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Carta de Tarso Genro reacende crise interna do PT

Além do problema Walfrido dos Mares Guia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está combatendo uma nova crise no PT. Sob o pretexto de avaliar o 3º Congresso Nacional do partido, o ministro Tarso Genro (Justiça) enviou uma carta aos militantes na qual f

A carta de Genro – cujo título é Depois do Vendaval – deixou particularmente aborrecidos os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, além do ex-presidente do PT José Genoino. Palocci acredita que o ministro da Justiça desmereceu o papel que ele exerceu no governo Lula, ao afirmar que, com a mudança de comando no PT, deu-se no segundo mandato “início à 'transição' em direção a um novo modelo de desenvolvimento, com maiores taxas de crescimento, emprego e distribuição de renda, superando o modelo neoliberal herdado de FHC, de baixas taxas de crescimento e sucateamento das funções públicas do Estado”.



Segundo Genro, a crise de 2005 “evidenciou a falência dos velhos paradigmas ideológicos vigentes no interior do partido, herdados da bipolarização URSS x EUA” , que se refletiam no PT” com um arcabouço conceitual e um modelo de organização de tendências, incapaz de dar conta das novas complexidades da luta social no mundo globalizado” . Este modelo, “impotente e primário, serviu apenas para consolidar relações de poder puramente contingentes para fortalecer interesses grupistas no partido, mas foi impotente para ajudar Lula a governar olhando para a frente, como o próprio presidente te o fez ao longo do primeiro mandato”. Este foi o trecho que mais deixou incomodados Dirceu e José Genoino.



A assessoria do ministro Tarso Genro confirmou ao Valor a autenticidade da carta, mas destacou que se tratava de uma correspondência particular aos militantes que não era para ser divulgada. No pé do texto, aliás, há um aviso entre parênteses: “Este texto é uma correspondência; não é permitida sua reprodução sem licença do autor”. Apesar da recomendação, a carta reabriu feridas que nunca foram inteiramente cicatrizadas no PT e voltou a radicalizar as posições em relação ao Processo de Eleição Direta (PED), em dezembro, que vai eleger o novo comando partidário.



O PT encaminhou a Lula uma lista com três nomes para presidir o partido: Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente, Luiz Dulci, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, e o do assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. O nome do atual presidente, Ricardo Berzoini, foi omitido porque ele disse que não queria mais permanecer no cargo, por sentir-se desprestigiado pelo presidente Lula.



Ao tomar conhecimento da lista do PT, Lula se recusou a abrir mão de dois dos três auxiliares: Gilberto Carvalho e Luiz Dulci. Especificamente em relação a Carvalho explicou que ele tem novas funções desde a reforma da chefia de gabinete da Presidência, a partir da qual Cezar Alvarez passou a cuidar especificamente da agenda presidencial e liberou Carvalho para outras tarefas . Entre elas, a interlocução do presidente com o próprio PT. Dulci também prefere ficar na Secretaria Geral. Restou Marco Aurélio Garcia, que já declarou publicamente não se sentir em condições de ocupar o cargo, depois que foi filmado fazendo um gesto obsceno.



Diante do impasse, os integrantes da executiva petista, que se encontram em viagem à China, decidiram antecipar a volta ao Brasil para este fim de semana. O grupo Articulação, que foi majoritário na eleição dos delegados ao 3º Congresso Nacional do PT, vai tentar convencer Ricardo Berzoini a voltar atrás e concorrer à reeleição para a presidência do PT. Há outras três alternativas – Paulo Frateschi (SP), Marcos Maia (RS) e André Vargas (PR). Mas um nome nem sequer pode ser mencionado no grupo: Tarso Genro.



* Fonte: Valor Econômico



Veja a íntegra da carta de Tarso Genro (embora uma nota ao pé da carta desautorize sua reprodução sem licença do autor, o Vermelho a reproduz por já estar disponível na internet, inclusive no site http://www.mensagemaopartido.org.br/, da tendência petista do ministro):




“Tarso Genro: Depois do vendaval”



12/09/2007



“O resultado do Terceiro Congresso do PT dá continuidade ao processo iniciado com as eleições diretas de 2005. A direção provisória, que assumiu o Partido em julho daquele ano, constituiu um novo ambiente político interno, que rompeu com uma defasada lógica de maioria e deu ao partido as condições para sair da letargia e da defensiva política, que se encontrava em razão da crise do “mensalão”. Naquele período foram aprovadas resoluções políticas que retomaram o programa partidário e aceleraram os debates internos, então ampliados pelos PED.



A reação desencadeada pela presença massiva da nossa militância naquele PED colocou-nos em condições de reeleger o Presidente Lula e preparar as condições para um 2° governo ainda melhor que o primeiro. Melhor, pois tornou o governo ainda mais identificado com sua base social e, por isso, produzindo a sustentação necessária para aumentar os níveis de investimento público, tanto na área social quanto na infra-estrutura e na produção.



Com isso, deu-se início à “transição” em direção a um novo modelo de desenvolvimento, com maiores taxas de crescimento, emprego e distribuição de renda, superando o modelo neoliberal herdado de FHC, de baixas taxas de crescimento e de sucateamento das funções públicas do Estado. O Estado, como indutor do desenvolvimento econômico e promotor dos direitos sociais, inscritos na carta de 88, vinha sendo minimizado ao longo dos anos 90.



