Câmara debate descriminalização do aborto

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara foi palco de manifestações contra e a favor da descriminalização do aborto. A primeira audiência pública na atua legislatura que debateu o Projeto de Lei que descriminaliza o aborto lotou a galeria da

Participaram do debate o coordenador do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal do Ministério da Saúde, Adson Roberto França; a coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns; a médica e secretária municipal de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia de Niterói (RJ), Jandira Feghali; e a médica ginecologista Marli Virgínia Macedo Lins e Nóbrega.



A médica e secretária municipal de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia de Niterói (RJ), Jandira Feghali, ressaltou que durante a elaboração da Constituição de 1988, foi rejeitada uma emenda que garantiria o direito à vida desde a concepção (e, portanto, proibiria o aborto). Jandira lembrou que, apesar de a Constituição ter vetado essa expressão, o Código Penal (anterior a ela) ainda está em vigor e estabelece diversas punições para o aborto. Para ela, a manutenção dessa punição é um contra-senso.



Na reunião, ela apresentou um histórico das propostas legislativas que tratam de planejamento familiar. Segundo o levantamento, foram apresentadas 98 propostas sobre o tema desde 1967, mas apenas uma lei foi aprovada desde então (Lei 9263, de 1996).



A secretária também citou um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) segundo o qual, dos 48 países mais desenvolvidos, 31 permitem o aborto a pedido da gestante, seguindo diversos critérios (a maioria deles autoriza a prática até a 12a semana de gestação). Dos 145 países menos desenvolvidos, porém, apenas 21 têm essas regras.



Falsa polêmica



Para Jandira, o debate é dominado por uma falsa polêmica; contra ou a favor do aborto. Para ela as causas do abortamento são a deseinformação, a falta de acesso a serviços públicos de saúde, a ausência de equipamentos públicos como as creches, as condições sócio-econômicas da mãe, e a falta de apoio familiar na gravidez precoce.



''Precisamos superar a falsa polêmica de ser contra ou a favor do aborto, somos a favor da vida de todos e todas'' destacou a ex-deputada. Segundo Feghali ''existe um claro corte de classe, pois a classe média dispõe de recurso para fazer o abortamento nas clínicas clandestinas, a mulheres que morrem tentando fazer o abortamento são as mais pobres e as negras''.



O relator da proposta, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que sugeriu as reuniões, lembra que o aborto, apesar de ser uma decisão individual que envolve valores morais e religiosos, também tem caráter coletivo de saúde pública. Os abortos clandestinos exigem tratamento prolongados para reparar seqüelas e provocam a morte das pacientes.



Guerra dos números



A coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, criticou as pessoas que defendem o aborto, afirmando que utilizam dados exagerados para impressionar os parlamentares e fortalecer os argumentos favoráveis a essa prática. Zilda afirmou que não há dados relativos aos abortos clandestinos no Brasil e que os abortos legais (feitos em decorrência de estupro ou de risco de morte da mãe) resultaram em 156 mortes em 2004.



''A Pastoral da Criança visita mais de 1,5 milhão de famílias por mês e verifica que as mulheres desejam assistência de qualidade e humanizada no pré-natal, no parto e no pós-parto'', disse a coordenadora da Pastoral da Criança. Para ela, a decisão sobre o aborto não faz parte do universo de direitos da mulher. ''Quando a mulher decide pelo aborto, ela não está exercendo um direito próprio, mas violando o direito à vida de outra pessoa.''



O coordenador do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal do Ministério da Saúde, Adson Roberto França, afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou no ano passado 222 mil procedimentos de curetagem. A maioria desses casos, segundo ele, indica abortamento induzido e inseguro.



França informou que há dificuldade de obter dados relativos ao aborto porque as mulheres temem admitir a prática. E também porque muitos municípios apontam como causas de óbitos maternos a falência múltipla de órgãos ou parada cardiorrespiratória, sem citar se elas formam motivadas por aborto.



Na audiência, a médica ginecologista Marli Virgínia Macedo Lins e Nóbrega apontou a existência de interesses ''imperialistas'' nos discursos favoráveis ao aborto no Brasil. Segundo ela, diversas entidades norte-americanas financiariam as organizações que defendem a descriminalização do aborto no Brasil. ''Se houver aumento no número de nascimentos, haverá diminuição no financiamento externo para essas organizações'', disse.



De Brasília
Gustavo Alves