Lula: ''Neste segundo governo estou mais flexível''

Na primeira entrevista coletiva com a imprensa deste segundo governo, o presidente Lula respondeu a cerca de 20 perguntas de 15 jornalistas da grande imprensa. Ao todo estiveram presentes cerca de 150 jornalistas, além de 30 fotógrafos e cinegrafistas. A

 


Foi uma coletiva positiva e o ministro da Comunicação Social Franklin Martins deixou a sala sorridente. A idéia errônea de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não gostava de conversar com a imprensa se dissipou. Lula gostou do bate bola de quase duas horas (alguns jornalistas chegaram a retrucar) e disse aos jornalistas: “faremos isso mais vezes”. Segundo o ministro, provavelmente em 60 dias acontecerá a próxima.


 


Antes do presidente chegar, a assessoria de imprensa do presidente informou que, ao contrário do que a grande imprensa diz, o presidente deu sim muitas entrevistas no seu primeiro mandato. Segundo os dados, de janeiro de 2003 a maio de 2007, foram 256 entrevistas concedidas, o que dá uma média de uma entrevista a cada três dias. Também há a estatística de que foram cinco perguntas por entrevista.  Mas a maioria dos jornalistas recebem com desdém a informação.


 


Avaliação


 


O presidente começou a entrevista apresentando aos jornalistas sua avaliação sobre este início de segundo governo. Para ele, o Brasil de 2007 já é um outro país. “Ninguém mais ouve falar em instabilidade econômica, em dívida externa, em reservas. É o melhor momento da economia”. O presidente também citou os avanços na política externa, como a criação do G20 e o aumento da relação com os países da América Latina. “Deixamos de estar de costas para o continente”.


 


Lula destacou que “provamos que é possível crescer, fazer o crescimento econômico sustentável com mais importação, mais exportação e aumento do mercado interno, o que possibilitou investirmos em uma política social mais avançada”. Lula citou os programas Bolsa Família e Luz para Todos como um “sucesso extraordinário”.


 


“O próximo período é de mais tranquilidade. O ódio entre situação e oposição não existe mais. Construímos uma base aliada sólida. Estamos aprendendo a trabalhar com coalizão política a longo prazo. E vamos cuidar disso com mais carinho para que as coisas possam acontecer”, disse o presidente.


 


O presidente lembrou que para concretizar o Programa de Aceleramento da Economia (PAC) o Senado precisa dar continuidade às votações. “Sou agradecido à Câmara dos Deputados e ao Senado, que já votou duas emendas, para que o PAC atinja sua plenitude jurídica e que é o que o país espera do governo e da oposição”.


 


Em seguida, deu-se sequência às perguntas dos jornalistas. Os questionadores foram Martha Correa, da TVJB; Celso Teixeira, da TV Record; Sandro Lima, do Correio Braziliense; Luciana Verdolin, da Rádio Jovem Pan; Luíza Damé, do jornal O Globo; Guilherme Menezes, da SBT; Leandro Fortes, da Revista Carta Capital; Paulo de Tarso, do jornal O Valor Econômico; Jorge Svartman, da Agência France Press (que participou de sorteio pela vaga com a agência Reuters e os sites IG e Terra); Marcos Roberto Silva, da Rede TV; Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo; Fábio Pannunzio, pela TV Bandeirantes e Bandnews; Zileide Silva, da TV Globo; Tânia Monteiro, do jornal O Estado de S. Paulo; e Carla Corrêa, do Jornal do Brasil.


 


Coalizão


 


Questionado sobre o espaço do PT neste segundo governo e a inserção de figuras no primeiro escalão até então da oposição [mencionadamente o ministro da Integração Nacional Geddel Vieira e o filósofo Mangabeira Unger], Lula respondeu que não faz aliança com pessoas, mas com partidos. O presidente deixou claro que alguns incômodos podem realmente existir, mas que estes seriam necessários para efetivar uma unidade na base. “Eu não fiz acordos com pessoas, mas com partidos. E cabe ao partido indicar as pessoas. E elas têm que estar aptas a assumir. Eu queria o PMDB como um todo, na sua totalidade”.


 


Sobre Unger, Lula disse “agora ele é da base da coalizão e vai ter que defender o governo”. E completou: “ Nada como o passar do tempo. Todo mundo é passível de erro”. Crítico do primeiro governo Lula, o filósofo assumiu o comando da Secretaria Especial de Longo Prazo do governo federal. Ele chegou a defender o impeachment do presidente após as acusações não confirmadas de que havia o pagamento do mensalão para deputados.


 


2010


 


Para o presidente, não existe hipótese alguma de ele ser candidato novamente. “Não brinco com a democracia. Sou contra e oriento minha base”. Lula defendeu o fim da reeleição. “Em 2010, quero fazer meu seu sucessor. Trabalho para fazer isso. Mas não tenho esse poder. Quero terminar meu mandato em 2010 na condição que candidatos me chamem para ir ao palanque. O que é duro é ninguém te chamar para nada, ninguém te chamar para ir à televisão, para subir no palanque”, disse.


