Lula, ao El País, reafirma que participará ativamente de sua sucessão
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma em entrevista publicada neste domingo (16) pelo jornal espanhol El País, que nunca deixará a política e que, quando terminar seu mandato presidencial, em 2010, trabalhará para apoiar seu sucessor.
Publicado 16/09/2007 17:04
''Não vou deixar a política, porque a política está em mim há muitos anos'', diz. Lula afirma que não tem ainda o nome de seu sucessor, mas se compromete a trabalhar para que, ''em 2010, quem for candidato para presidente possa me convidar a subir com ele nos comícios''.
''Quero contribuir na eleição do meu sucessor. E, quando sair da Presidência, se dará conta de que não vou fazer jamais nenhum comentário sobre o Governo'', acrescenta o líder brasileiro.
Conquistas econômicas e corrupção
Na entrevista, Lula ressalta as conquistas econômicas, ambientais e na luta contra a corrupção em seu governo, mas reconhece que ''falta muito'' a fazer e defende que a política de sua administração é ir ''subindo degrau a degrau''.
O presidente reconhece que mudou seu discurso desde que chegou ao poder e justifica que, ''quando alguém governa, não tem o direito de agir como quando um estava em um comício'', o que não impede, acrescenta, de manter ''a mais sólida relação'' com o movimento social.
Segundo Lula, o resultado é que ''em toda a história do Brasil não houve um momento mais sólido da economia '', e que foi possível combinar um bom nível de exportações com um equilíbrio do mercado interno e um forte crescimento com o controle da inflação.
Sobre a distribuição da riqueza, em um país no qual 10% da população tem mais de 48% da renda, afirma que ''poucas vezes tivemos as pessoas mais ricas do país diminuindo sua participação na renda nacional e os mais pobres aumentando''.
Diante dos casos de denúncias de corrupção envolvendo três ex-ministros de seu governo e a cúpula do PT, Lula se declara tranqüilo. “Estamos exercendo a democracia em sua plenitude'', mas lembra que ''até agora não há ninguém absolvido e ninguém foi considerado culpado''.
Em relação à corrupção nas organizações policiais, o presidente reconheceu que o problema existe, mas também pondera. ''Eu não diria que a Polícia é o principal centro de corrupção. Há um pouco de exagero'', diz.
Meio ambiente e biocombustíveis
Lula fala da proteção do meio ambiente, especialmente da Amazônia , e proclama que, levando em conta que o Brasil ainda tem 69% de suas florestas originais, percebe-se ''que nós cuidamos muito mais do meio ambiente do que outros países''.
Isso não é incompatível, afirma, com o desenvolvimento da indústria dos biocombustíveis a partir da exploração da cana-de-açúcar ou da soja, porque Brasil é um território muito extenso.
O presidente afirma que os 360 milhões de hectares de floresta amazônica ''são intocáveis'', mas que nos outros 440 milhões de hectares do país há muito a fazer, porque ''apenas 1% está sendo cultivado com cana-de-açúcar e 4% com soja''.
Integração latino-americana
Sobre sua relação com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, e um possível incômodo pelo fato de esta questão sempre aparecer nas entrevistas, Lula diz que não há mal-estar.
''Tenho um profundo respeito por Chávez. Trabalhamos muito em conjunto com a Venezuela (…). A briga de Chávez com os Estados Unidos é um problema de Chávez com os Estados Unidos''.
Em seguida, expressa seu desejo de ''construir uma sólida integração na América Latina'', mas também a rejeitar que seu país tenha a obrigação de protagonizar esse processo. ''O Brasil tem um papel importante na América Latina, mas não quer liderar nada'', diz.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Na Espanha, talvez muitos não saibam que o senhor não se chamava Lula. Quando começaram a lhe chamar assim?
Desde pequeno. Quando me apresentei como candidato à Presidência as pessoas só me conheciam por Lula, não por Luiz Inácio. Assim que decidi acrescentar o “Lula” a meu nome. Agora é um nome oficial. Quase todos os Luis são chamados de Lula. Minha mãe nem sabia que havia um fruto do mar chamado lula quando começou a me chamar assim.
O que o traz aqui?
Minha viagem à Espanha se deve ao debate que estamos tendo com os empresários sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que estamos pondo em prática no Brasil. Você sabe que decidimos fazer um investimento de US$ 250 milhões até 2010 para resolver os problemas de infra-estrutura em portos, aeroportos, estradas e ferrovias.
Desde que assumiu o governo, em 2003, seu discurso foi mudado. Poderia explicar em que termos?
