Airton Monte – O encontro

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Sábado passado era um sábado como qualquer outro, parecia que não ia acontecer nada especial e eu apenas faria por cumprir a mesma rotina sabatina de sempre:ir ao Clube do Bode e ao depois, saborear a feijoada do Ideal. Entanto, como o indizível e o inefável insistem em rondar-me, o sábado presenteou-me com uma magnífica surpresa, dessas que deixam você quase explodindo de tamanha alegria feito um carnaval antes do tempo. Há dias assim tão originais que chegam quase a se transformar num verso de Mário Quintana pra ser lido em noite de lua cheia.


 


Tudo aconteceu exatamente assim:por volta do meio dia, adentro o Flórida Bar, o braço armado do Clube do Bode, sento-me à mesa predileta onde já se achava instalado o escritor Pardal e sua romântica charanga. Os habituais companheiros de copo e de cruz se vão chegando um a um, feito aves de arribação. Audifax Rios fala-me de um possível livro de crônicas reunindo ele, eu, Tarcísio Matos e Dimitri Túlio. Não acredito muito na concretização de tal projeto, mas por via das dúvidas, sejamos docemente otimistas, pois a vida não é só choro e ranger de dentes.


 


Súbito, vindo de não sei onde qual uma benfazeja aparição, surge Mariano de Freitas, de mulher nova a tiracolo e um saco enorme repleto de discos, o seu disco recentemente gravado onde canta canções que lhe marcaram indelevelmente o conturbado existir. Pouco a pouco vão surgindo, como se brotassem do nada, velhos camaradas do tempo em que éramos belos e jovens idealistas e ainda havia uma entidade chamada esquerda no Brasil. João de Paula, Augusto Pontes, Mônica Barroso, Narcélio dos Anjos, Rodger Rogério e tantos outros mais e mais e mais.


 


E lá se foi o elemento Mariano cantando seresteiramente pela tarde afora, enlevando todos os presentes ao honorável acontecimento. Quedei-me a olhar aquele afetivo mar de calvícies, cabelos, barbas e bigodes brancos e pensei como a vida foi decente para com todos nós. Sim, claro, estamos velhuscos, alguns já são avós, mas hoje, neste sábado extraordinário, estamos rindo e cantando como se nosso coração recuperasse a adolescência perdida. Saí do encontro mais cedo, pois queria viver o sol-pôr no Meireles e conversar com o mar de amigo pra amigo e tentar fazer aquela aura de felicidade durar um pouco mais, só um pouco mais, apenas.


 


Airton Monte é cronista do jornal O POVO


 


artigo publicado em 05.09.2007