Colonialismo Cultural
O colonialismo cultural é tão grande que já começamos a não ser entendidos quando falamos nossa língua. A basbaquice está tão generalizada que precisamos saber tais estrangeirismos para sermos melhor compreendidos em nossa terra.
Publicado 24/05/2007 11:38 | Editado 04/03/2020 16:43
Iran Caetano*
Dia desses fui a um daqueles restaurantes a quilo com o objetivo óbvio de almoçar. De cara questionei para mim mesmo o nome corriqueiramente dado a tal tipo de casa de refeições: ''self service''. Tubo bem. Guardei para mim as discordâncias com o estrangeirismo. Escolhi o que queria comer e sentei-me à mesa. De imediato chegou um ''garçon'' e perguntou se eu gostaria de beber algo.
– Sim, respondi. – Vocês têem guaraná sem açúcar? – perguntei.
– Dáiti? -retrucou o moço.
– Não.
– Quero um guaraná SEM AÇÚCAR, falei já com um pingo de irritação.
– Olha Sr., não serve Kuat? Atacou o nefando.
– Não! Insisti. -Quero um simples guaraná em lata, sem açúcar, pois açúcar faz mal à saúde… O infeliz não se deu por achado e insistiu:
– Só temos guaraná comum e DÁITI! Nessa hora a temperatura do sangue subiu.
– Escuta amigo. Só sei falar português, e em nossa língua esse tal de dáiti não existe. -Prá mim é sem açúcar ou zero açúcar.
-Faz o seguinte, traz os dois tipos de que eu escolho um. Tudo bem?
– ''Ok''- perseverou o infeliz.
Ele foi à geladeira e voltou com as duas latas. Peguei o que eu queria e pedi que lesse o que estava escrito na lata em letras bem grandes e destacadas: ''SEM AÇÚCAR''.
– Ééé… mas aqui do lado está escrito DIET… E o pior é que estava mesmo. Admiti calado, pois não daria força ao inimigo.
Por causa deste e tantos outros episódios fico refletindo sobre o processo cultural dominante em nosso País. É avassalador o que tem acontecido com a nossa língua e nossas maneiras de nos comunicarmos.
O colonialismo cultural é tão grande que já começamos a não ser entendidos quando falamos nossa língua. A basbaquice está tão generalizada que precisamos saber tais estrangeirismos para sermos melhor compreendidos em nossa terra.
Há poucos dias a polícia federal desencadeou uma ação contra as liminares vendidas por juízes e deu-lhe o nome de ''hurricane'', que quer dizer furacão em português. Felizmente se mancaram a tempo e aportuguesaram a ação.
Testemunhei tempos passados, numa loja de comidas prontas um diálogo quase que surreal: Uma cliente entra na tal loja e vê escrito nas vitrinas a expressão ''deliveri food''. Curiosa, tal senhora pergunta a uma funcionária o que querem dizer tais palavras. A moça mui gentilmente responde.
– O que quer dizer não sei, mas sei que entregamos comida em casa.
O que parece uma onda inocente. Sem objetivos outros que não seja o de dar a impressão de cultura (falsa impressão) não passa da triste expressão de um povo, principalmente de setores de uma pretensa intelectualidade, que ainda não aprendeu a cultivar seus valores próprios. Inclusive sua língua.
É triste , mas é verdadeiro.
*Iran Caetano é médico e secretário político do PCdoB de Vila Velha, ES.