Luis Fernandes, na FINEP, quer integrar sistema de C, T&I  

O cientista político Luis Manuel Rebelo Fernandes, 49 anos, assume a Financiadora de Estudos e Pesquisas (FINEP) com a missão de alinhar a agência aos objetivos estratégicos do sistema de ciência, tecnologia e inovação. Entre as prioridades de sua gest

O ministro Sergio Rezende tem anunciado que teremos uma nova FINEP, mais transparente e eficaz. Quais são os objetivos e quais as metas?
Luis Fernandes: Ele fala em uma nova FINEP na medida em que ela atingiu um novo patamar. Hoje, a empresa passa por uma crise de crescimento, já que multiplicou por 10 os seus investimentos no sistema de C,T&I, entre 2000 e 2006, mantendo basicamente o mesmo corpo funcional e a mesma estrutura de gestão. Um aumento desta envergadura vai implicar mudanças e inovações de procedimentos. A chave dessa Nova FINEP é promover uma maior integração de seus instrumentos e ter maior foco estratégico na sua ação, alinhando-se com as prioridades estratégicas do desenvolvimento nacional.
 


O senhor planeja mudanças na estrutura atual da FINEP? O que será priorizado?
LF: A prioridade é a integração de instrumentos, com foco em eixos estratégicos do desenvolvimento do país. Isso pode ser feito sem grandes mudanças na estrutura da FINEP. A novidade será a introdução de 10 programas horizontais. Eles integrarão as linhas de apoio já existentes na casa em torno de prioridades estratégicas. Posso falar do Programa de Meteorologia e Mudanças Climáticas.  A FINEP tem vários instrumentos que lidam com isso, desde o apoio à infra-estrutura de redes, como a Rede Brasileira de Pesquisas em Mudanças Climáticas, que está sendo criada, até o financiamento de empresas no Programa de Apoio a Projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Pró-MDL). No meio disso, existem ainda o apoio convencional a projetos de pesquisa em mudanças climáticas e por meio de subvenção. Em vez de operações paralelas, teremos um programa que integre todas as ações de determinada prioridade estratégica.
 


O senhor poderia citar os outros programas?
LF: Sim: infra-estrutura da pesquisa científica e tecnológica; fomento da pesquisa científica e tecnológica; apoio à inovação tecnológica nas empresas; extensionismo e serviços tecnológicos; nanotecnologia e tecnologias da informação e comunicação; biodiversidade, biotecnologia, fármacos e medicamentos; biocombustíveis e energias do futuro; C,T&I em áreas estratégicas para a soberania nacional e C,T&I para o desenvolvimento social.
 


O senhor anunciou que pretende estreitar os laços com o BNDES.
LF: Essa é uma agenda de trabalho. A FINEP tem instrumentos únicos, como o da subvenção, que é um grande ganho para o seu perfil institucional. Agora, por mais que nós eliminemos a reserva de contingência dos fundos e ampliemos a capacidade de investimento com crédito reembolsável em atividade de P&D das empresas, a FINEP por si só não vai conseguir ser a promotora do financiamento público necessário para estruturar um novo ciclo do desenvolvimento nacional assentado na inovação. Os recursos serão sempre restritos para essa finalidade. Então é necessário que a partir da singularidade dos instrumentos que ela possui se estabeleçam fortes parcerias com outros agentes promotores de investimento público. Um candidato natural a parcerias é o BNDES, porque a sua missão institucional de financiar linhas de produção é complementar à ação da FINEP no financiamento de P&D.
 


Em que bases vai se dar essa interação?
LF: Se conseguirmos combinar programas em que a FINEP entre na ponta do financiamento da P&D com investimentos do BNDES na cadeia produtiva, nós estaremos alavancando a capacidade da indústria nacional. Não há nenhuma experiência em desenvolvimento que não tenha partido da forte promoção pública, via financiamento, foco estratégico em objetivos e planejamento público. O que interessa é o resultado para a sociedade brasileira.



