Os ''Tesouros Vivos'' da cultura cearense

A festa começou e “eu ainda tô tentando acordar, tá difícil acreditar que com tanto tempo iam me reconhecer por alguma coisa”, afirma Dona Teresinha Lima, 65 anos, nova Mestra da Cultura, ou melhor, mais um ´Tesouro Vivo do Ceará´, participando pela prime


Os “tesouros vivos” foram contemplados ontem, na primeira noite dos Mestres do Mundo. Na região jaguaribana houve dificuldades para a hospedagem dos participantes , que começa “pra valer” na manhã de hoje.


 


O “Tesouro Vivo” ainda gera um estranhamento entre os próprios mestres (que continuarão a ser chamados mestres), mas a retirada da titulação Mestres do Mundo ocorreu para contemplar essa vez não somente pessoas, mas grupos. E de norte a sul do Ceará já existe uma fila de grupos candidatos a “Tesouro Vivos”, tornando mais concorrida a já criteriosa e longa lista de mestres em potencial.


 


O salário que dona Teresinha – do Drama de Beberibe – receberá de auxílio se junta à recente pensão do marido recém-falecido. A família vive da agricultura. Os dramas, reisados e pastoril do litoral de Beberibe sobrevivem graças a ume pequena leva de gente feito dona Teresinha e “ah, é a parentada toda” . Há quase 60 anos as mesmas famílias cultivam as histórias dos Dramas. Retratam desde os dramas rurais das histórias da comunidades às interpretações cênicas da índia Iracema, de José de Alencar. Agora é deles, porque a Iracema dança danada ao baticum da banda musical que acompanha as dramistas. E detalhe: homem não pode participar da encenação. Mas porque, dona Teresinha? “Ah, é uma tradição, tem homem que quer participar, mas o pessoal já começa a falar que passou ‘pro outro lado’…”.


 


Os dramas de lá começaram na década de 30 com dona Maria Otília, da comunidade de Tanques – são seis comunidades de Beberibe que mantêm a tradição. Das apresentações participam cerca de 20 dramistas. Ingressos são cobrados. E o melhor: não falta quem vá assistir aos espetáculos. “Meu filho, naquele tempo não tinha novela, nem televisão tinha, então os dramas quem fazia éramos nós mesmos”. Junte drama, papangus, calungueiros e as comunidades entre sertão e litoral de beberibe e metade das famílias de lá tem algum “culpado” pela manutenção dessas tradições populares.


 


Dona Teresinha é a segunda dramista contemplada pelo Edital dos Mestres da Cultura Tradicional Popular (hoje do “Tesouro Vivo”), da Secult – a primeira foi Dona Zilda, de Guaramiranga. As coisas ficaram menos dramáticas para as bandas onde mora Dona Terezinha. A recém-contemplada conta que depois que noticiaram no jornal que seria um Tesouro Vivo “melhorou foi muito” o apoio ao trabalho que carrega há mais de 30 anos. “Até o prefeito agora apóia a gente, disponibiliza o carro para quando tiver apresentação”. Mas vestimentas para a encenação continua da boa vontade de quem participa da encenação arranjar.


 


Encontros


 


O clima de ontem era de chegada, encontros e reencontros. Para dona Margarida Guerreira, mestre desde 2005, ´é bom pra rever gente boa´. Ela pausa a entrevista: “Quando as águas do mar secar/ eu vou passear/ mais meu bem querer…”. Ela não volta, só canta, canta… De repente, forma-se uma pequena roda contemplativa. São mestres de todo canto no canto da mesa, ouvindo a Guerreira. Na mesa, seu novo disco da “União dos Artistas da Mãe de Deus – Reisado e Guerreiro”. Mesmo com a saúde frágil de uma octogenária, dona Margarida Guerreiro não para um só minuto de cantar, conversar e abrir um sorriso inconfundível”.


 


“Está sendo muito interessante vivenciar isso aqui”, concorda Maria Alice, que não é mestre, mas uma súdita dos artistas de Minas Gerais, sua terra, sempre presente nos encontros dos mestres do mundo e que possui trabalho comparável ao “pioneirismo” cearense – Há cinco anos a Fundação de Arte de Ouro Preto e a Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais cataloga as expressões vivas da cultura popular mineira “em risco de extinção”. O trabalho reúne oficinas de culinária, folia de reis, Candombe, comemoração ao divino Espírito Santo, etc.. Os artistas também recebem auxílio financeiro, “mas não existe a seleção anual como acontece aqui”, explica Alice. A experiência mineira será válida para a discussão que se inicia nesta quarta – “As políticas públicas para a cultura popular e a convenção da Diversidade Cultural” será tema de mesa redonda com Américo Córdula e Gisele Dupin, ambos do Ministério da Cultura, e Delânia Azevedo da Secult.


 


 


Fonte: Diário do Nordeste