A Bolívia e as provocações irresponsáveis que vêm do Brasil
Em artigos anteriores assinalamos a favorável conjuntura em que vivem a América Latina e os chamados países do Terceiro Mundo, caracterizada por um enorme excedente monetário, uma liquidez excepcional que se articula com um momento de forte renovação tecn
Publicado 09/05/2007 15:28
Neste contexto apresentam-se excelentes oportunidades para o crescimento e o desenvolvimento econômico, sobretudo se estes países fizerem fortes investimentos em ciência e tecnologia para abrir novos campos do conhecimento e da produção e aplicarem fortes recursos na educação desde uma perspectiva revolucionária, audaz e conseqüente que reafirme as identidades culturais dos povos que a formam.
Como sugerimos em várias oportunidades, há uma expansão impressionante da subjetividade dos povos da região que alcança inclusive os setores de baixíssima renda, há uma nova consciência que afirma identidades até agora bloqueadas por fortes esquemas repressivos, como o caso dos povos indígenas e, ao mesmo tempo, amplia o alcance dessas identidades criando laços continentais e universais.
Outra vez podemos usar o exemplo dos povos indígenas que recolhem uma identidade nacional e regional- há muito reprimida em sua experiência diária – para produzir agendas nacionais, regionais, continentais e universais (como a convocatória universal dos zapatistas contra a globalização) ou inclusive uma proposta de um novo paradigma cultural a partir da relação dos povos indígenas com a natureza.
O importante não é tanto a verdade histórica e científica dessas pretensões senão a audácia, a vontade política e a energia vital que elas expressam num momento em que a ideologia socialista do proletariado industrial se mostra
debilitada e coloca-se à defensiva devido à diminuição do papel da indústria na dinâmica econômica mundial.
Por isso, não é bom subestimar a profundidade dos movimentos atuais pela integração latino-americana. Não se trata de um movimento puramente mercantil, apesar do intercâmbio de bens estar ligado a fortes realidades culturais.
Trata-se de uma vontade crescente que exprime desejos contidos por séculos de fracasso regional. A expansão norte-americana tem dois lados contraditórios: o reconhecimento da eficácia da economia capitalista moderna, sobretudo da produção manufatureira, assalariada e mercantil, de um lado, e de outro, a rejeição à imposição da submissão da região, na medida em que os Estados Unidos uniam-se aos latifundiários locais ou internacionais para nos reduzir à condição de um capitalismo dependente e subordinado a serviço de sua demanda de matérias primas e produtos agrícolas.
A América Latina uniu-se em torno da idéia do desenvolvimento regional, identificou-se culturalmente com a perspectiva de uma luta comum contra o imperialismo estadunidense, luta na qual encontrou importantes aliados dentro dos Estados Unidos, onde um forte movimento antiimperialista sempre apoiou a perspectiva dos povos do sul.
No quadro atual, no qual se apresentam possibilidades concretas de avançar no desenvolvimento regional, onde novas formas de cooperação ganham força a cada dia na região, se levantam, uma vez mais, os interesses dos aliados ao subdesenvolvimento e à dependência. Eles se alimentam das relações econômicas desiguais e temem o desenvolvimento de uma consciência coletiva regional e das ações a favor do fortalecimento de uma política regional comum e unificada.
Esta reação tem dois instrumentos: por um lado, as constantes buscas de situações contrárias à integração regional e de razões para seu fracasso. Por outro lado, a intervenção ou estímulo à divisão entre os países da região. No momento atual esta intervenção busca dividir as correntes políticas progressistas da região, com a tentativa de gerar uma falsa oposição entre os governos do Brasil e da Venezuela pela liderança da região. No passado, lançaram sempre os argentinos contra os brasileiros com resultados favoráveis para seus objetivos. Além disso, encorajaram e apoiaram outros conflitos regionais
No momento atual, vêem, sobretudo, uma brecha nas relações entre a Bolívia e o Brasil. Aproveitando as vantagens imorais que empresas brasileiras adquiriram na Bolívia durante o império dos negociantes corruptos, sob a inspiração da ideologia neoliberal, querem agora defendê-las sob bandeiras “nacionalistas” com o objetivo de estimular o confronto entre o governo brasileiro e o boliviano. Mais ainda, perante as dificuldades de convencer a nação a apoiar suas ambições, querem agora se aproveitar das pretensões sediciosas das províncias bolivianas que cresceram nos últimos anos a partir dos investimentos agro-industriais, muitas vezes ligados aos mercados e capitais brasileiros.
A imprensa brasileira, particularmente o jornal O Globo, abre titulares de primeira página para anunciar uma guerra civil na Bolívia, a partir dos quatro departamentos de Santa Cruz, Pando, Bení e Taparija, a “meia lua” “moderna”, regiões sem importante presença indígena. Ali, cerca de 12 mil homens estariam armados e sendo treinados secretamente para levantar-se contra o governo central. Ao invés de protestar contra o perigo que representa para a América do Sul e para o Brasil um conflito como este, se regozijam e usam o testemunho de “diplomatas e “cientistas políticos” que saúdam esta situação como favorável ao Brasil ao obrigar os bolivianos, Evo Morales mais claramente, a diminuir sua pressão sobre o Brasil para que este pague um preço mais razoável por seu gás. Aproveitam estas circunstâncias para forçar o governo brasileiro a exigir um preço mais elevado para as refinarias da Petrobrás nacionalizadas pelo governo boliviano.
A este grau chegaram os delírios direitistas em nosso continente e seu horror à justiça social e à defesa dos direitos dos povos. Mais grave ainda é sua provocação aos militares da região e do Brasil, em particular, ao sugerir a hipótese de uma intervenção militar da Venezuela de Hugo Chávez a favor da Bolívia.
Esses senhores estão profundamente equivocados. Os militares latino-americanos e brasileiros em particular não se deixarão levar por conspirações deste tipo. Todos sabemos as origens destas informações confidenciais. São as mesmas que demonstravam a existência de armas de destruição massiva no Iraque de Saddam Hussein. Os militares se deixaram levar muitas vezes por este tipo de informações falsas e assumiram compromissos de governo e repressão que os apartaram de nossos povos e do fortalecimento de nossas nações. Hoje em dia é muito difícil se deixarem fisgar outra vez por essas conspirações.
Carlos Andrés Pérez tentou isso na Venezuela na década de 90 com resultados contrários às suas pretensões. Somente fortaleceu um militar que ele odeia: Hugo Chávez. Esses senhores estão removendo em águas turvas. Mas podem estar convencidos de que os militares bolivianos defenderão a unidade nacional do povo boliviano e a integração latino-americana. E podem estar convencidos também de que os militares brasileiros não irão à Bolívia para servir aos seus interesses econômicos e geopolíticos contrários à vontade de nossos povos.
* Diretor Presidente da REGGEN (cátedra da Unesco para economia global e desenvolvimento sustentável) e professor visitante da Universidade Estadual da Paraíba- UEPB.