Como secretário executivo do MCT, o senhor tem a vantagem de conhecer a fundo os problemas do setor. Quais seriam hoje os grandes desafios do sistema de C,T&I?
LF: O principal desafio é justamente aproximar a capacitação científica e tecnológica instalada em instituições públicas e as empresas envolvidas em atividades de inovação. Até aqui, esses dois mundos tiveram laços muito tênues, que é fruto do próprio processo histórico de desenvolvimento do País, que se estruturou sobre a chamada via de substituição de importações, com o mercado nacional fortemente protegido. Nesse contexto, não havia grandes estímulos para as empresas inovarem, a idéia era de que as empresas que vinham de fora do Brasil já trariam consigo os pacotes tecnológicos a serem aplicados aqui. O grande desafio agora no contexto brasileiro e mundial é promover a inovação nas empresas, com apoio direto a essa atividade.
 


Quais são suas expectativas com o novo projeto de lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)? O que muda no apoio às instituições de pesquisa e no papel que a FINEP desempenha dentro do setor de C,T&I?
LF: Há duas mudanças importantes. Um delas está na própria exposição de motivos da lei, onde o governo assume o compromisso de reduzir progressivamente a destinação de recursos dos fundos setoriais para as reservas de contingência. O compromisso estabelecido é de que a reserva será zerada em 2010, o que implicará um gigantesco aporte de recursos para o sistema por meio da FINEP. Nós já conseguimos reduzir a contingência significativamente e liberamos este ano 60% da receita dos fundos setoriais. Hoje, o orçamento está em R$ 1,4 bilhão. Isso projetaria a valores atuais uma liberação integral superior a R$ 2 bilhões em 2010. É claro que isso tem que ser atualizado com base na arrecadação das fontes dos fundos, mas já é um valor expressivo, o que consolida este novo patamar atingido pela FINEP como principal agência de fomento da área científica e tecnológica do país.
 


Que outra mudança a lei vai promover?
LF: O FNDCT existe há 40 anos e até hoje não foi regulamentado. A lei consolida o novo modelo de gestão que iniciamos em 2004, constitui um conselho diretor para o FNDCT com representações no conselho diretor do governo, via ministérios, e nos setores empresarial e acadêmico. Também oficializa algo que estamos operando numa arquitetura complexa, que são as ações transversais via os 15 fundos setoriais existentes. Elas são sacramentadas na regulamentação do Fundo, como ações integradoras, e passam a ser geridas pela FINEP com planos de investimentos formulados pelo conselho diretor. Tudo isso vai permitir uma maior integração dos fundos.  
 


Mesmo com os esforços do governo em direcionar parte dos recursos do FNDCT para atender a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), o sistema de C,T&I ainda é visto como desatrelado das prioridades nacionais. O que deve ser feito para que a academia contribua mais para resolver os problemas do País?
LF: Nesse terreno, eu acho que nós já avançamos muito. No âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, uma das nossas principais realizações ao longo do primeiro mandato do presidente Lula foi exatamente ter dado foco estratégico às ações de C,T&I. Isso começou com um planejamento feito quando o ministro Eduardo Campos assumiu e que teve continuidade com o ministro Sergio Rezende. Ali focamos quatro eixos, um deles horizontal, que é o da expansão, consolidação e integração do sistema nacional de C&T. Também definimos três outros eixos verticais estruturantes de apoio à Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, focados na inovação nas empresas, em projetos estratégicos para a soberania do País, com destaque para os programas nuclear e espacial, e em ciência e tecnologia para o desenvolvimento social. Tudo isso passou a orientar a atuação do ministério e de suas agências.
 


E qual foi o papel da FINEP?
LF: A FINEP teve envolvimento em todos os quatro eixos, mas aquele em que o seu papel pleno mais se afirma é justamente no apoio à inovação nas empresas e a vinculação com a PITCE. Assumo a FINEP com a compreensão de que podemos avançar mais no sentido de integrar os instrumentos da empresa com base nessas prioridades estratégicas. A FINEP possui uma condição que nenhuma outra agência tem, que é uma gama de instrumentos variados que vai do crédito não-reembolsável ao crédito reembolsável, passando pela subvenção direta de atividades de inovação nas empresas. Um dos desafios que nós queremos enfrentar, dando seqüência ao trabalho que já vem sendo desenvolvido, é evitar que haja dispersão dos instrumentos na própria FINEP. Assim, ela poderá realizar todo o seu potencial.        
 


