Expansão atual do PIB mostra mais solidez do que em 2004
Puxado pela demanda interna, num cenário de inflação baixa e forte expansão do investimento, o atual ciclo de crescimento se afigura como mais sustentável que o de 2004, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,7%.
Publicado 20/08/2007 11:46
Essa é a opinião da maior parte dos analistas, que apostam num avanço do PIB em 2007 na casa de 5%. Se houver um agravamento da crise externa, com a turbulência financeira atingindo pesadamente a economia real global, o Brasil não sairá ileso, mas desta vez a tendência é que o crescimento seja pouco afetado – além da solidez das contas externas e do colchão de US$ 160 bilhões de reservas, outra grande vantagem é que a demanda doméstica é o principal motor da atividade, como ressalta a economista Ana Carla Abrão Costa, da Tendências Consultoria Integrada.
Há semelhanças entre o ciclo atual e o de 2004. O mais óbvio é a forte alta do investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos (a formação bruta de capital fixo, FCBF, em economês). Em 2004, a expansão foi de 9,1%, Neste ano, deve ficar próxima de 10%. De janeiro a junho deste ano, a produção de bens de capital cresceu 16,7% em relação ao mesmo período de 2006, um ritmo parecido aos 19,7% de 2004.
Uma diferença significativa, porém, é a base de comparação, nota o economista Caio Megale, sócio da Mauá Investimentos. Em 2004, o avanço do investimento se deu depois de um desempenho muito ruim em 2003, quando a FCBF recuou 4,6%. Para este ano, Megale aposta numa expansão de 11% da FCBF, um nível robusto que se segue ao aumento de 8,7% do ano passado. Com isso, são menores os riscos de que o crescimento da demanda provoque pressões inflacionárias indesejadas, como as que ocorreram em 2004 – em setembro daquele ano, o Banco Central (BC) deu início a um processo de alta dos juros por julgar que a economia estava aquecida demais.
Outra vantagem do momento atual é justamente o comportamento da inflação. Em 2004, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 7,6%, bem acima do centro da meta, de 5,5%. Neste ano, os economistas apostam num IPCA na casa de 3,7%, bem menor que o centro do alvo, de 4,5%. Isso tem permitido a redução dos juros para patamares mais baixos. “A situação em termos de juros e inflação é bem mais confortável”, diz Ana Carla.
A importância do mercado interno
A grande diferença entre o ciclo de 2007 e o de 2004 é que o crescimento desta vez depende muito mais do mercado interno. A demanda doméstica (consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento) deve crescer 6,3%, nas contas da Tendências. Essa expansão é impulsionada principalmente pela combinação de juros em queda, crédito farto e renda em alta. É por conta disso que Ana Carla e Megale consideram que uma eventual desaceleração mais forte da economia global não deve ter grande impacto sobre o PIB do Brasil neste ano. “Um crescimento mais fraco dos EUA impactaria o país mais suavemente, já que a demanda doméstica é que puxa a atividade econômica”, resume Megale. Vale lembrar, porém, que uma turbulência externa mais forte pode reduzir a procura por produtos brasileiros no exterior e o preços das commodities exportadas pelo país, o que teria algum impacto sobre o crescimento do país. Além disso, ela poderia levar o BC a reduzir os juros mais lentamente, caso o câmbio fique pressionado. Isso também teria algum efeito sobre a atividade econômica – provavelmente algo modesto – e que não seria sentido no curto prazo.
Para os dois analistas, o que permite à demanda doméstica crescer a um ritmo superior ao do PIB é o comportamento do setor externo. Com a valorização do câmbio, as importações aumentam com mais força do que as exportações, abrindo espaço para um crescimento mais robusto do investimento e do consumo das famílias. Em 2007, a demanda externa deve ter uma contribuição negativa para o crescimento de 1,5 ponto percentual. Ana Carla avalia, porém, que isso é apenas uma questão contábil: se o setor externo não tivesse esse comportamento, os juros não teriam caído o quanto caíram, e a FCBF o consumo das famílias não cresceriam como têm crescido.
O economista Caio Prates, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também considera que o ciclo de 2007 é mais sustentável que o de 2004, como está claro no comportamento da inflação e na solidez das contas externas. Apesar disso, ele não se furta a apontar aspectos negativos da fase atual. Prates nota, por exemplo, que a indústria de transformação cresce menos desta vez. Em 2004, a produção dessa fatia da indústria, que responde por 95% do segmento, teve alta de 8,5%, ao passo que, de janeiro a junho deste ano, a alta é de 4,8% em relação ao mesmo período de 2006. Para ele, isso é resultado do dólar barato, que prejudica as exportações de alguns setores e expõe outros a uma dura competição com produtos importados. Prates diz que isso não é um problema apenas dos suspeitos de sempre, como têxteis, vestuário e calçados, citando outros setores, como o de materiais eletrônicos, aparelhos e equipamentos de comunicação. Depois de ver a sua produção crescer 17,8% de 2004, o segmento tem queda de 6% nos 12 meses terminados em junho.
A produção de bens duráveis (como automóveis e eletroeletrônicos) também mostra menos robustez. As apostas são de que ela deve aumentar 6% em 2007, bem abaixo dos 21,8% registrados há três anos. Ainda que a base de comparação seja mais forte neste ano, parece haver de fato um menor dinamismo, decorrente da maior concorrência do produto importado. De janeiro a junho, o volume de importações de bens duráveis cresceu 50,4%.
O economista Sérgio Vale, da MB Associados, é mais crítico. Ele acha que em 2004 o perfil do crescimento era melhor, porque a expansão do investimento era mais disseminada – hoje está mais concentrada em setores como açúcar e álcool, petróleo, papel e celulose. Ele também considera de pior qualidade uma expansão que, como a atual, depende muito do mercado interno.
Fonte: Valor Econômico