Debate: João Ananias analisa a Saúde no Ceará
Em debate promovido pela rádio O Povo/CBN, o Secretário de Saúde João Ananias, discutiu sobre as metas do atual governo para resolver os problemas da saúde e disse que a proposta do governo é levar leitos de UTIS às macrorregiões, poi
Publicado 30/05/2007 11:02 | Editado 04/03/2020 16:37
Para o secretário da Saúde do Estado, João Ananias Vasconcelos Neto, há muito o que ser feito no Ceará. O secretário expôs também as propostas da nova gestão para um dos problemas críticos do Estado: mortalidade materna. Nos próximos quatro anos, a meta é reduzir 50% os casos de morte.
A principal estratégia do governo é unir forças com o poder dos municípios e da União. A partir disso, será possível aumentar os investimentos em saúde e, conseqüentemente, melhorar os atendimentos. Além de investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a construção de hospitais nas macrorregiões do Cariri e de Sobral, Ananias anunciou que vai brigar por R$ 100 milhões dos recursos provenientes da redução de gastos no início do governo para investir em saúde.
Além dessas questões, o secretário expôs as principais dificuldades da secretaria. Médico, ex-prefeito de Santana do Acaraú e deputado estadual eleito pelo PCdoB, João Ananias, respondeu aos jornalistas Érico Firmo, Erivaldo Carvalho, Fátima Guimarães e Juliana Matos Brito. O debate foi mediado pelo jornalista Arthur Ferraz.
Arthur Ferraz – Vivemos uma situação na saúde de constante insatisfação pública. Diante desse cenário, o senhor, ao assumir a secretaria, traçou algumas metas para o mandato ou acha que as questões problemáticas devem ser resolvidas pouco a pouco?
João Ananias – É um problema crítico, mas não pode ser analisado como um fato isolado, fora de um contexto único. A pobreza, a desigualdade, o analfabetismo, o emprego. Tudo isso acaba sendo fatores determinantes na questão da saúde. Somos o 22º estado mais pobre do País. Não podemos chegar com nenhuma fórmula pronta, mas não podemos chegar despreparados. Queremos resolver os problemas mais urgentes, mas ao mesmo tempo, vamos preparando um plano anual, discutindo com a sociedade. Por mais entendido que alguém acha que seja na saúde, no momento em que é discutido, vamos enriquecer mais a proposta e torná-la mais passível de acertos. Algumas metas, como a assinatura do Pacto de Redução da Morte materna, assinado ontem. Vamos buscar uma redução em quatro anos de 50% da mortalidade materna, um problema que há 10 anos envergonha o Estado.
Erivaldo Carvalho – A situação do Ceará é bastante crítica nesse aspecto, temos um quadro razoável, segundo o Ministério da Saúde, são 84 mortes quando deveria ser em torno de 20. O senhor poderia exemplificar melhor essa meta?
João Ananias – Não adianta colocar uma meta de 100% porque não vamos conseguir. Se a gente propõe 50% e consegue 75% é um avanço. Tem problema antes do parto, na gestação, só que mais de 60% das mulheres que morreram estavam fazendo pré-natal. Isso nos leva a crer que estamos tendo problema no pré-natal. Temos problema principalmente na assistência ao parto, ou seja, nas condições hospitalares. E no puerpério, que é aquela fase de 45 dias após o parto. São causas principais: as doenças hipertensivas da gestante, as hemorragias e as infecções. Vamos ter de trabalhar essas causas. Se a gente conseguir 50% de redução, já é um grande avanço para quem já está há 10 anos com um perfil imutável.
Fátima Guimarães – Como a situação da maternidade materna vem sendo tratada no interior do Estado?
João Ananias – A mortalidade vem da intervenção indevida no parto ou da não intervenção. Um exemplo, uma gestante chega ao hospital e lhe é dada a ocitocina, uma substância para adiantar o parto. Algumas gestantes precisam da substância, mas para outras é desnecessário. Existe um formulário para acompanhar o parto, para que, no momento que não há evolução, seja feita a intervenção. O que nós propomos é uma unificação de condutas, tentarmos com os municípios, onde o Estado vai estar junto, para poder melhorar esse indicador. Estabelecer um protocolo único, sensibilizar a todos para conseguir uma melhoria do acolhimento da gestante.
Juliana Matos Brito – Qual a meta da secretaria para a construção dos hospitais regionais, já anunciados pelo governo?
