Sergio Macedo: “Homem-Aranha, sangue de barata”

Em Homem-Aranha 3, brigas e brutalidade em altas doses é a tônica do filme do princípio ao fim. Além disso, o que se observa em termos de mensagem é ainda pior: A insensibilidade! A personagem protagonista é tremendamente insensível.


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As histórias dos filmes infantis têm sofrido modificações ao longo dos anos. Consagradas pela qualidade técnica, os estúdios Disney foram protagonistas desta indústria que embalou a infância de todos.


 


Nos primeiros tempos do cinema infantil as histórias se caracterizavam pela singeleza, profunda pureza e ingenuidade. O primeiro filme colorido da história, uma seqüência do ratinho Mickey de 1930 representa com magnitude estes predicados. A este seguem obras maravilhosas como Fantasia.


 


Em um segundo momento, nem mesmo as histórias infantis resistem a crueldade da guerra fria. A disputa entre o leste socialista e o mundo capitalista fizeram chegar às telas, ainda que de forma subliminar, a disputa entre os dois blocos políticos. Nesta linha, no clássico O Mágico de Óz, de Victor Fleming, a Boa Fada é do Norte, enquanto a Bruxa Malvada é do Leste.


 


Além desta nomenclatura sutil, quem vê o filme pode observar que no Castelo da Bruxa Malvada do Leste seus guardas vestem-se com pesados casacos, e usam tocas de peles sobre a cabeça, numa semelhança incontestável com os uniformes dos soldados soviéticos da primeira metade do século 20. Nesta linha da guerra fria surgiram outros personagens característicos do ufanismo e da propaganda da suposta superioridade norte-americana, alguns não tão sutis.


 


O Capitão América foi o supra-sumo do agente da defesa dos interesses da sociedade ocidental contra os agentes “ameaçadores da paz e da democracia”. Em um episódio clássico aparece o Capitão chamado para lutar contra um grupo de usurpadores do poder num “país amigo”. Estes supostos inimigos do bem se vestiam com macacões, e adoravam um líder de olhos puxados, numa clara alusão a China de Mao Tse-Tung.


 


Violência


 


Embora se possa ter divergências sobre os ideais da sociedade norte-americana, e aquilo que ela entenda por bem ou por mau, é natural que a indústria cinematográfica reflita o status quo vigente. Todavia, nos últimos anos, o que tem se visto nos filmes infantis produzidos pelos estúdios hollywoodianos é a completa ausência de mensagem positiva. Apenas os efeitos especiais, de excelente qualidade, e a violência.


 


A violência indiscriminada e desproporcional é o que se vê nas telas exibindo para as crianças a capacidade dos supostos heróis de matar e mutilar seus inimigos – o que tem feito o governo americano pelo mundo, bombardeando indiscriminadamente populações civis no Afeganistão, no Iraque e, por seus prepostos na Faixa de Gaza e no Líbano.


 


Em Homem-Aranha 3, não é diferente. Brigas e brutalidade em altas doses é a tônica do filme do princípio ao fim. Além disso, o que se observa em termos de mensagem é ainda pior: A insensibilidade! A personagem protagonista é tremendamente insensível.


 


Mergulhado em sua vaidade pessoal, apenas preocupado com seu sucesso na mídia, não consegue perceber sequer as dificuldades por que passa sua própria namorada, que durante o filme é despedida do emprego de cantora. Em outro momento o protagonista mutila seu melhor amigo, que equivocadamente insurgiu-se contra ele, por imaginar que o Homem-Aranha teria matado seu pai.


 


Ao final este amigo salva a vida do herói, colocando-se à frente dele para sofrer a carga mortal do inimigo. Aliás, se algum herói há neste filme é este amigo, que morre para salvar o protagonista sem nada pedir em troca, nem mesmo a gloria de seu ato e que por outro lado manifesta sentimentos nobres, por consolar a namorada do amigo na dificuldade, e cultuar um sentimento de solidariedade.


 


Mas o pior do filme é reservado para o final. É a questão da filha do bandido. No início do filme fica claro que o bandido inicia sua carreira de roubos para tentar obter dinheiro para o tratamento de sua filhinha, que tem um grave problema de saúde.


 


Em uma cena comovente promete a menina que irá voltar para salvá-la da doença. No final conta a história ao Homem-Aranha para justificar sua conduta. O suposto herói, apesar de perdoá-lo, não toma qualquer atitude para ajudar a criança pobre.


 


Como diz José Saramago, o capitalismo é assim mesmo: “Se você vai bem, eu o apoio; mas se você vai mal o problema é seu, eu não tenho nada a ver com isso”.