Quando alguém governa não tem o direito de atuar como atuava no palanque. No governo é preciso agir, e isso é feito de acordo com a correlação de forças no Congresso, e sobretudo com o orçamento. Mas nosso governo mantém a mais sólida relação com o movimento social. E posso dizer hoje que em toda a história do Brasil não houve um momento mais sólido da economia. Combinando algumas coisas que no Brasil não havia o costume de se fazer. Por exemplo, durante décadas, quando o Brasil se decidia a exportar, asfixiava o mercado interno. E quando o real se fortalecia, asfixiava as importações. Agora estamos provando que não são coisas incompatíveis. Outra coisa: cada vez que a economia brasileira crescia, a inflação subia. Se o Brasil crescia 7%, a inflação era de 25%. A inflação do ano passado foi de 3,7% e neste ano o crescimento vai chegar a 5%. Para mim, esse crescimento assim, constante, é melhor que outro mais alto, que seria como um coração nervoso.
Seu grande orgulho é a economia. Mas o Brasil continua sendo o país da América Latina com a maior desigualdade social, depois da Guatemala. Cerca de 10% da população possui mais de 48% da renda do país. O que está sendo feito de errado?
Nada. Se se considerar os últimos quatro anos, e assim será a cada ano, é possível se dar conta de que poucas vezes na história do Brasil tivemos os 10% da gente mais rica do país diminuindo sua participação na renda nacional, e os mais pobres aumentando-a. Eu estou muito tranqüilo porque sei que fizemos muito e sei que falta muito. Estamos subindo passo a passo. Fui sindicalista durante muito tempo e sempre que a economia crescia a 14% fazíamos greve de 30 dias. Quando conseguíamos que nossos salários subissem o mesmo que a inflação, já era um feito. Hoje, mais de 80% dos acordos salariais estão acima da inflação.
Três de seus ex-ministros e a cúpula dirigente do Partido dos Trabalhadores, o núcleo duro que organizou a campanha que o levou à Presidência, foram processados no final de agosto, acusados de corrupção. Como crê que eles se sentem e como o senhor se sente?
Eu me sinto muito tranqüilo. Em primeiro lugar, porque estamos exercendo a democracia em sua plenitude. Houve uma denúncia, independentemente de eu estar ou não de acordo com ela, houve um processo dentro do Congresso Nacional, foi enviado às autoridades e agora ao Tribunal Supremo. Até agora não há ninguém absolvido e ninguém culpado. Quem tiver cometido erros irá pagar por eles. No Brasil, as instituições funcionam, e funcionam bem.
Como crê, então, que se sintam seus amigos processados por corrupção?
Creio que se sintam mal. Ninguém gosta de seu acusado. Sempre é desagradável. Mas assim funciona a democracia. E é bom que seja assim. Houve um tempo no Brasil em que as coisas se varriam para debaixo do tapete. A imprensa não se inteirava, a polícia não investigava, a justiça não chegava. Agora, todos, desde o mais humilde ao mais importante, tem que ter a consciência de que na vida pública e na vida privada as pessoas têm que ter um comportamento respeitoso. Se falhar, pagará por isso.
No Congresso do PT, celebrado em fins de agosto, não se falou sobre o tema da corrupção, é verdade?
Não, o partido não se pronunciou. Eu fiz um discurso muito solidário com meus companheiros, para que se defendam, que provem sua inocência. Têm o direito de prova-la. E se não a provarem…
Quê?
Serão condenados.
Quando se visita favelas no Brasil, um dos comentários mais comuns é que a polícia é corrupta e que a principal banda mafiosa é a dos policiais. Não há meio de afrontar essa corrupção dentro dos corpos policiais?
Eu não diria que a polícia é o principal centro de corrupção. Há um pouco de exagero. Ainda que sim, há. Por isso a polícia federal está capturando muitos policiais. Mas as coisas somente podem ser feitas quando alguém sabe e mostra provas.
O desmatamento da Amazônia foi reduzido pelo terceiro ano consecutivo, segundo o Greenpeace. Em 2004 se desmatou na selva amazônica 26 mil quilômetros quadrados de superfície arborizada, em 2005 foram 18 mil e no ano passado 14 mil. Mas essa cifra é maior do que toma a superfície queimada na Espanha nos últimos 21 anos. Não se poderia lutar de forma mais eficaz contra essa depravação ao meio ambiente?
É necessário entender a dimensão das coisas que estamos falando. A Amazônia tem 360 milhões de hectares. É muitas vezes maior que alguns países europeus. Quando chegamos ao governo, não tínhamos nem fiscais e nem ferramentas para fazer esse controle. Se alguém considera o mapa-múndi, o que acontecia há nove mil anos, se dará conta de que o Brasil tinha 9% da floresta do planeta. Hoje o Brasil tem 29,5%. Se analisarmos que o Brasil ainda tem 69% de suas florestas originais, será possível ver que cuidamos muito mais do meio ambiente do que outros países.
Entre 75% e 80% dos carros novos que se vendem no Brasil estão equipados com motores flex, ou seja, aptos para gasolina ou álcool. Além disso, o senhor oferece etanol para a Europa e os EUA. Mas essa superfície nova para a cana-de-açúcar sairá de onde? Será ao custo de tirar terras para o plantio e para o gado?