A crise de 2005 evidenciou a falência dos velhos paradigmas ideológicos vigentes no interior do Partido, herdados da bipolarização URSS x EUA. Tais paradigmas, refletiam no PT com um arcabouço conceitual e um modelo de organização das tendências, incapaz de dar conta das novas complexidades da luta social no mundo globalizado. Naquele modelo descrito, “ser de esquerda” era estar “mais próximo” das experiências russa e cubana; estar “mais à direita” era ser mais “simpático” à social-democracia.



Tal modelo de disputa, impotente e primário, serviu apenas para consolidar relações de poder puramente contingentes para fortalecer interesses grupistas no Partido, mas foi impotente para ajudar Lula a governar olhando para frente, como o próprio Presidente o fez ao longo do seu primeiro mandato.



O surgimento de um novo movimento organizado no interior do PT (o movimento “Mensagem”) re-motivou milhares de militantes em todo o país e, em menos de seis meses, tornou-se a segunda força no Partido. Além do seu conteúdo novo, o próprio método de construção da “Mensagem” procurou responder aos velhos padrões a que as relações internas estavam submetidas: a Mensagem organizou práticas de articulação “em rede”, baseadas numa comunicação plural e dialógica. Partiu do reconhecimento das diferenças necessárias para encetar um debate racional e fraterno, num mundo pós-guerra-fria, sem deixar de pensar o futuro do socialismo, mas com os olhos fincados no presente do Brasil e sem partir de certezas das “leis de bronze”.



Ao longo dos debates do 3º Congresso tivemos absorvidas pela grande maioria das correntes partidárias (dos mais diferentes espectros ideológicos), e depois pelo plenário do Congresso, inúmeras propostas que apresentamos. Tais resoluções foram construídas sem a utilização de um discurso de condenação moral ou de acusação de indivíduos – como a grande mídia torcia. O que buscamos (e tivemos êxito) foi à formulação de respostas ideológicas e institucionais efetivas, para a superação dos erros e das limitações do Partido, e não um “julgamento”, deste ou daquele indivíduo, tarefa que é responsabilidade da justiça penal após a instrução dos respectivos processos judiciais.



A mais importante destas formulações foi a incorporação no Socialismo Petista do conceito de republicanismo. No 1º e 2º Congressos tivemos o reconhecimento definitivo da democracia como forma legítima de disputa de projetos, superando a dicotomia entre “reforma” e “revolução”. No 3º Congresso tivemos a incorporação da ética republicana, enquanto princípio orientador do exercício de funções de Estado por parte de militantes petistas, superando, assim, a contradição entre “ética de classe” e uma verdadeira ética universalista.



É o início da superação da nossa crise ideológica (“desmanche” do nosso horizonte utópico), da nossa crise programática (confusão entre modernização da esquerda e concessões à visão do caminho único) e da nossa crise ética (penetração, em nosso meio, de práticas patrimonialistas consagradas pelos partidos tradicionais quando na direção do Estado brasileiro).



Finalizado o 3º Congresso – que chegou a ser considerado por muitos como desnecessário ou inconveniente – inicia-se mais um processo de eleições diretas (o terceiro em sete anos!). Nela cada militante terá a oportunidade de escolher as direções partidárias zonais, municipais, estaduais e nacional.



Desde o início do governo Presidente Lula, os representantes da maioria partidária, que controlavam a direção, não ofereceram respostas às tarefas que lhe foram colocadas: não realizaram um profundo debate sobre o modelo de desenvolvimento – que teria como objetivo de ajudar o Presidente Lula a realizar o seu programa de governo; não ampliaram nem aprofundaram as relações do Partido com os movimentos sociais – com o objetivo de criar a sustentação necessária para o avanço de nosso projeto; não consolidaram um “pólo de esquerda” nas relações partidárias de sustentação do governo – com o objetivo de criar um acordo programático no interior da coalizão de governo; nem fortaleceram os mecanismos partidários de formação de quadros ou de relacionamento com a intelectualidade – com o objetivo de fortalecer o Partido para a disputa democrática pela hegemonia.



No PED, duas grandes questões estarão colocadas: se o Partido saberá aprender as lições da crise para manter-se como um sujeito político construtor de uma nova cultura política no país, ou se será engessado por estruturas burocráticas, fundadas em relações de poder pragmático; e, ainda, qual o programa de ação política que será escolhido para dar suporte aos avanços do segundo governo do Presidente Lula e para a construção da sua sucessão.



Penso que a “Mensagem” não deverá se colocar a tarefa de “rivalizar” com essa ou aquela corrente do Partido, pois compreende que cada uma delas compõe a riqueza ideológica que fazem o PT ser o que é. A Mensagem, ao longo deste processo, deverá dialogar com os militantes de todas as correntes, buscando as melhores respostas a estas questões, com o objetivo de reacender e reorganizar no Partido toda a potencialidade da militância petista.



Precisamos, neste contexto de mais ampliação e organicidade no movimento Mensagem, nos estruturar sem “fixações” sectárias contra quem quer seja, produzindo e apresentando ao Partido, respostas das quais dependem o seu futuro e o da esquerda brasileira.



(Este texto é uma correspondência; não é permitida a sua reprodução sem licença do Autor).”