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Estados Unidos: insolvência e liquidez na crise

Os assessores de George W. Bush explicaram-lhe a crise muitas vezes, mas dizem que ele não entende. Na quinta-feira passada, a uma pergunta apresentada em coletiva de imprensa na Casa Branca, o brilhante estadista disse que a culpa era dos devedores que a

Bush afirmou também que os seus assessores o haviam informado que se havia injetado liquidez suficiente no sistema financeiro para que “os mercados fizessem as suas correções”. Parece que os seus assessores têm uma visão muito limitada da natureza e do alcance da crise.



Por que há tanto lixo financeiro sob a forma de hipotecas de má qualidade (subprime) no mercado? Esse lixo financeiro, surgido do setor imobiliário, nasce com a expansão de liquidez nos anos 90, parte da herança deixada por Greenspan. O importante é que muitas destas operações foram de má fé do lado dos credores: sabiam perfeitamente que as novas hipotecas seriam impagáveis e que mais adiante poderiam apropriar-se das garantias para rematá-las. Enquanto o Fed eliminava alegremente regulações para o setor bancário e financeiro, entre 1996 e 2005 os tubarões procuravam vítimas no mercado hipotecário dos créditos subprime.



Mas trata-se de uma crise de liquidez ou de uma crise de insolvência? Se é o primeiro caso, o problema é de má coordenação entre pagamentos e cobranças, e isso resolve-se com certa facilidade. Em contrapartida, o problema da insolvência é mais complicado porque detrás dele assoma a sua cabeça o feio monstro das bancarrotas. Suas implicações macroeconômicas podem ser devastadoras.



Os contratos hipotecários podem ser vendidos em mercados secundários e por isso foram objeto de um intenso processo de colocação em bolsa. Mas ao surgirem terrores de insolvência esses títulos só puderam continuar a refinanciar-se a taxas de desconto muito elevadas. Por fim, este mês, travaram-se as vendas. Hoje muitos grandes bancos estadunidenses encontram-se a nadar num mar de títulos derivados ancorados em má qualidade creditícia (irrecuperáveis). Ao não poderem ser refinanciados, esses títulos devem ser incluídos nas suas folhas de balanço, o que implica perdas.



A ironia é que a Reserva Federal manteve uma posição laxista frente às necessidades de reservas bancárias e hoje reverte todo o processo e vê-se obrigada a injetar liquidez. Este estado de coisas não vai mudar senão quando ressuscitar o segmento hipotecário do mercado financeiro.



Os bancos naturalmente realizam operações de refinanciamento das suas dívidas de curto prazo. Isso é padrão. Mas agora as taxas para realizar essas operações elevaram-se desorbitadamente, o que é um indicador dos níveis de alarme que imperam no mercado. As ramificações são extraordinárias. Nas Europa, por exemplo, os bancos estiveram a comprar títulos estadunidenses respaldados por ativos que perderam valor de maneira brutal.



Por isso, no dia da conferência de imprensa de Bush, o Banco Central Europeu (BCE) injectou 130 mil milhões de dólares nos mercados financeiros, respondendo à repentina falta de fundos para refinanciar operações. Para dar uma ideia da magnitude do problema, este montante é superior ao que foi injetado no dia seguinte dos ataques ao World Trade Center no 11 de Setembro.



Estudos da Universidade de Nova York demonstraram que nos últimos anos os níveis médio de insolvência estiveram abaixo dos níveis históricos nos Estados Unidos e nas economias dos países ricos. Nesse país a taxa de insolvência em 2006 foi de 0,6%, muito abaixo do nível histórico de 3%. Mas isso não é necessariamente um indicador de que as coisas andam bem no mundo corporativo. Parte da explicação é que as corporações tiveram acesso a liquidez proveniente de prestamistas não convencionais, comos os fundos de cobertura e risco (os infames hedge funds). Hoje esses recursos não estão disponíveis e as taxas de insolvência e bancarrota podem regressar aos seus níveis históricos normais. Isso poderia ser acompanhado por uma longa recessão nos Estados Unidos.



Que efeitos pode ter a injeção de liquidez feita pelos bancos centrais em face da crise? Se o problema fosse só de liquidez, essas medidas poderiam ter certa lógica. Mas desgraçadamente o diagnóstico aproxima-se mais de um quadro de insolvência. Neste contexto, a injeção de liquidez pode provocar um incêndio maior. De qualquer forma aumenta o risco moral, pois é um prêmio aos especuladores (“aqui há mais dinheiro para que possam continuar a fazer as suas malfeitorias”). No fim, a única coisa que se consegue é adiar o ajuste. Sob estas condições, a aterragem não será suave e as repercussões serão muito graves.



Fonte: Resistir.info