Há oito anos foi criado o CT-Petro, primeiro fundo setorial na área de petróleo. Hoje, já são 15 fundos. Como o Brasil tem aproveitado esses recursos?
LF: A criação dos fundos foi fundamental para recuperar o próprio FNDCT, que entrou em crise nos anos 80 e, nos anos 90, sofreu um esvaziamento completo. Isso representou um grande retrocesso em relação à missão histórica que a FINEP, como secretaria executiva do Fundo, desempenhou na estruturação do sistema nacional de C,T&I. Esse cenário foi revertido com os fundos setoriais, que entraram como uma opção distinta de fontes de arrecadação dirigida para investimentos através do FNDCT. No entanto, os fundos foram criados no momento em que o governo federal da época não dispunha de uma política nacional de desenvolvimento. Isso gerou uma desconexão entre os fundos e a sua missão própria, que era fomentar o desenvolvimento nacional e a inovação. Dessa forma, surgiu um hiato e o potencial desses fundos não foi plenamente explorado. Inclusive, grande parte dos recursos acabaram contingenciados no final do governo anterior.    
 


De lá para cá, o que mudou?
LF: O que procuramos fazer ao assumir o MCT foi combater a segmentação e a dispersão desses fundos, vinculando de maneira mais próxima os seus investimentos às prioridades do desenvolvimento nacional, sobretudo no momento em que o governo lançava, no início de 2004, a nova PITCE. Nós enxergamos isso como uma janela de oportunidades para afirmar a centralidade da C&T nos processos de inovação e de geração do conhecimento. Aí surgiu um novo modelo de gestão que procurou integrar os fundos, por meio de ações transversais. Agora, vamos dar um passo adiante com a regulamentação do FNDCT, que passa a ter uma arquitetura mais enxuta de gestão. Como está hoje é muito complexo, pois você tem a coordenação de 15 comitês gestores, onde o custo operacional para promover a integração é gigantesco.
 


Como o senhor analisa o trabalho dos comitês?
LF: No estágio atual, os comitês gestores deliberam o plano de investimento de todos os fundos e o comitê de coordenação propõe as ações transversais. Com a aprovação da lei do FNDCT, as linhas de investimento de ações integradoras dos fundos passam a ser definidas no Conselho Diretor. Os comitês continuarão existindo e deliberando os planos de investimento verticais, mas facilita-se, via Conselho, o esforço de integração dos investimentos dos fundos conforme as prioridades da política nacional.  
 


A Lei da Inovação foi uma conquista importante. No entanto, alguns segmentos têm reclamado que os estímulos da Lei ficaram só no papel. Como o senhor vê essa questão?
LF: Há dois grandes avanços conceituais na Lei da Inovação. O primeiro é a criação de mecanismos de apoio direto a atividades de P&D nas empresas visando à inovação. O mecanismo de subvenção, por exemplo, inexistia no Brasil. Isso é um resultado muito concreto. Apesar de se tratar de um instrumento novo, focado em produtos e processos específicos referidos à prioridade de desenvolvimento nacional, a FINEP conseguiu com muita rapidez lançar o edital e colocar o assunto na pauta das empresas que concorreram. Para nossa surpresa, a resposta do setor empresarial foi extremamente rápida e nós tivemos uma demanda de mais de mil projetos, seis vezes maior do que os recursos existentes. Foi a primeira versão da chamada pública da subvenção e é claro que nós vamos fazer uma avaliação do ponto de vista da inovação nas empresas. Mas isso vai demorar, porque os projetos precisam ser executados. O que precisamos fazer de imediato é um levantamento do perfil da demanda apresentada e dos projetos apoiados, para extrairmos lições para a nova versão do edital que será lançada em meados deste ano.    



Que outra mudança a lei trouxe após sua regulamentação?
LF: A Lei da Inovação também desobstruiu os canais legais para o estabelecimento de parcerias entre instituições públicas de C&T e empresas. Até aqui essa cooperação era extremamente tolhida e limitada pela legislação vigente. É claro que o retorno pode demorar um pouco mais, pois estamos confrontando duas culturas já consolidadas e arraigadas, em grande parte pela empresa que não se envolve em atividade de inovação, mas também pela área acadêmica, que via a inovação como algo pecaminoso, de negação da missão pública. Hoje nós sabemos que não é nada disso, pelo contrário. É um investimento na geração de riqueza e de bem estar para o povo brasileiro. O que precisamos agora é aumentar os estímulos para que essa sinergia seja aproveitada em todo o seu potencial e isso nós vamos fazer daqui para a frente. Há cinco anos, a própria Lei da Inovação que aprovamos enfrentaria muito mais resistências da Academia. Nós percebemos que tem havido um amadurecimento das instituições acadêmicas em relação à importância de promover a inovação.
 


