Colonialismo Cultural

O colonialismo cultural é tão grande que  já começamos a não ser entendidos quando falamos nossa  língua. A  basbaquice está tão generalizada que precisamos saber tais estrangeirismos para sermos melhor compreendidos em nossa terra.

Iran Caetano*


 


Dia desses fui a um daqueles restaurantes a quilo com o objetivo óbvio de almoçar.  De cara questionei para mim mesmo o nome corriqueiramente dado a tal tipo de casa de refeições: ''self service''.  Tubo bem.  Guardei para mim  as discordâncias  com o   estrangeirismo. Escolhi o que queria comer e sentei-me à mesa. De imediato chegou um ''garçon'' e  perguntou se  eu gostaria de beber algo.


 


– Sim,  respondi. –  Vocês têem guaraná sem açúcar? – perguntei.


– Dáiti? -retrucou o moço.


– Não.


–  Quero um guaraná  SEM AÇÚCAR, falei já com um pingo de irritação.


– Olha Sr.,  não serve Kuat? Atacou o nefando.


– Não! Insisti.  -Quero um simples guaraná em lata, sem açúcar, pois açúcar faz mal  à saúde… O infeliz não se deu por achado e insistiu:


– Só  temos guaraná comum e DÁITI!   Nessa hora a   temperatura do sangue subiu.


– Escuta amigo.  Só sei falar português, e  em nossa língua esse tal de dáiti não  existe. -Prá mim é sem açúcar ou zero açúcar.


-Faz o seguinte,  traz os dois tipos de que eu escolho um. Tudo bem?
– ''Ok''- perseverou o infeliz.


 


Ele foi à geladeira e voltou com as duas latas. Peguei o que eu queria e pedi que lesse o que estava escrito na lata em letras bem grandes e destacadas: ''SEM AÇÚCAR''.


–  Ééé… mas aqui do lado está escrito DIET…  E o  pior é que estava mesmo.  Admiti calado, pois não daria força ao inimigo.


 


Por causa deste e tantos outros episódios fico refletindo sobre o processo cultural dominante em nosso País. É  avassalador o que tem acontecido com a nossa língua e nossas maneiras de nos comunicarmos.


 


O colonialismo cultural é tão grande que  já começamos a não ser entendidos quando falamos nossa  língua. A  basbaquice está tão generalizada que precisamos saber tais estrangeirismos para sermos melhor compreendidos em nossa terra.


 


Há poucos dias a polícia federal desencadeou uma ação contra as liminares vendidas por juízes e  deu-lhe o nome de ''hurricane'', que quer dizer furacão em português. Felizmente se mancaram a tempo e aportuguesaram a ação.


 


Testemunhei tempos passados, numa loja de comidas prontas um diálogo quase que surreal: Uma cliente entra na tal loja e  vê escrito nas vitrinas a  expressão ''deliveri food''.  Curiosa, tal senhora pergunta a uma funcionária  o que querem dizer tais palavras.  A moça mui gentilmente responde.


– O que quer dizer não sei, mas sei que  entregamos comida em casa.


 


O que parece uma onda inocente. Sem objetivos outros que não seja o de dar a impressão de cultura (falsa impressão) não passa da triste expressão de  um povo, principalmente de setores de uma pretensa intelectualidade, que  ainda não aprendeu a cultivar seus valores próprios.  Inclusive sua língua.


 


É triste ,  mas é verdadeiro.


 


*Iran Caetano é médico e secretário político do PCdoB de Vila Velha, ES.