 


Perguntado se existe a possibilidade de apoiar Aécio, Lula respondeu que sempre teve boas relações com o PSDB. “Em 94, se não fosse o plano Real, eles teriam indicado o vice na minha chapa. Me dou muito bem com o Serra [José Serra, prefeito de São Paulo], com o Aécio [Neves, governador de Minas Gerais], com o Tasso [Jereissati, presidente do PSDB e senador cearence], e outros. A base do governo terá seu candidato. Vamos aguardar”.


 


Perguntado sobre porque não chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para conversar, Lula respondeu “ele também só passou a me convidar depois que eu perdi a eleição. Quero respeitar o direito deles de ser oposição”, disse.


 


Proibição de greve


 


O presidente afirmou estar a vontade com a proposta da Advocacia Geral da União (AGU) que regulamenta o direito de greve do servidor público. Para ele, “greve na saúde, com professores, com segurança, não pode ser feita como numa fábrica, onde o patrão é que sai prejudicado. O servidor não tem patrão. Quem paga é o pobre. O sujeito faz 90 dias de greve e recebe os dias parados. Isso não é greve, é férias. Eu fazia greve e perdia domingo, 13º salário, férias. Sabia que podia ganhar mas que também podia perder. Era uma disputa. Tem que receber pelo dia que trabalha e não pelo que está em casa”.


 


Lula também criticou a greve dos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que protestam contra a divisão do órgão proposta pelo governo. Segundo o presidente, a proposta de separação das áreas de licenciamento e de preservação ambiental é a forma de modernização do Ibama.


 


Energia


 


Questionado sobre o impacto ambiental da construção das hidrelétricas do Rio Madeira na bacia amazônica, Lula reafirmou que o governo está preocupado em respeitar o meio ambiente e que tudo está sendo planejado dentro da lei. “Não teremos mais apagão no nosso país”. Lula citou os custos de um megawatt por hora por tipo de produção energética. Segundo ele, pela energia hidráulica custa 40 dólares, enquanto que pela nuclear, custa 140 dólares; pela eólica, custa 145 dólares e pelo diesel, 310 dólares. “O Brasil tem um potencial energético de 264 mil megawatts que correspondem a 76,948 bilhões de barris de petróleo”, disse.


 


Lula disse que irá à próxima reunião do G8 com um kit energia para mostrar aos países participantes. “Quer reduzir o aquecimento global? Então tem que ter mais álcool, mais biodisel, mais mamona, girassol. A Amazônia, que é nossa e queremos que seja preservada, já perdeu 52% da sua floresta. Se as empresas quiserem trocar combustível fóssil por vegetal, nós estaremos de portas abertas”.


 


Juros


 


O presidente também reafirmou que não irá interferir nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) para forçar uma queda mais rápida da taxa básica de juros (Selic) e defendeu a autonomia do Banco Central.
Ele lembrou que a taxa atual é a mais baixa da história e o ''viés” é de baixar, sem que haja a “tensão pré-Copom” do passado.


 


Aborto


 


Questionado sobre sua posição caso se o pedido para a realização do plebiscito sobre a legalização do aborto que está no Senado seja aprovado, Lula respondeu, mais uma vez, que ninguém é a favor do aborto mas que é uma questão de saúde pública e que o Estado e a sociedade civil precisam debater. “Falta orientação para os jovens, para as famílias. A sociedade civil quer o debate”.


 


O presidente provocou os jornalistas afirmando que as emissoras de televisão poderiam se abrir mais para o debate. “É importante debater qual é o real problema. O papa defendeu a excomunhão. Outras pessoas também defendem coisas do tipo por outros motivos”. Para ele, a tevê pública poderá cumprir importante papel sobre a questão. “A TV pública pode fazer um debate que muitas vezes a tevê privada não faz. Se tivéssemos um programa qualquer de educação sexual nas escolas certamente não teríamos tantos abortos. Nas escolas não se ensina, os pais não conversam e o governo não pode ficar de fora”.


 


América Latina


 


Questionado se o Brasil ainda pode ser considerado imperialista no continente, Lula disse que isso faz parte do processo democrático. “Depois que eu fui eleito, e Kirchner [Néstor, presidente da Argentina], Tabaré [Vázquez, presidente do Uruguai] e outros, nós desenvolvemos uma outra política, baseada na parceria e não na hegemonia”.


 


Lula defendeu a estatização do gás na Bolívia, que chamou de “necessidade histórica” e reafirmou que até agora não houve prejuízo para o Brasil. “Estamos recebendo e também estamos trabalhando para sermos auto-sustentáveis”, garantiu.


 


Para Lula, o problema “é o imperialismo da nossa elite, que não fez distribuição de renda não desenvolveu o país. Agora temos que olhar para dentro sem culpar os outros pelos nossos problemas”.


 


De Brasília,
Mônica Simioni