João Ananias – O governador já assumiu essa construção. Em Juazeiro do Norte, já foi definido o local e como será o hospital. A área do Cariri é uma macrorregião com um pouco menos de problemas do que a macrorregião de Sobral e Fortaleza. Os hospitais terão atendimento de emergência. Mas queremos não suprir só essa deficiência, como também a falta de cirurgias e de outras especialidades médicas, já que os dois hospitais serão escolas. É uma proposta estruturante, mas requer complementação. Na questão das especialidades médicas, a oferta é menor que a demanda, por isso ocorre tanta espera. Tentar realizar isso é o nosso grande desafio, para atender a média complexidade no Interior para desafogar o atendimento aqui. Para a construção, o governo fez um empréstimo ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para a construção de 21 microcentros para garantir mais especialidades. Além das médicas, terão serviços de fisioterapia e terapia ocupacional, entre outros. Com o empréstimo, vamos conseguir que todos os equipamentos sejam construídos simultaneamente.
Érico Firmo – Durante a campanha do ano passado, ficou claro o projeto do governo para a segurança. Mas nas outras áreas não se disse muito. Quais as políticas e estratégias da secretaria para resolver os principais problemas da saúde, como a falta de profissionais, de medicamentos e leitos de UTI?
João Ananias – O SUS (Sistema Único de Saúde) sempre apregoa e coloca a atuação nos três níveis de saúde (primária, secundária e terciária) como sua política principal, além de ações na prevenção das doenças e na vigilância sanitária. Ao meu ver, temos um avanço na atenção primária em conseqüência de uma melhor organização do atendimento por meio do PSF (Programa Saúde da Família), que é a porta de entrada do SUS. Na atenção básica é onde se resolve 80% dos casos de saúde. O problema na secundária e na terciária são as especialidades. Muitas vezes o paciente não tem grande nível de risco de morte, mas acaba indo para o atendimento terciário por falta de serviço no secundário. Para o atendimento de média e alta complexidade, recebemos R$ 80 por ano per capita. O que nós propomos é elaborar um projeto junto aos secretários e escolas de saúde, apresentar ao ministério e ao governador para investir nesses níveis. Os hospitais-pólo são insuficientes para atender a todos. E além do risco do paciente se deslocar a Fortaleza, tem os custos, que são altos. Precisamos organizar uma política de atendimento em emergência, pois a falta de resolução na média complexidade está prejudicando a alta complexidade.
Érico Firmo – Desde o início do governo foi mencionado a falta de dinheiro. Como está essa questão com o financiamento externo?
João Ananias – É uma ação tripartite entre Município, Estado e União. Todos os recursos do SUS exigem uma contrapartida do Estado e dos municípios. O município entra com 15%, o Estado com 12% e a União com 10%. Não vou tirar os pés do chão, mas não vou pensar miúdo porque é pra saúde do povo. Queremos o SUS para classe média, para garantir a média complexidade no Interior para que qualquer cidadão que tenha apendicite possa ter confiança no atendimento em seu município. E se não houver investimento não vamos construir sistema com totalidade.
Erivaldo Carvalho – O gargalo da saúde é a questão do financiamento. A gente viu que, no governo passado, esse nível de 12% foi atingido com louvor. Só que isso não mudou praticamente em nada a situação caótica da saúde. O desafio hoje é saber como gastar. Com isso, o que está sendo feito para a otimização dos recursos?
João Ananias – Primeiro nós fizemos uma reestruturação na secretaria, tivemos uma redução do número de cargos comissionados e no custeio, o que deu uma diminuição de cerca de 20%. Isso é um esforço inicial. Quando assumi em janeiro, fiquei inseguro, com medo de comprometer serviços essenciais da sociedade. Precisamos levar o avanço tecnológico à população que não têm acesso. As doenças cardiovasculares são que matam mais, 25% das mortes do IJF (Instituto José Frota), porque os pacientes não têm para onde ir. Temos de racionalizar com cuidado. Uma forma são os consórcios municipais. O Estado vai mediar e controlar o SUS, potencializando os municípios, mas garantindo ações integradas.
Fátima Guimarães – Na administração passada foi realizado um concurso para profissionais da saúde. Quando os aprovados serão chamados?
João Ananias – Os profissionais de nível médio serão chamado no mês de junho. No caso dos profissionais de nível superior, estamos aguardando uma conclusão da Uece (Universidade Estadual do Ceará). Queremos e vamos chamar, inclusive para diminuir os terceirizados.
