Sem categoria

Não perca: sensacional entrevista de Veja com João Dória Jr.

Em texto irônico sobre a entrevista da revista Veja com o “pai” dos cansados, João Dória Jr, que nas horas não-vagas realiza desfiles de cãezinhos de madame na cidade de Campos do Jordão, no interior paulista, o blog Imprensa Marrom brin

Em verdadeira “aula de jornalismo”, a Veja traz uma das mais esclarecedoras entrevistas de todos os tempos; desde que os homens — e também os cãezinhos de raça — passeiam sobre a terra. A façanha jornalística coube a Thaís Oyama, que evidentemente não revisou o texto (como mostraremos a seguir). E também não se atreveu a fazer perguntas muito pertinentes.


 



Vejam, abaixo, o trechos do preâmbulo do bate-papo, seguido de comentário meu:


 


“…é um dos líderes do Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, mais conhecido como “Cansei”. Criado a partir do acidente com o Airbus da TAM, inicialmente para protestar contra o caos aéreo e a corrupção… “ (grifo nosso)


 



Como se vê, a própria jornalista apresenta o “Cansei” como um movimento criado a partir do acidente com o Airbus da TAM, usando o fato para protestar contra o caos aéreo e a corrupção.


 



Ela fez alguma pergunta a respeito das acusações de “oportunismo”? Não, não fez. Manteve-se naquela coisa de que as críticas eram apenas ao fato de o “Cansei” ser composto por gente rica – permitindo a João Dória fazer discursinhos contra a separação das classes e blábláblá.


 



Não foi uma entrevista, foi um jogo-de-comadres (denomina-se assim as partidas – seja de futebol ou ping-pong – em que os oponentes apenas fingiam haver um desafio). Mas há passagens interessantes. Vejam esta “fala” de João Dória, por exemplo:


 



“…Mas essa reação do governo acabou permeando parte da mídia, mesmo aquela formada por jornalistas competentes, ilustres e com DNA democrático – e que, talvez pela falta do exercício da crítica, acabaram também incorporando o movimento como algo golpista… ”


 



João Dória não diz qual foi a reação do governo. Não diz quem reagiu e por que meios fez ou deixou de fazer qualquer coisa. Simplesmente alegou que houve uma reação negativa, inclusive uma influência, e ficou por isso. A repórter – um talento do jornalismo! – também não insistiu no tema.


 


Depois, Dória alega que alguns jornalistas são ao mesmo tempo “competentes, ilustres e com DNA democrático”, mas… lhes falta o “exercício da crítica”. Isso é ridiculamente contraditório. É impossível que sejam as duas coisas ao mesmo tempo. Competência e democracia não são qualificações de quem não exerce a crítica.


 



Mas a coisa não se limita à pouca afinidade com a lógica. O entrevistado, na mesma resposta, comete um ato-falho “daqueles” (ou então foi culpa de quem transcreveu a entrevista, vá lá…). Vejam:


 



“…acabaram também incorporando o movimento como algo golpista: “Ah, vocês são contra o Lula, contra o pobre imigrante que veio para o Sul na carroceria de um caminhão…”.” (grifo nosso)


 


Tudo bem que essa frase está entre aspas, de modo que poderia representar um certo sarcasmo atribuído aos jornalistas a que se refere o entrevistado. A frase – teoricamente emblemática, mas fictícia – seria a eles imputada.


 


Mas há um problemão aí, Sr. Dória! Lula não é um IMIGRANTE. É um MIGRANTE. Já disseram que o Piauí poderia deixar de existir que ninguém ligava. Não cai bem, ainda que por um lapso, passar a idéia de que Pernambuco não pertence ao Brasil.


 


De todo modo, não vou fazer festinha em cima desse ato-falho. Com certeza, não houve má-fé. No máximo, ignorância ou um errinho bobo (do entrevistado ou de quem DEVERIA ter revisado o texto).


 


Vejamos, agora, uma pergunta de quem não tem a menor noção do que se passa no país:


 


“Veja – O Brasil viveu uma série de escândalos de corrupção nos últimos anos e nenhum deles foi suficiente para mobilizar um grupo a ponto de ele criar um movimento organizado de protesto. Por que o senhor acha que isso só ocorreu agora? “


 


Não, Thaís. Não é por aí. Houve um bilhão de movimentos, mas nenhum fez sucesso. Pra não ir muito longe, basta citar o “Quero Mais Brasil”, que contava com figuras famosas, tal e coisa, e acabou não dando em nada.


 



Portanto, vamos lá: SIM, criaram movimentos. E, não, não deram em nada. Ou seja, houve mobilização, mas de alguma maneira não conseguiam chamar a atenção da sociedade.


 


Isso, claro, até o acidente com o Airbus da TAM…


 


E sobre tal acidente, João Dória Jr. se sai com uma pérola da retórica:


 


“O caos aéreo pode ter sido o ponto de partida do “Cansei”, mas isso só aconteceu porque ele catalisou uma série de insatisfações que vinham crescendo. Dez meses de caos aéreo provocaram uma sensibilização enorme na sociedade… “


 


Não, João Dória. A “sociedade”, quanto ao caos aéreo, obviamente não estava nem está nem aí. O povão sofre o diabo com trens, ônibus e automóveis. O “caos viário” (sobre o que falaremos a seguir) é um problema não de dez meses, mas de 30 anos. E continua do jeito que está: emperrando a economia, matando gente, atrasando a vida de todos, poluindo a cidade etc.


