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Crise-EUA: A bolha financeira e a subjacente economia real

O pesquisador Fábian Amico, em artigo publicado no semanário Nuestra Propuesta, do Partido Comunista da Argentina, faz um alerta em relação ao colapso financeiro que atingiu todo o planeta nas últimas semanas. Para ele, o fato de os Estados Unido

Confira abaixo a íntegra do texto:



Quando passar o tremor



O economista norte-americano keynesiano-marxista Hyman Minsky se tornou famoso por sua teoria dos ciclos financeiros como explicação para as variações econômicas e o crescimento. Minsky se convenceu de que, com freqüência, a acumulação de dívida restringe os investimentos empresariais e conduz à redução financeira e à recessão. Mais tarde intuiu que, nos marcos de uma economia capitalismo de mercado, o Estado poderia conter de modo temporário a instabilidade financeira, mas não poderia evitar que esta se rompa de tempos em tempos.



A chamada “Hipótese Minsky” da instabilidade inerente do capitalismo moderno se explica pelo desenvolvimento de estruturas de dívidas que não podem ser validadas quando a a sorte do sistema é determinada pelas livres forças do mercado, tal como ocorre na crise financeira vigente. Nessa linha, as origens do atual colapso residem na eufórica receita financeira que os Estados Unidos adotaram nos últimos anos diante dos problemas estruturais de sua economia.



O referido colapso gerou uma sucessão de crise financeiras mais ou menos graves. A bolha imobiliária é apenas uma parte. O governo norte-americano estimulou empresas e consumidores a se endividar e a consumir para estimular, por sua vez, uma economia declinante. E o fez como se não houvesse risco algum.



Agora a crise vem pelos créditos “subprime”, que são aqueles créditos concedidos mediante hipotecas outorgadas a pessoas com pobre histórico de crédito. Essas frágeis hipotecas constituíram a base de relançamento da economia de especulação sobre a qual se assentaram os investidores internacionais. Logo, apoiados nos “subprime”, os investidores também se voltaram para os títulos de dívida empresarial de alto rendimento (e alto risco), conhecidos como “bônus sujos”.



Em dado momento, Minsky argumentava que aparecem graus crescentes de fragilidade devido à evolução natural das práticas financeiras durante os períodos de prosperidade. Nessa etapa do ciclo existem incentivos para especular. Os banqueiros tratam de persuadir as empresas com respaldo para que se endividem a longo prazo. No começo reina o otimismo: aumentam o crédito, os investimentos e as vantagens. No entanto, o crédito cresce mais rápido que a geração de ingressos de repago. Quando o crédito aumenta com maior rapidez que as vantagens, as taxas de juros começam a subir, o que desalenta o investimento produtivo e reduz o preço dos ativos financeiros. Com a contração do investimento produtivo, provoca-se uma queda da demanda agregada e das vantagens.



Essa queda, por sua vez, resulta em baixa no valor de mercado das empresas, o que reduz os empréstimos dos bancos, que restringem o crédito para manter suas margens de segurança. A escassez de financiamento afeta de novo negativamente o investimento e as vantagens, num círculo vicioso que aumenta a insolvência e precipita uma crise.



Uma ciranda maior e frágil



Nas últimas décadas, os bancos centrais dos países desenvolvidos (EUA, União Européia) tentaram introduzir alguns “colchões” e regulações anti-crises, ainda que sem maiores êxitos. Os bancos e fundos privados produziram “inovações” financeiras, que constituem novos instrumentos especulativos nascidos nas margens das regulações institucionais e que só fazem a ciranda financeira maior e aumentam a fragilidade do sistema.


 


O economista Paul Krugman relata que em setembro de 1998, um fundo de risco gigantesco provocou nos mercados financeiros uma crise parecida com a atual. Ninguém sabia o que fazer. O Federal Reserve (Fed) coordenou um resgate do fundo de risco em crise e o pânico diminuiu. Mas, uma vez mais, a ciranda se fez maior que antes e hoje existe uma crescente escassez de salvadores. Assim, mercados que operam normalmente com enormes recursos financeiros provenientes de hipotecas de moradias perdem liquidez de modo vertiginoso, sem encontrar compradores.


