PPS defende legalização do aborto e debate público sobre o tema

A direção nacional do Partido Popular Socialista (PPS) divulgou uma nota hoje (11) defendendo a descriminalização do aborto. A questão voltou á tona no Congresso Nacional na última quarta-feira (9), com as declarações do ministro da Saúde, José Gomes Temp

A direção nacional do PPS emitiu nota em que defende a descriminalização do aborto e critica a atitude do papa Bento XVI de condenar os que pretendem abolir a legislação punitiva referente à interrupção voluntária da gravidez, “chegando ao ponto de admitir a excomunhão de políticos – tal como ocorreu com parlamentares mexicanos – que votarem pela sua legalização”.



    
A nota afirma que a excomunhão, nesse contexto, é “simbolicamente” uma interferência “indevida” da igreja nos assuntos do Estado. O texto lembra, já na primeira linha, que o Brasil, há mais de um século, é um Estado laico. Salienta, ainda, que o aborto é um assunto de saúde pública, não de religião. A interrupção clandestina da gravidez indesejada, diz a nota, traz “conseqüências nefastas para as mulheres, sobretudo as mais vulneráveis econômica e socialmente”.



    
Após apresentar dados oficiais, que atestam a ocorrência de 230 mil atendimentos na rede pública de saúde de mulheres com complicações pós-aborto – 160 delas morreram – o documento frisa que “soou estranha” a declaração do papa, “em visita pastoral ao Brasil”, que condena a descriminalização desse procedimento.



    
Além de apoiar a posição do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e da secretária especial de políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, de iniciar um debate sobre a legalização do aborto, o PPS “advoga a urgente e necessária revisão das defasadas disposições do Código Penal” sobre o assunto.



    
No final do texto, o PPS saúda a visita do papa, porque ela “certamente traz conforto espiritual a milhões de católicos brasileiros e ajuda a estabelece laços diplomáticos entre o Brasil e o Vaticano”, mas ressalva que “conquistas humanistas seculares devem ser preservadas”. Leia, abaixo, a íntegra do texto.




     
     Estado laico, direito de escolha e descriminalização do aborto
    



     O Brasil, há mais de um século, é um Estado laico. Nele está concebido, dentre outros direitos essenciais, o da cidadã e do cidadão de serem livres para definir suas vidas, da melhor maneira que lhes aprouver, e a garantia da não discriminação. A plena liberdade religiosa foi uma conquista da sociedade, introduzida, no texto constitucional de 1946, pelo então deputado federal Jorge Amado, do PCB.
    



     Acontece que nosso país, como vários outros, está sendo colocado, cada vez mais, diante do debate em torno da descriminalização do aborto, do qual não há como escapar. Esse importante tema tem sido tratado de forma tópica, isolada do amplo contexto do planejamento familiar, dos direitos reprodutivos e de livre escolha da mulher, os quais são cerceados a pretexto de um suposto valor ético ou religioso.
    



     É inegável que o aborto se constitui num grave problema de saúde pública, com conseqüências nefastas para as mulheres (sobretudo para as mais vulneráveis, econômica e socialmente) e para a sociedade. Ele tem que ser enfrentado como assunto de ordem sanitária e endêmica. A razão principal está no fato de que todos os direitos e ações envolvidos nessa problemática esbarram na limitada disposição legal que criminaliza a interrupção da gravidez.
     



     A gravidade da situação se revela nos dados oficiais: somente no ano passado, foram internadas em unidades do Sistema Único de Saúde, por complicações pós-aborto, nada menos que 230 mil mulheres, sendo que 160 delas morreram. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorrem anualmente no Brasil em torno de 1 milhão e 400 mil abortamentos espontâneos e/ou inseguros, grande parte deles realizados na clandestinidade e utilizando métodos primitivos.
    



     Para o PPS, bem como para grande parte da população brasileira, soou estranha a declaração do papa Bento XVI, em visita pastoral ao Brasil, ao condenar os que pretendem abolir a legislação punitiva referente ao aborto, chegando ao ponto de admitir a excomunhão de políticos – tal como ocorreu com parlamentares mexicanos – que votarem pela sua legalização. Se é o ato da excomunhão um direito inquestionável da Igreja, é simbolicamente, nesse contexto, uma interferência indevida da religião em assuntos do Estado.
    



     O governo brasileiro – pela voz do seu ministro da Saúde, José Gomes Temporão, formado nas lutas pela Reforma Sanitária, e da secretária especial de Política para as Mulheres, Nilcéa Freire – tem assumido posição corajosa, e a nosso ver correta, ao mostrar os perigos do aborto ilegal e clandestino, e se declarar publicamente a favor do debate sobre a legalização do procedimento.



     
     Há quase trinta anos, nosso Partido, como organização laica que é, se preocupa com o tema, reconhece a maternidade como um direito e uma escolha, e assume posição clara em defesa da descriminalização do aborto, por considerá-lo uma questão de saúde pública, e de direito e autonomia da mulher. Ao mesmo tempo, respeita a Igreja Católica e demais igrejas, assim como toda e qualquer posição divergente, expressando o pluralismo da sociedade, tal como tem e sempre teve total respeito às posições e manifestações públicas divergentes dos seus militantes, dirigentes e parlamentares sobre essa ou qualquer outra questão.



     
     A Coordenação Nacional de Mulheres do PPS, em documento público divulgado no dia 18 de abril, expressou que “cabe à mulher, na qualidade de sujeito pleno de direitos e a partir de suas próprias convicções morais e religiosas, a liberdade de escolha quanto à interrupção da gravidez”.



     
     Essa possibilidade, segundo a CNM, “precisa ser considerada conjuntamente com a implementação, entre outros, de programas de educação sexual nas escolas, de combate à violência sexual, e de saúde reprodutiva e planejamento familiar, inclusive com a disponibilização pública de meios anticonceptivos para mulheres e homens”.



     
     A direção nacional do PPS, além de apoiar a postura de suas militantes, advoga a urgente e necessária revisão das defasadas disposições do Código Penal, que versam sobre a matéria desde 1940, e luta para regulamentar a realização dessa prática na rede pública nacional, por meio do SUS.



     
     Os brasileiros, que já avançaram bastante em importantes conquistas democráticas, precisam ter consciência de que a sua liberdade de opção é inviolável, e qualquer concessão, por mínima que seja, é um desencontro com os seus sonhos de uma sociedade democrática, desenvolvida e equânime, razão maior de sua luta.



     
     Saudamos a visita do Papa, pois ela certamente traz conforto espiritual a milhões de católicos brasileiros e ajuda a estabelecer laços diplomáticos mais sólidos entre o Brasil e o Vaticano. Entretanto, conquistas humanistas seculares devem ser preservadas – e os brasileiros sabem da importância de mantê-las.”



     
     Brasília, 11 de maio de 2007



     
     Roberto Freire
     Presidente Nacional do PPS



Fonte: www.pps.org.br