 


O que provocou uma “sensibilização enorme na sociedade” foi o terrível acidente que provocou 200 vítimas fatais. Esse, sim, foi o “agente catalisador”. Inicialmente, supunha-se que a “culpa” pelo acidente era do Governo (a Veja publicou que 7 entre 10 “especialistas” afirmavam ter havido aquaplanagem… E NÃO HOUVE!). As politicagens criadas em cima do acidente acabaram não dando em nada, pois se tornou inócua a premissa – “culpa do governo” – que lhes dava suporte.


 


Se estavam mesmo preocupados apenas com o problema dos aeroportos e são todos empresários tão “dinâmicos”, por que esperaram dez meses para criar um movimento? Quem responde isso é o próprio João Dória Jr., em entrevista concedida ao Terra Magazine . Vejam trechos abaixo:


 


“Terra Magazine – Como foi a organização do movimento?



João Doria Jr. – O acidente foi no dia 17, nós nos reunimos dia 19. E esse grupo, com várias pessoas, ganhou aderência numa velocidade muito grande, e cristalizou-se na idéia de criar um movimento pelo direito do cidadão brasileiro.



(…)



Tudo começou depois do acidente, então…
Sim, foi muito rápido.” (grifo nosso)


 


Foram ter idéia de criar um movimento pelo “direito do cidadão brasileiro” numa reunião marcada 48 horas após a tragédia? Que dureza, hein? O movimento “Cansei”, portanto, não surgiu em meio aos “dez meses de caos aéreo”, mas sim QUARENTA E OITO HORAS DEPOIS DO ACIDENTE COM O AIRBUS DA TAM.


 


E aí a revista Veja mostra o porquê de ser a revista Veja e consegue um verdadeiro furo de reportagem:


 


“Veja – É verdade que o senhor usa gel desde os 9 anos de idade? – Doria Jr. – É que papai usava. Eu o via usar – era Gumex que se chamava naquela época – e comecei a usar também. Uso até hoje.”


 


Não sei como todos nós conseguimos viver até hoje sem essa informação. Realmente, essa é “indispensável”.



Jornalismo?



Se em vez de “jogo de comadres” a Veja fizesse uma entrevista, teria, como dizem, “apertado” o entrevistado. É assim que fazem, por exemplo, quando se trata de alguém do governo. E é assim que a imprensa deve fazer sempre.


 


Não há sentido fazer de uma entrevista um verdadeiro “press release em forma de perguntas e respostas”; um verdadeiro “FAQ João Dória”, como se fosse preparado por sua assessoria de imprensa.


 


Bobagem.


 


A revista poderia ter perguntado sobre o apoio de João Dória a Geraldo Alckmin na campanha presidencial passada, ou sobre sua eventual participação em outras campanhas. Poderia ter perguntado se houve — ou não — algum tipo de influência no fato de Ivete Sangalo ser uma profissional contratada pela Philips, cujo presidente nacional é um dos líderes do “Cansei”, entre outras questões que foram levantadas pela imprensa e por blogs nas análises feitas sobre o movimento.


 


Essa seria uma ótima chance para o entrevistado mostrar seu ponto-de-vista acerca das questões realmente espinhosas. Mas a Veja não lhe deu essa “chance”. A repórter preferiu falar do gel que ele passa no cabelo.



Enfim, não é jornalismo.



André Petry, colunista da Veja, nessa mesma edição, escreveu um artigo sobre o “Cansei”. Abaixo, alguns trechos:



“Cansei de rir – (…) Desde que foi lançado o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros, batizado de “Cansei”, a vida política nacional ficou muito divertida.


 


Divertida porque o pessoal do “Cansei”, sendo notoriamente uma extração de ricos e gente de classe média, detesta ser apontado como rico e gente de classe média. Eles ficam cansados.


 


Seus garotos-propaganda são figuras como Hebe Camargo, Ivete Sangalo, Ana Maria Braga e Regina Duarte – esta última uma coitada nacional, que além do medo vive agora o cansaço.


 


A turma, junta, é como uma réplica da capa da revista Caras, a publicação que retrata a vida e o glamour dos ricos e famosos. Mas eles não gostam de ser apontados como ricos e famosos.


 


Eles ficam cansados. (…) Com esse papelão, o pessoal do “Cansei” fica tão cômico quanto os petistas exaltados dizendo que qualquer crítica a Lula só pode ser golpe ou conspiração. É de morrer de rir “.



Sim, o colunista faz piada com o “Cansei”. Mas ele também omite a principal e mais veemente crítica contra o movimento, que é a acusação de oportunismo em razão do acidente do Airbus da TAM; com isso, seu texto, teoricamente 'contra' o “Cansei”, dá suporte à “lógica conveniente” da entrevista, em vez de trazer uma análise mais ampla.


 


Reproduzido do blog Imprensa Marrom