O senhor acha que os empresários já enxergam a inovação como um instrumento importante para aumentar sua competitividade e produtividade?
LF: Os dirigentes do setor empresarial e as federações na área da indústria entendem a importância estratégica do fomento da prática da inovação. No entanto, se nós examinarmos o total de empresas efetivamente envolvidas em atividades de inovação no Brasil, infelizmente, o número ainda é muito limitado. Então aqui está um desafio, de criar mecanismos, programas e iniciativas que envolvam amplamente o setor empresarial brasileiro no esforço da inovação. Nós temos alguns problemas que precisam ser enfrentados. Há cerca de um ano, um estudo feito pela Fiesp revelou, no universo da federação, que 70% das empresas filiadas não conheciam a FINEP, 50% não conheciam o BNDES e 90% não conheciam o CNPq, o que é mais compreensível, por se tratar de uma instituição predominantemente acadêmica.
 


E o que isso revela?
LF: Isso mostra que os instrumentos de fomento da promoção pública da inovação precisam se tornar mais visíveis, ter uma integração mais forte com o cliente, que é o setor empresarial. Por outro lado, nós estamos quebrando paradigmas no País, o nosso setor empresarial foi estruturado em um mercado protegido que era refratário ao risco inerente à inovação. Ele podia se valer de tecnologias ultrapassadas na matriz, que eram trazidas para cá junto com os investimentos, e que ainda eram competitivas dada a proteção do mercado. Isso gerou uma cultura pouco propensa à inovação.    
 


Nos países desenvolvidos, a inovação se dá nas empresas. No Brasil, a academia ainda concentra uma demanda significativa de projetos inovadores. Nesta reestruturação, qual será a contribuição dos empresários?
LF: Nos países centrais houve um deslocamento do locus das atividades decisivas de P&D das instituições públicas de ciência e tecnologia para as empresas, sobretudo na segunda metade do século XX. Isto não quer dizer que não houve forte promoção estatal das atividades de P&D nestes países. Eles já puseram em funcionamento bem antes do que nós mecanismos de subvenção estatal de atividades de desenvolvimento e pesquisa nas empresas. A lógica era gerar um conhecimento que pudesse ser monopolizado, se contrapondo àquele gerado em instituições públicas. Nas empresas, esse monopólio se instrumentalizou como reprodutor de assimetrias no sistema internacional e concentrador de poder no mundo. Essa é a lógica que os países centrais adotaram.
 


E os países em desenvolvimento?
LF: Os países em desenvolvimento conseguiram vencer com sucesso o desafio da inovação e o fizeram com uma política nacional baseada em dois eixos. Um foi a forte promoção pública da estruturação de atividades de P&D nas empresas a partir da vinculação com um projeto de desenvolvimento nacional. O caso exemplar disso é a Coréia, muito citada pelos empresários. O que eles esquecem é que nesse caso o Estado escolheu as empresas que iriam fazer inovação. O segundo eixo deste esforço foi promover a parceria entre instituições públicas de pesquisa e essas empresas.  A Coréia e o Brasil estavam, no início da década de 1980, bem próximos em relação ao patamar de desenvolvimento. No entanto, o Brasil foi atingido fortemente pela crise da dívida externa, enquanto a Coréia perseguiu neste caminho de projeto nacional de desenvolvimento, gerando a condição invejável que ela ocupa hoje.



Que lições o Brasil pode tirar da experiência coreana?
LF: Para que haja envolvimento das empresas brasileiras com atividades de inovação, o crucial é que haja um projeto de desenvolvimento que mobilize as empresas para seu novo papel. Não há como enfrentar o desafio da inovação no Brasil sem forte promoção pública. Também é importante que se mantenha uma espinha dorsal para o fomento da pesquisa básica, sem preocupação com aplicações imediatas, já que é deste tronco que podem emergir as atividades de inovação. Nós temos um sistema de C,T&I complexo, cujas diversas necessidades devem ser atendidas. O interessante é que a FINEP abrange todos esses braços, basta ver que ela cumpre papel fundamental no apoio à infra-estrutura de pesquisa científica e tecnológica das instituições públicas. Ela tem uma missão histórica abrangente e é importante que tenha. Mas é preciso ter foco nos objetivos prioritários do desenvolvimento.



Fonte: Finep