Sem categoria

Iraque supera guerra, vence Copa da Ásia e consola seu povo

Sob o comando do técnico brasileiro Jorvan Vieira, a seleção iraquiana de futebol conquistou, neste domingo (29), o título da Copa da Ásia pela primeira vez na história. Na final, o Iraque venceu a Arábia Saudita por 1 a 0, em Jacarta, na Indonésia — uma

O gol do título foi marcado por Younis Mahmoud Khalef, aos 27 minutos do primeiro tempo. A conquista vem em um dos momentos mais tristes da história do Iraque, em meio a bombardeios e mortes que sangram a nação desde a invasão dos Estados Unidos, em 2003. E o histórico desempenho da seleção não resultou apenas em título: correspondentes dizem que o desempenho do time uniu temporariamente o país.


 


A trajetória na Copa da Ásia da equipe — raro símbolo de unidade nacional, com jogadores sunitas, xiitas e curdos — foi acompanhada com fervor por milhões de iraquianos, que puderam se desconectar, assim, da violência que abala o país diariamente.


 


Os “leões da Mesopotâmia”, vestindo braçadeiras pretas em memória dos mortos, nunca haviam chegado à final da Copa da Ásia. Comemorações espontâneas irromperam em Bagdá, assim como no sul xiita e no norte curdo. Depois de ter acompanhado o jogo de suas residências ou nos bares, uma multidão agitou bandeiras nacionais. Os torcedores gritavam e dançavam nas ruas, acenando com suas camisetas e trocando abraços.


 


“Alcançamos nosso sonho! Allahu Akbar! (Deus é o maior)“, disse um torcedor aos brados à TV estatal Iraqiya. Apresentadores de TV, vestidos com o vermelho, branco e preto da bandeira, se desfizeram em lágrimas — e a CNN interrompeu sua programação normal para anunciar a vitória.


 


Críticas à invasão americana


 


“É uma lição sobre a maneira em que o impossível pode triunfar e conseguir a vitória”, declarou o primeiro-ministro Nuri Al Maliki após a façanha esportiva. “Espero que possam, vocês e o Iraque, viver livres e vitoriosos em um país em que os assassinos não têm lugar.”


 


O presidente do Iraque, Jalal Talabani (curdo), anunciou um prêmio de US$ 20 mil para o jogador Younis Mahmoud Khalef, que fez o gol do título gol após um passe do único jogador curdo da seleção, Mulla Mohammed. Durante entrevista em Jakarta depois da vitória, Mahmoud disse que não voltaria ao Iraque para comemorar.


 


“Não quero que o povo iraquiano fique zangado comigo, Mas, se eu voltar com a equipe, qualquer um poderá me matar”, desabafou. “Um de meus amigos mais chegados, gente do governo foi à casa dele para prendê-lo e nem eu, nem sua família soube onde ele estava durante mais de um ano.”


 


Mahmoud, que atua no futebol do Qatar, no Golfo Pérsico, também criticou a ocupação de seu país por tropas dos Estados Unidos. “Quero que a América saia. Hoje, amanhã ou depois de amanhã — mas que eles saiam. Eu gostaria que os americanos não tivessem invadido o Iraque e espero que isso termine logo”, acrescentou. A seleção iraquiana não joga em seu próprio país desde a primeira invasão norte-americana, há 17 anos.


 


Sob tensão


 


Durante a semana, após os triunfos do Iraque nas quartas-de-final e na semifinal da Copa da Ásia, vários incidentes foram registrados no país. Na quarta-feira passada, em um raro momento de alegria compartilhada, milhares de iraquianos invadiram as ruas da capital depois que sua seleção eliminou a Coréia do Sul por 4 a 3 nas semifinais da Copa da Ásia, em Kuala Lumpur.


 


Apesar da euforia, dezenas de pessoas morreram vítimas de carros-bomba. Só na quarta-feira, explosões causaram a morte de pelo menos 50 pessoas que festejavam a classificação de sua seleção para a final. Foi por isso que, horas antes da grande decisão, as autoridades iraquianas montaram um esquema especial de segurança a fim de evitar novos problemas na capital, Bagdá, e em outras áreas conflituosas.


 


A circulação de automóveis foi proibida até segunda-feira em toda a capital — uma metrópole com mais de seis milhões de habitantes. Proibições semelhantes foram anunciadas na instável cidade de Kirkuk, ao norte, e nas cidades xiitas sagradas de Najaf e Kerbala, ao sul, onde as autoridades disseram ter recebido informações sobre possíveis atentados com carros-bomba.


 


As forças de segurança iraquianas detiveram dois homens em um carro repleto de explosivos no leste de Bagdá pouco antes do início da partida, disse a polícia. Eles foram acusados de tentar atingir torcedores de futebol. O governo também vetou, sem muito sucesso, tiros para o alto como forma de celebração, já que várias pessoas morreram com balas perdidas.


 


Festa geral


 


Com o título, o povo iraquiano não se intimidou com as imposições, nem com o toque de recolher. Militares e policiais foram os primeiros a extravasar sua alegria, disparando para o alto em seus quartéis ou nos postos de controle do centro da capital.


 


Por sua vez, cidadãos armados e agentes da segurança privada subiram nos telhados das casas também para festejar. Em Bagdá, prolongadas rajadas de armas automáticas — dirigidas para o céu ou para as águas do rio Tigre — começaram tão logo o juiz apitou o fim da partida decisiva.


 


As autoridades temiam que a vitória do Iraque fosse aproveitada pelos grupos armados para organizar atentados contra grupos de fãs — mas não houve incidentes com carros-bombas. Segundo o governo iraquiano, pelo menos quatro pessoas morreram e cerca de 50 ficaram feridas pelos disparos feitos durante as comemorações.


 


Trata-se do primeiro troféu continental para a seleção iraquiana, que pôs por terra todos os prognósticos desde sua primeira vitória contra a Austrália, por 3 a 1. No Curdistão iraquiano, região autônoma, muitos foram os que afirmaram apoiar a equipe nacional.


 


Brasil no comando


 


Grande parte da vitória se deve ao técnico Jorvan Vieira, radicado no Oriente Médio desde 1978 e desconhecido no Brasil. Em maio, ele acertou compromisso de apenas três meses, somente para a Copa da Ásia. Mesmo se levasse o título, ele já dissera que não permaneceria no cargo.


 


Em entrevista à BBC Brasil no sábado, Vieira contou que, no começo, se deparou com uma equipe dividida. “Quando cheguei, encontrei diferenças entre o time — um grupo dentro de um grupo. Muitos jogadores não se davam entre si, e isso acabava afetando o desempenho dentro do campo, principalmente na hora de passar a bola.”


 


No pouco tempo que ficou à frente do Iraque, o treinador buscou os jogadores que estavam dispersos por clubes do Golfo — e chegou a afirmar que estava cansado porque era um trabalho bastante desgastante. Após levar o Iraque ao histórico título, o treinador, de 54 anos, anunciou que vai deixar o cargo para retornar para o Brasil.


 


Orgulhoso, no dia anterior à decisão com a Arábia Saudita, Vieira declarou que tinha cumprido o termo de seu contrato de “devolver o sorriso aos lábios dos torcedores iraquianos” por ter posto a seleção nas finais da competição asiática. Agora, quer apenas “voltar para casa e ir para a praia”.