acusações, acusou a Petro de calúnia e se defendeu dizendo que ele sim teria sido um bom guerrilheiro armado ou um bom paramilitar, e não um “guerrilheiro civil”, declarações que foram muito criticadas. Além disso, anunciou que os organismos de segurança do Estado investigam os parlamentares de oposição, o que é inconstitucional. Um debate se abriu no país sobre a interceptação ilegal de conversas telefônicas.



O comandante das Forças Militares foi apontado pela CIA, em um relatório publicado pela imprensa norte-americana, como cúmplice do paramilitarismo na região de Urabá, onde há um mês se denunciou, com provas eficientes, que a empresa bananeira Chiquita Brands financiou e armou grupos paramilitares autores de centenas de assassinatos.
Dez parlamentares uribistas estão presos por paramilitarismo, acusados pela Corte Suprema de Justiça. Outros estão fugitivos. Vários altos empregados do governo e dirigentes regionais uribistas estão prestes a ser capturados pela Fiscalía General de la Nación (Nota: órgão similar à Procuradoria Geral da República no Brasil).



O próprio processo de paz com os paramilitares está na mira do Congresso norte-americano e de diversas organizações internacionais. No dia 30 de abril passado, a American Rights Watch denunciou concessões a ex-paramilitares e o agravamento da situação do país em termos de direitos humanos. E no mesmo dia, em visita a Washington, onde foi pedir dinheiro para poder seguir com as investigações de dezenas de massacres, o fiscal geral Mario Iguarán disse que “infelizmente, em muitos dos casos de assassinatos de sindicalistas encontramos a ação, às vezes por omissão, mas igualmente censurável e em atitude criminosa, de membros da força pública”.



Durante o ano de 2006 foram assassinados na Colômbia 72 dirigentes sindicais, dois a mais que no ano anterior. Essa ONG considera o país “a capital mundial da morte de sindicalistas”, devido aos mais de 1.500 mortos que se contam desde 1990.



Mas outros itens igualmente delicados se unem à lista das coisas que o teflon rechaça: recentemente Al Gore se negou a sentar-se em uma conferência com Uribe em Miami por considerar obscura sua política frente ao narcoparamilitarismo. O Senado norte-americano, em mãos da oposição democrata, cortou uma liberação de US$ 17 milhões para o Plano Patriota, a estratégia fundamental do governo em sua luta contra a guerrilha das FARC. Estes fatos levaram legisladores democratas a se opor ao Tratado de Livre Comércio entre Estados Unidos e Colômbia, e muitas vozes neste país exigem a extradição dos chefes narcoparamilitares, que, devido ao acordo de paz, o governo se nega a extraditar.



A guerra com as FARC piora no sul do país com novos deslocamentos que se unem à cifra imensa de 3 milhões de deslocados nos últimos dez anos. Em muitas regiões do país apareceram novos grupos paramilitares, especialmente as chamadas Águias Negras. Há denúncias de cumplicidade do Estado nesse caso.



Mas, enquanto tudo isso acontece, os índices da macroeconomia são enormemente favoráveis ao governo, a majoritária população urbana conhece uma época de singular redução da criminalidade, a guerrilha das FARC está refugiada nas profundezas da selva e o presidente governa sem remorsos. É precisamente o “teflon” que permite que ele se mantenha teoricamente limpo das denúncias e evitar todas as disputas possíveis, na Colômbia e no exterior. Mas daqui até o final do mandato, em agosto de 2010, agüentará o teflon tantas rachaduras, ainda mais que já não haverá Bush para sustentar Uribe?