Olga Guedes: Comunicação e democracia
A professora Olga Guedes é uma estudiosa da comunicação alternativa. Aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Olga Guedes estuda o tema na Europa, mas sem se desvincular das questões do Brasil.
Publicado 16/08/2007 11:53 | Editado 04/03/2020 16:37
Atualmente, ela coordena o programa de pós-graduação em Mídia e Globalização da Nottinghm Trent University, na Inglaterra. Recentemente, publicou “Vidas Transnacionais e Mídia: Reimaginando Práticas Midiáticas dos Imigrantes” e, em novembro, lança “Compreendendo as Mídias Alternativas” (edições apenas em inglês). Ela defende mudanças nos cursos de jornalismo com foco na formação de um novo tipo de profissional. Sem demonizar a grande imprensa, Olga acha que chegou a hora de se lutar por valores éticos e formar o comunicador como estrategista e não apenas como mediador. Hoje, ela ministra palestra para os alunos do curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Como a senhora conceitua as mídias alternativas dentro de um mundo globalizado?
A história em termos de produção de mídias alternativas passa por vários momentos. Num primeiro, temos as mídias comunitárias, as rádios comunitárias tão presentes no Brasil e no restante da América Latina. São suportes que questionam a comunicação de cima para baixo, verticalizada, exercida pela grande mídia. Em outro momento, temos veículos alternativos com novas propostas, principalmente a de dar voz aos excluídos. Estudo muito essa questão no contexto europeu, onde realizo minhas pesquisas. São populações multicuturais, populações híbridas, oriundas de vários países. No Brasil, em conseqüência da nossa colonização, de nossa formação, temos uma população também híbrida. Mas, por conta da nossa colonização, essa questão ficou um pouco à margem, talvez por questões políticas e econômicas. Mas voltando ao assunto das mídias alternativas, desenvolvo o estudo em vários níveis. Num primeiro, encontramos o sistema de produção; num outro nível o de formação de profissionais e, num último, seu funcionamento de forma prática, na recepção. Dentro desse grande guarda-chuva, existem muitas práticas de comunicação – da mídia mais radical, de direita, a mais comunitária. Temos também mídias alternativas mais engajadas em movimentos sociais. Muitos problemas são postos, entre eles, o de sustentabilidade. Existem ainda os mais puristas que pensam em sobreviver à margem do sistema capitalista. Isso é uma realidade ainda romântica. Um dos problemas das mídias alternativa é a falta de recursos. Coloco essa questão no meu livro: “Compreendendo a Mídia Alternativa”.
No entanto, as mídias alternativas, pelo menos no Brasil, não têm vida longa por questões financeiras…
Este é um dos nossos problemas. Temos que pensar em termos de uma política de comunicação ligados aos direitos humanos. Se focarmos o problemas apenas nas questões das injustiças sociais, da má distribuição de renda, esquecemos de um problema maior: a voz dos excluídos na grande mídia. Vivemos num mundo capitalista, com grandes conglomerados de comunicação e seus interesses políticos e econômicos específicos. Interesses que necessariamente não passam pelo direito de dar voz aos excluídos. Essa é uma questão difícil, complexa. Como essas comunidades vão se organizar politicamente para terem voz? Na esfera pública institucional, campo das grandes mídias, raramente elas terão voz. Somente nas mídias alternativas estes grupos poderão colocar seus problemas – dos políticos aos culturais. Trabalhei com um grupo de muçulmanos e a revista que eles produzem, tanto no suporte impresso quanto no on-line. O que ocorre é que, em certa medida, este grupo está colocando em circulação seu pensamento, ideologia, cultura. Com isso, eles têm só a ganhar, fortalecer a democracia, mesmo vivendo fora da esfera pública institucionalizada, campo da grande mídia. Você nunca pode pensar que as mídias alternativas podem competir com a grande mídia. Não podemos esquecer que a Internet oferece um campo enorme, uma grande possibilidade para as mídias alternativas.
A Internet não seria ainda um instrumento, do ponto de vista da informação, cuja credibilidade ainda deixa a desejar? Não seria terra de ninguém?
Eu concordo com a expressão terra de ninguém. Mas temos sites que conseguiram construir grande credibilidade. Estava estudando a questão dos blogs. Os de maior credibilidade são escritos por grandes jornalistas, profissionais que atuam no mercado há muito tempo e, hoje, migraram para a Internet. A democracia não é o que nós pensamos que seja, aquilo que achamos que é correto. Não é somente nossa voz que deve ser ouvida. Temos sim neonazistas, cristãos radicais, racistas. Mas temos também outras vozes, grupos preocupadas com a solidariedade, com a comunidade. Os problemas das minorias étnicas, dos gays, dos negros, hoje mobilizam grande debate na Europa. Direitos humanos, direitos de expressão, questões éticas também entram nesta discussão. Buscamos um balanço entre os direitos universais e os direitos particulares, respeitando as diferenças entre os homens. Nesse caso as mídias alternativas, a Internet, fortalecem estes movimentos.