Juliana – No início do mandato, houve aquele problema com o programa Saúde mais perto de você. Qual o resultado da avaliação para manter o programa?
João Ananias – Tentamos corrigir algumas coisas, sem tentar identificar culpados. Alguns hospitais não estavam dando o atendimento necessário, por isso houve o corte e a reclamação natural em conseqüência. Mas o governador retomou o programa e estamos propondo que haja uma ampliação dele.
Erivaldo Carvalho – A economia que o governo fez no início do governo já começa a dar sinal de resultados. Fala-se em R$ 500 milhões. Quanto a saúde vai receber desse recurso?
João Ananias – Não tenho números exatos, mas a nossa angústia do começo, já passa por um cenário diferente. Até 15 de junho apresentaremos nossas propostas de investimento. Estamos desencadeando a partir de amanhã (hoje) uma série de reuniões para discutir esse volume. O governo propõe um investimento de R$ 500 milhões e queremos discutir uma fatia razoável, nada menos que R$ 100 milhões para a saúde. Claro que isso é nosso querer, pois muitos querem recursos também, mas eu não vou pedir pouco, pois a situação assim exige.
Érico Firmo – No governo passado houve polêmicas quanto à questão dos gastos. Tem algum risco desse governo fazer alguma manobra para tentar alcançar os 12% exigidos?
João Ananias – Estamos em plena discussão. Emenda 29 (ver quadro), que exige os 12%, tira alguns gastos que tem a ver com a saúde, mas não são necessariamente da saúde. Defendemos a emenda, que vai nos dar mais recursos para solucionar os problemas maiores.
Erivaldo – O senhor é secretário, mas é deputado estadual eleito. Além do senhor, outros ligados a secretaria também são políticos. Esse aparelhamento político de uma secretaria tão importante não atrapalha a gestão? Um técnico não faria funcionar melhor?
João Ananias – Eu sou técnico, sou médico do PSF, vivenciei lá na ponta, num período em que não fui eleito. Me sinto capaz de gerir, mesmo sendo político. Não acho que haja impedimentos. Tenho adotado, e vou adotar durante toda a minha gestão, um caráter profundamente isento. Trato todos como se fossem do mesmo partido, sob pena de pôr em risco a secretaria.
Ereivaldo Carvalho – O senhor é o quinto deputado a ser nomeado secretário. Isso não deixa o cenário político um pouco bagunçado?
João Ananias – Eu continuo representante do povo. No momento que estou tentando defender os interesses da população, eu contribuo, talvez, até mais efetivamente para isso. Se nós conseguirmos alguns avanços na saúde, valeu a representação. O voto do povo construiu isso. Não sinto que esteja desmerecendo o voto de parte da população por ser secretário, pelo contrário, tento honrar cada um deles.
Fátima Guimarães – Essa administração tem alguma proposta de melhoria para o programa de transplantes?
João Ananias – Estamos criando comitês permanentes com os hematologistas para que criemos um serviço especializado, garantindo mais leitos para o tratamento de leucemia, que hoje só o SUS e o Hospital Universitário podem bancar. Apontando para duas questões: a pesquisa de células-tronco e o transplante de medula. Mas nos falta estrutura. Queremos também investir na questão dos transplantes de pulmão, que ainda não são feitos no Ceará. Temos um técnico indo ao Canadá para trazer uma experiência ao Ceará. Mas temos problemas, como a captação de órgãos. Estamos discutindo o que fazer porque isso depende do doador e temos de contagiá-lo. Mas até o fim do ano teremos condições de fazer o primeiro transplante de medula.
Juliana Matos Brito – O HGF (Hospital Geral de Fortaleza) está há sete anos numa reforma interminável. Existe perspectiva do fim?
João Ananias – O HGF se divide em dois, do primeiro andar para cima é um hospital de excelência no País. Do primeiro andar para baixo, é uma emergência caótica, pela sobrecarga de emergência clínica e condições físicas horríveis. Não vou entrar no mérito de porque essa reforma já dura sete anos. Estamos licitando a reforma da emergência e temos a perspectiva de ter o hospital Batista como retaguarda para esvaziar e agilizar a reforma. Estava suspensa por uma determinação do TCU (Tribunal de Contas de União) por causa de um aditivo por parte da firma que executa a obra. Só com a liberação do TCU, o Ministério poderá liberar o restante do dinheiro para terminá-la.
Érico Firmo – O senhor disse que o Ceará tem leito sobrando. E como existem as filas?
