Aos “caras e à “Peãozada”
Em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), realizada na semana passada, o presidente Lula associou o avanço tecnológico e as mudanças no mundo do trabalho desde a criação da CLT à necessidade de reformar as leis trabalhistas em v
Publicado 22/05/2007 15:24 | Editado 04/03/2020 16:52
Se for temerário afirmar que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) está defasada, podemos no mínimo – e por companheirismo – divergir do Presidente da República sobre a necessidade de ser “criativos” e fazer o possível para mudar o atual estado de coisas. Acreditamos que mudanças são necessárias, sim, para que os trabalhadores atuais e futuros exijam o mais rapidamente que os direitos da “velha” CLT sejam aplicados e respeitados.
A jornada de trabalho, que Brasil afora tem custado vidas de milhares de trabalhadores, ainda constitui um drama mesmo após a Constituição ter assegurado 44 horas semanais. Isto porque, contrariamente ao que prevê a lei maior, a realidade tem sido cruel com a saúde e a segurança dos trabalhadores, muitas vezes obrigados a cumprir horas extras e até dobras de jornada de trabalho. Acrescente-se a isso o fato de que o aumento da jornada causa outro mal ainda maior à sociedade: o impedimento para que se criem milhares de novos empregos.
Também é curioso notar que os salários, quando pagos em dia – há patrões, entre eles o próprio setor público, que atrasam o pagamento – estão bem mais defasados que a “velha” CLT, e continuam a perder poder de compra mesmo em um ambiente de inflação controlada. Na realidade, o que se observa é que os empresários querem a volta à origem da palavra salário e de forma bastante pejorativa.
Na base metalúrgica de Betim, Igarapé e São Joaquim de Bicas, por exemplo, há trabalhadores que exercem funções idênticas em uma mesma empresa e recebem até nove salários diferentes. Para isso, as empresas se valem de nomenclaturas distintas que, na maioria das vezes, só visam pulverizar e rebaixar os salários.
Afora isso, não é novidade mais o “calote” praticado por empregadores que deixam de recolher para o INSS o percentual que é descontado dos salários dos trabalhadores, inviabilizando o pagamento de benefícios previdenciários aos que se acidentam e adoecem no trabalho. Também o FGTS tem servido de motivo de muita dor de cabeça para os que, em muitas situações, têm sido tomados de surpresa por contas sem nenhum depósito, depósitos parciais e “acertos” rescisórios sem o pagamento da multa de 40%. Há ainda o caso de aposentados que permanecem na ativa e, quando são demitidos, deixam de receber a multa de 40%, mesmo após legislação recente ter definido em contrário.
No Brasil, mais danosa que a “velha” CLT tem sido a rotatividade da mão-de-obra, que tanta insegurança tem gerado aos trabalhadores. Não temos a menor condição de planejar minimamente nossas vidas, levando em conta que, se hoje estamos empregados, amanhã podemos acordar demitidos, seja em razão do mercado, da economia que não cresce o suficiente, da taxa de juros que permanece elevada, de eventuais crises externas, da política cambial ou simplesmente porque o chefe não foi com a nossa “cara”.
Ainda mais “velha” que a CLT é a falta de democracia – no setor privado, em particular – que faz com que o mesmo trabalhador que ora é chamado de “parceiro”, “colaborador” e, em alguns casos, até “acionista” não possa se opor à ditadura patronal ou participar de reuniões/ assembléias de sua categoria sob o risco de ser demitido. Sindicalizar-se, então, para alguns empregadores, é cometer crime inafiançável.
A pergunta que cabe fazer neste momento é: como ser “criativo” e promover mudanças nesse terreno de areia movediça? E mais: se o veto do presidente Lula à Emenda 3 for derrubado, o que mais teremos a flexibilizar?
Marcelino da Rocha
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim, Igarapé e São Joaquim de Bicas.