Quer dizer, somente as mídias alternativas dão voz para grupos marginalizados…
Não estou fazendo nenhuma crucificação da grande mídia. Acho que temos que ser muito cuidadosos quando falamos de mídias tradicionais e alternativas. O guarda-chuva é muito grande. Temos mídias de direita, de esquerda, algumas dão mais atenção para questões dos excluídos, das minorias. Outras são mais radicais. Quero deixar isso muito claro. Trabalho também com mídias alternativas em formato tradicional – o rádio, a televisão, o jornal. Não apenas com a Internet. A essência do jornalismo é ser objetivo, da voz e acesso as diferentes vozes da comunidade. Essa é a natureza do jornalismo, cuja gênese está no discurso liberal. Se pensamos nesta questão, notamos uma falência. Podemos, então, questionar o papel dos jornalistas quando cooptados economicamente. Outra questão é colocada: a ética. O que analiso é a questão da voz. Como estas minorias são representadas pela grande mídia de forma ética. Você pega os muçulmanos: eles são excluídos? execrados? demonizados? Parte da grande mídia simplesmente ignora os muçulmanos, outra parte humaniza, dá voz a eles. Mas a representação deles na mídia européia é sempre negativa. Têm pouca representação. Por isso, eles se organizam, como também os negros e os gays, em mídias alternativas. Estou falando mais especificamente da Inglaterra, Itália, França, Alemanha, Holanda. A BBC de Londres, por exemplo, tem o compromisso de dar voz para todos. Mas nem sempre isso acontece. Existem falhas. Mesmo as “BBCs” da vida, televisões públicas, não dão total cobertura a estas minorias. Tem certos aspectos que são levados em conta mais que outros quando elas focam questões dos negros, muçulmanos e asiáticos. Se você olhar para a mídia comercial, a questão é mais complicada. Alguns veículos dão mais atenção, outros silenciam, outra parte massacra estes grupos. É importante para a democracia que estas pessoas tenham voz, tenham acesso aos veículos de comunicação. Seria ingênuo dizer que eles não aceitariam espaços cedidos pela grande mídia. Só que isso não ocorre. Por isso, as mídias alternativas têm tanta influência na Europa. Se o Estado não promove uma política cultural para todos, as pessoas buscam outras maneiras, outros meios para circularem suas idéias.
O jornalismo tradicional nasceu do liberalismo político. Como encontrar credibilidade, objetividade jornalística, na mídia alternativa?
Ora, o jornalismo praticado nas mídias alternativas não tem que ser objetivo. Prefiro utilizar o conceito de neutralidade. No jornalismo tradicional, busca-se ouvir, pelo menos teoricamente, todos os lados da notícia. Abordar os vários lados da questão em pauta. Isso teoricamente. Em termos das mídias alternativas, elas não são objetivas nesse sentido. Elas são objetivas no sentido destes grupos marginalizados estabelecerem suas ideologias, modos de vida, cultura. Falar de suas dificuldades, de sua identidade. Hoje na Europa, com a paranóia do terrorismo criou-se um nacionalismo muito forte, fechou-se fronteiras. Por isso, a importância do espaço para as mídias alternativas.
Os cursos de jornalismo ainda não despertaram para pesquisar as mídias alternativas, principalmente no Brasil…
Se você aborda a questão da comunicação, falamos de igual para igual, de forma horizontal. Não vertical, como ocorre na grande mídia. Agora, as mídias alternativas não estão sendo estudadas, discutidas. Existem em média duas mil universidades de cursos de jornalismo no mundo. Desse número, cerca de 600 estão na América Latina. Apenas 20 ou 30 destes cursos são voltados para formarem comunicadores focando a questão do desenvolvimento e das mudanças sociais, das mídias alternativas. Formando o comunicador como estrategista e não apenas como mediador. Isso para mim é um grande problema no Brasil. É extremamente contraditório que um país que tem uma tradição enorme de rádio comunitária não forme profissionais neste campo. Temos uma política de educação que permite a criação de uma faculdade de Jornalismo em cada esquina. Estes cursos jogam jovens jornalistas num mercado já saturado. Eles são formados para trabalharem na grande imprensa, nunca na imprensa alternativa. Este cursos atendem aos interesses que não são dos excluídos, das minorias, da justiça social. As mídias que poderiam ampliar e fortalecer nossa democracia em termos de diversidade, de pensamento e de outras perspectivas sociológicas, políticas ou mesmo das questão do cotidiano não interessam. Talvez porque nossos educadores vêem essa questão como algo underground. As mídias alternativas são abraçadas hoje no Brasil por pessoas idealizadoras, talvez utópicas. Ou que têm propostas políticas bem definidas, como é o caso do MST. Deveríamos ter políticas de comunicação multiculturais, que absorvessem os grupos excluídos de nossa sociedade. Tony Blair, com todos seus erros políticos, criou na Inglaterra as rádios alternativas. As minorias precisam ter voz, não apenas o direito de votarem. Por isso, a necessidade uma política de regulamentação. Lógico que a regulamentação não muda uma cultura a longo prazo.
Os jornais vêm perdendo leitores ao longo dos anos. O jornalista norte-americano Philip Meyer lançou um livro polêmico – “Os jornais podem desaparecer: como salvar o jornalismo na era da informação?”. Nele, ele preconiza que os jornais precisam resgatar a credibilidade, melhorar seus conteúdos para, assim, conquistar a influência perdida. O que a senhora acha dessa questão?
Concordo que é preciso melhorar a credibilidade de nossos jornais e também o seu conteúdo. Mas a palavra não é influência, mas sim engajamento. É necessário engajar, incluir, recuperar a ética no jornalismo. As mídias alternativas não estão ligadas a nenhum agendamento. Para mim, elas são parte da democracia. Vêm fortalecer a democracia. Não estou discutindo modelos políticos. Quero debater a questão da participação. Como essa participação vai se dar no nível formal é uma outra questão.
Palestra:
A palestra da professora Olga Guedes demarca mais uma edição do Projeto Em Pauta, do Curso de Comunicação Social, da Universidade de Fortaleza (Unifor). O encontro, que também conta com o lançamento do número 12 do Jornal Sobpressão, se destaca pela apresentação do novo coordenador do curso, professor Eduardo Freire, mestre em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Fonte: Diário do Nordeste