João Ananias – Na história, foram construídos hospitais antes das portas de entrada. O problema não é a falta de leitos, o que falta é a qualidade no serviço. Leito tem de sobra, mas não tem atendimento especializado que utilize esses leitos.
Fátima Guimarães – Como você avalia o profissional médico no Ceará?
Ananias – Temos alguns defeitos. Acompanho alguns novos cursos de medicina onde o estudante vai no primeiro semestre ao PSF, na minha época o início era muito voltado ao doente para depois ir ser especialista. A formação médica precisa ser voltada para a realidade, por isso temos tentado mexer na política da residência médica para torná-la mais acessível à população.
Juliana Matos Brito – Passamos recentemente por uma nova crise de falta de leitos de UTI. Que projetos há para aumentar o número desses leitos?
João Ananias – Nós temos 20 leitos no HGF prontos, o governo autorizou a instalação dos últimos equipamentos. Em 30 dias, no mais tardar, serão entregues a população. O problema é que toda a demanda do Estado vem para Fortaleza. Além disso, temos dificuldades de leitos em alguns períodos. Além das causas externas, como acidentes de moto, que são cerca de 16 por dia no IJF, tivemos o período de doenças respiratórias. Por isso tivemos a maior fila da história. Nossa proposta é levar leitos às macrorregiões, pois, como é uma atividade cara, muitos hospitais deixaram de prestar esse serviço.
Erivaldo – A gente teve um surto de dengue em 1994, que foi estancado, mas o problema da doença persiste. Existe alguma meta específica a curto prazo?
João Ananias – Esse é o medo que tenho, sair da secretaria sem que haja um controle da dengue. Não posso prometer coisas que não posso cumprir. Essa é uma situação difícil pela característica da doença, já que 90% da infestação está dentro das casas. O ovo dura 400 dias, passa de um ano para o outro. Tirando o mosquito, tira a doença. É uma doença que requer fundamentalmente a participação da população, pois tem um comportamento cíclico. Em 94, tivemos 47 mil casos confirmados. Depois houve uma queda grande. Em 2001, 34 mil casos. Depois, nova queda, que permanece. Só vamos controlar o desenvolvimento da doença quando cada um fizer uma revista semanal na sua casa.
Fatima Guimarães – Como está a investigação do caso dos medicamentos que desapareceram? Que cuidados serão tomados para que isso não ocorra mais?.
João Ananias – Essa é uma questão que está com a Polícia. Não foi o primeiro. Em três meses, roubaram R$ 1 milhão de medicamentos. Eu tenho opiniões pessoais, mas está na esfera da polícia. Estou esperando. Instalamos câmeras e estamos com uma vigilância muito grande, tanto na entrada quando na saída.
Juliana Matos Brito – Com tantos problemas em diversos setores, que tipo de futuro vamos ter na saúde? Que tipo de marca o senhor quer deixar ao fim da gestão?
João Ananias – No momento em que eu perder a esperança, eu entrego o cargo. É possível, estamos buscando uma integração, superando questões políticas. Mas esperamos conseguir avançar. Temos de trabalhar com vários setores, como educação de meninas na escola para evitar gravidez na adolescência. É muita pretensão, mas a marca que eu queria deixar é a transparência e participação.
Érico Firmo – Diante do fluxo de pacientes do interior para o IJF, o Estado admite bancar uma gestão compartilhada do IJF?
João Ananias – Acho justo, já que o IJF é o maior patrimônio do Estado e está completamente saturado. Porém, eu não posso definir o aumento na condição do hospital. Tentaremos juntos dentro do comitê para ver o que é possível.
Fátima Guimarães – A atual gestão tem algum projeto para o Hospital Infantil Albert Sabin?
João Ananias – Já está aprovada uma reforma para o Albert Sabin. Será feita de forma modulada. Até julho estaremos com a licitação pronta. Agora, quando termina, não tenho como dar um prazo.
Érico Firmo – Recentemente, com a visita do Papa Bento XVI, foi levantada a polêmica do aborto. Como o senhor vê essa questão?
João Ananias – Se 8% das mulheres morrem por conta do aborto, é uma questão séria. Com todo o respeito que tenho às crenças, temos de discutir com a sociedade, pois é ela quem tem que tomar essa decisão, não é uma decisão política. É um problema grande da saúde pública. Se a sociedade for contra, continuamos como estamos, mas se for a favor, tem de haver mudanças.
Fonte: Jornal O Povo