 


Mas a crise não apareceu de um dia para outro. Primeiro estourou a bolha imobiliária e se afundaram os fundos baseados nos “subprime”. Depois o pânico se mudou para os “bônus sujos”. Poderosos bancos e gigantescos fundos de investimentos titubearam ou simplesmente quebraram. A ameaça de uma reação em cadeia – a última etapa do ciclo, segundo Minsky – segue latente. A cadeia de calotes é a conseqüência da redução abrupta de liquidez. O dinheiro se escasseia, os pagamentos de dívidas excedem os ingressos.


 


Nesse clima, um fundo ou banco de investimento no pode vender seus títulos com respaldo hipotecário (não encontra compradores) e não pode juntar dinheiro suficiente para pagar o que deve a outro, que, por sua vez, não disporá de fundos para pagar suas próprias dívidas. Os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa começam a emprestar grandes, enormes quantidades de dinheiro para evitar a continuidade da insolvência.


 


Há poucos dias, uma das principais entidades hipotecárias dos EUA havia solicitado um módico empréstimo de US$ 11,5 bilhões. Há uma semana, em um só dia o Banco Central Europeu emprestou aos bancos US$ 130 bilhões (!!) e manifestou que aportaria dinheiro “de modo limitado” se fosse necessário. O Fed, por sua vez, injetou US$ 62 bilhões em somente dois dias e a assistência continua.



Até o último sábado, os bancos centrais dos EUA, Europa, Japão, Austrália e Canadá haviam injetado cerca de US$ 135,7 bilhões no sistema bancário, sem conseguir que a confiança retornasse. Contabilizando os desembolsos quinta-feira, o auxílio total desses organismos somou US$ 287,3 bilhões em dois dias! Mas as crises de liquidez não são de simples resolução. Em tal contexto, os que têm dinheiro ou os que o recebem o reservam (“se sentam em cima”) porque não há confiança em relação à devolução dos empréstimos, nem sobre a volta da normalização. É como se os EUA tirassem atirassem dinheiro em uma fogueira que o consome rapidamente, piorando a situação.


 


Despistados


 


Mas a crise não terminou. Minsky dizia que entre as fases ascendente e descendente de uma bolha especulativa existe outra, chamada de “vacilação” ou “hesitação”, que pode durar meses que deveria ser mais bem traduzida como “despiste” ou “desorientação”. Os mercados se movem sem tendência definida, sensíveis antes qualquer rumor, à espera de um sinal. Se esse sinal tarda muito, ele se converte em uma faísca que desencadeia uma explosão. Então seguem as fases que Minsky chamou de “apuro”, na qual reina abertamente o pânico. Seria como se a economia global estivesse ingressando nessa etapa.


 


No entanto, diferentemente de crises anteriores, como a mexicana (1995), a asiática (1997), a russa (1998) ou a argentina (2001), esta tem seu centro no núcleo do sistema. Nos anos 50, os EUA geravam 60% da produção industrial mundial; atualmente apenas chega aos 20%. Aproximadamente 50% dos bônus do Tesouro estadunidense estão em mãos estrangeiras e desde os anos 70 é são um país que consome mais do que produz.


 


Certamente, tudo isso se fez para que novas elites pudessem ganhar bilhões em pouco tempo. Mas as conseqüências foram funestas. Prevê-se que o déficit comercial alcance níveis recordes pelo quinto ano consecutivo, um montante de US$ 784,2 bilhões, 9,4% a mais que no ano passado. Além disso, com sua diminuição de impostos para os mais ricos, o governo Bush gerou um déficit fiscal de US$ 157,3 bilhões no ano fiscal de 2007.


 


O economista pós-keynesiano Tomas Palley afirmou que a política neoliberal “privilegiou os mercados financeiros em detrimento do emprego e do mercado de trabalho”. É o legado de Alan Greenspan. Agora, depois da euforia financeira que induziu ao endividamento insustentável das famílias para aumentar seu consumo mediante o uso do crédito, veremos como ficará a economia, em seus níveis produtivo e social, quando passar o tremor.



Tradução: Fernando Damasceno