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Entidades denunciam a Justiça crime contra a juventude

Há muitos anos a Cadeia Pública do Guarujá, no litoral sul do estado de São Paulo, apresenta sérios problemas de aprisionamento, com deficiências que vão das condições de higiene e alimentação dos detentos à superlotação da unidade. Um dos mais graves, no

Para garantir a transferência imediata dos adolescentes custodiados na Cadeia Pública, por ordem do Juízo da Infância e Adolescência de Guarujá, entidades de defesa e proteção dos direitos humanos ingressaram na última quinta-feira (26) com ação de habeas corpus* no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em visita realizada no último dia 9 de maio, representantes das organizações, acompanhados de membros do Conselho Comunitário Penitenciário de Guarujá, constataram a forma indigna de detenção dos adolescentes. Eles estão alojados em uma cela insalubre, com capacidade para apenas seis pessoas. Não há chuveiros ou instalações sanitárias adequadas. Os jovens tomam banho por um fio de água fria que sai de uma mangueira e são obrigados a defecar no chão – em um buraco por onde entram insetos.


 


“Os adolescentes relatam que à noite diversos insetos entram na cela e que, para que ratos não entrem, o “buraco sanitário” é tapado com uma garrafa plástica de refrigerante de 2 litros. A presença de ratos é tão comum que os adolescentes até nomearam um de Gabriel, como um colega de cela. Por conseguinte, os adolescentes apresentam marcas de doenças de pele – como sarna e escabiose – em razão da imundice do local”, diz um trecho do relatório da visita, que foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), onde tramita denúncia formal contra o Estado Brasileiro acerca das condições desumanas de encarceramento no Guarujá. A denúncia envolve toda a Cadeia Pública, e solicita medidas cautelares para os adolescentes internos.


 


“A situação que encontramos na visita em maio é impressionante. Os jovens ficam o tempo todo trancados. Uma vez por semana têm direito a caminhar até o fundo do corredor e voltar, para esticar as pernas. As visitas dos pais são recebidas através da grade. Eles estão isolados dos demais presos num seguro da carceragem, mas numa cela superlotada”, conta Marcos Fuchs, do Instituto Pro-Bono, uma das entidades que impetrou o habeas corpus em favor dos adolescentes. “Alguns estão lá há mais de quatro meses. Eles precisam ser transferidos urgentemente para um lugar onde possam cumprir a medida socioeducativa com decência, conforme prevê o ECA”, afirma.


 


Imbróglio jurídico


 


A ação apresentada pelo Instituto Pro-Bono e pela Conectas Direitos Humanos ao TJ acontece depois de uma tentativa frustrada das entidades de acionar a Justiça em primeira instância, através da Vara de Execuções da Infância do Guarujá. Na ocasião, o juiz extinguiu o processo alegando que o habeas corpus não era a medida jurídica correta para aplicar em caso de condições de encarceramento.


 


“O juiz disse que condição de detenção não significa privação de liberdade de locomoção. Disse que o habeas corpus só pode ser usado contra a legalidade ou não da imposição da internação, e que nós estaríamos discutindo condição da internação. Mas essa é uma interpretação ultrapassada do instrumento jurídico. O que estamos dizendo é que esses adolescentes não podem ficar lá por tanto tempo”, explica Eloísa Machado, advogada da Conectas.


 


Não é a primeira vez que a Justiça é acionada por conta da situação da Cadeia Pública do Guarujá. O Ministério Público moveu diversas ações civis públicas contra o órgão e, em uma delas, conseguiu uma sentença favorável da Vara da Infância da Comarca do Guarujá, determinando que nenhum adolescente poderia ficar na unidade por mais de cinco dias – prazo próximo ao estabelecido pelo ECA para o atendimento inicial de jovens que entraram em conflito com a lei.


 


De acordo com as entidades, a Fundação Casa recorreu da sentença afirmando que não poderia receber os adolescentes porque todos são reincidentes, e a unidade da fundação no Guarujá é destinada a internos primários. A assessoria de imprensa da Fundação disse que o órgão é obrigado a recorrer da sentença porque, juridicamente, não é responsável pelo atendimento inicial de adolescentes. Isso caberia à Secretaria de Segurança Pública, e a Fundação Casa responderia pela tutela dos jovens somente após decisão final da Justiça acerca das medidas socioeducativas que cada teria que cumprir.


 


Mesmo sem ser obrigada a dar atendimento inicial aos adolescentes em conflito com a lei, a Fundação Casa informou que vai construir uma UAI (unidade de atendimento inicial) no Guarujá, com capacidade para 12 internos. Há três meses a fundação assinou um protocolo de intenções com a Prefeitura do Guarujá, que destinará 600 mil reais para a obra. A previsão de inauguração é para o segundo semestre. Atualmente, a Fundação possui 72 vagas para internação – das quais 64 estão ocupadas – e 24 para internação provisória – das quais 15 estão ocupadas. O problema, segundo a assessoria da Fundação Casa, não é, portanto, de falta de vagas. Segundo o órgão, o imbróglio é com a Justiça porque, se já houvesse sentença definitiva para os jovens, eles teriam sido enviados para uma unidade aberta a reincidentes fora do Guarujá.


 


“Quem é responsável pela execução da medida é a Fundação Casa. Esses meninos só estão na cadeia porque a fundação diz que não pode receber reincidentes no Guarujá. E a Justiça fica quieta. Desde 2002 que há adolescentes cumprindo internação na Cadeia Pública do Guarujá, e este absurdo continua até hoje”, critica Eloísa Machado, da Conectas Direitos Humanos.


 


A ação de habeas corpus já foi distribuída no Tribunal de Justiça de São Paulo e, por ser medida de emergência, deve ser julgada nos próximos dias.