O Brasil tem um território imenso: 850 milhões de hectares; e 360 milhões pertencem à Amazônia e são intocáveis. Não vamos plantar biocombustíveis ali. Mas temos 440 milhões de hectares para isso. Desses, apenas 1% está sendo utilizado para o plantio da cana; em 4%, soja. O Brasil tem um potencial extraordinário para os biocombustíveis. Além disso, não é possível implantar a idéia de que os biocombustíveis se opõem à segurança alimentícia. Os progressos tecnológicos demonstram que se que colhe mais em um espaço menor. Hoje, em um hectare, produzimos quatro vezes e meia mais cana-de-açúcar do que fazíamos em 1975. Um frango que antes era morto com 90 dias, hoje se mata com 40; um boi que até pouco tempo levava 48 meses, hoje em 18 meses está pronto para o abate.
As condições de vida dos trabalhadores que colhem a cana são ínfimas, segundo denunciam alguns bispos do Brasil e membros do MST. Foi feito algo para melhorar sua situação?
É um trabalho muito duro, quase desumano. As pessoas o fazem porque necessitam. Como se fazia antes nas minas de carvão. As minas não eram menos degradantes do que a colheita de cana. Eu baixei a uma mina de 90 metros de profundidade. E eu preferiria passar toda minha vida cortando cana do que passar uma semana nessa mina. Mas aquele trabalho nas minas permitiu que o mundo chegasse ao que chegou. O trabalho na cana vai acabar a médio prazo, porque cada máquina substituirá a 80 homens. Em São Paulo há lugares não só há máquinas. E surgirá outro problema. Porque são pessoas pobres que vêm de outros estados. Tivemos uma reunião há pouco tempo com os empresários para discutir como humanizar o trabalho do campo e como formar profissionalmente a esses homens para que possam algum dia abandonar a colheita de cana. Mas o que não podemos aceitar é que as empresas de petróleo… eu sei que elas não querem etanol. Começando pela minha, a Petrobras. Durante décadas houve problemas. E a Repsol também os têm. Os países que têm petróleo não desejam o etanol. Mas é um debate inútil. O petróleo não vai deixar de ser importante. O que precisamos é misturar outros combustíveis que diminuam a quantidade de emissão de gases que o petróleo produz. Agora, em todo esse processo é importante dizer que os países ricos, que se desenvolveram no século passado, não podem exigir que os países pobres paguem a conta.
O Brasil destinou no ano passado ao orçamento militar cerca de 10 milhões de euros, muito acima dos 2.400 do México ou 1.500 da Argentina. E pretende aumentar esses números em 2008 em 50%. Isso tem algo a ver com os nove submarinos que Hugo Chávez comprou para a Venezuela e com os helicópteros e aviões que ele adquiriu da Rússia por 2,9 milhões de euros?
O orçamento militar brasileiro é pequeno. No Brasil, há mais que o dobro de militares na reserva do que na ativa.
Ou seja, não tem nada a ver com a Venezuela.
Nada, nada. Nos anos 70 tínhamos empresas modernas que produziam blindados. Mas isso foi desmantelado. O Brasil tem que voltar a ter tudo o que teve. Para voltar a construir nossas fábricas de material bélico temos que comprar.
O senhor não está cansado pelo fato de que em quase todas as entrevistas lhe perguntem a respeito de Chávez?
Não. Vou me encontrar com ele na próxima quarta-feira. Eu tenho um profundo respeito por Chávez. Trabalhamos muito em conjunto com a Venezuela. O problema dos discursos e a briga de Chávez com os EUA é um problema de Chávez com os EUA. O Brasil quer construir uma sólida integração latino-americana. Somos um continente com uma democracia incipiente. Temos problemas muito sérios. Mas é importante recordar que a União Européia demorou 50 anos para chegar aonde chegou. O Brasil tem um papel importante na América Latina, mas não deseja liderar nada.
Em 2010 termina seu mandato. E o senhor quer chegar com forças para…
Fazer meu sucessor.
Cujo nome não pretende revelar, certo?
Não tenho ainda o nome.
Dizem que o senhor pretende voltar a se candidatar em 2014.
Eu quero trabalhar que, em 2010, quem vier a ser candidato a presidente possa me convidar para subir com ele nos palanques. Porque quando os presidentes estão mal, seus nomes não são citados. Quero contribuir na eleição de meu sucessor. E quando deixar a Presidência, ele se dará conta de que não vou fazer jamais nenhum comentário sobre o governo.
Pensa em se retirar da política?
Não vou deixar a política porque ela está em mim há muitos anos. O que vou fazer depois… falta muito tempo. É uma ilusão e eu não trabalho com ilusões. Se eu for vivo em 2014 vou dar graças a Deus. O resto, vamos ver como as coisas acontecem.
Da redação, com agências