Reparação Histórica: comunista Guilherme Tavares é anistiado e recebe indenização

Em uma decisão histórica, sobretudo para os partidos de esquerda de Cachoeiro de Itapemirim e do Espírito Santo, Guilherme Tavares, ferroviário aposentado, antigo militante do PC do B, conseguiu, através do escritório do  Wilson Márcio Depes, sua dec

Segundo os advogados Wilson Márcio Depes e César Azevedo Lopes, Guilherme, que foi detido para averiguações ao tempo da ditadura militar, não chegou a perder o vínculo laboral junto à Rede Ferroviária, e por isso  receberá a quantia de 45.600,00, referentes a 3 anos, 11 meses de 29 dias de punição.


 


Esclarecem, também, que Guilherme só não fez jus à prestação mensal, permanente e continuada,  vez que não houve rompimento do vínculo empregatício  entre  ele e a Rede Ferroviária Federal. Depois de foi solto, a bem da verdade, passou a exercer as atividades profissionais remuneradas.


 


Em síntese, explicam os advogados, foi concedida  declaração da condição anistiado político, nos termos da lei, com a reparação econômica, de caráter indenizatório, por quatro anos de perseguição, pelo período de 29/09/170 e 27/09/1974.  Não lhe foi atribuída a prestação mensal e permanente, uma vez que não houve rompimento  do vínculo e por isso ele conseguiu a aposentadoria junto ao INSS.


 


Reconhecimento


 


Guilherme Tavares, que sempre pertenceu aos quadros do Partido Comunista do Brasil,  na qualidade de ferroviário, teve participação direta na luta contra a ditadura militar.


 


O advogado Wilson Márcio disse ficou muito feliz com a decisão da Comissão de Anistia e, sobretudo, por estar atuando num caso histórico, onde foi feito justiça a quem lutou pelo retorno  dos regime democrático no país.


 


Falcão


 


Quem também comentou a decisão histórica foi o presidente estadual do PCdoB no Espírito Santo, Anderson Falcão. “O partido em todo o país e todos os nossos militantes capixabas, inclusive aqueles que também foram perseguidos pela ditadura, estão felizes por esse reconhecimento da Justiça brasileira. Guilherme honrou a nossa sigla em um tempo em que poucos ousariam dizer que eram comunistas. Espera-se, com essa decisão que outros camaradas tenham a mesma felicidade nos processos”.


 


Comitê Central do PCdoB se congratula


 


A direção nacional do Partido Comunista do Brasil também se manifestou sobre o caso. De São Paulo, o membro do Comitê Central, Vital Nolasco, fez questão de saudar Guilherme Tavares por ter conseguido se anistiado.


 


“Quero em nome da direção Nacional do Partido felicitar o Camarada Guilherme, que depois de muita luta, conseguiu finalmente sua condição de anistiado político”, falou.


 


Vital lembra que ao anistiar cada brasileiro, que foi vitima da Ditadura, o estado não está ''reparando'' arbitrariedades, praticadas contra o povo, o cidadão e o estado de direito, porque trata-se de uma situação “irreparável”.


 


“Existem crimes irreparáveis. Alem do mais todos nós que fomos vitimas da ditadura, lutamos por convicções políticas e ideológicas, e não existe reparação econômica que possa restituir nossos sonhos e esperanças, que podem ter sidos retardos, mas que continuam atuais”.


 


Guilherme Tavares, no fogo da luta


 


Em agosto de 1923, um ano após a fundação do Partido Comunista do Brasil, nascia em Cachoeiro de Itapemirim – ES – Guilherme Tavares. Hoje, aos 84 anos e firme como uma rocha, esse ferroviário aposentado é a maior referência do PCdoB no Espírito Santo. Disciplinador, ele é a mais pura personificação do Comunista, resultado de uma militância partidária adquirida no “fogo da luta”.


 


Se intitulando como a única voz no Espírito Santo, e uma das cem no Brasil, a se levantar contra as concessões que os “revisionistas” fizeram à burguesia em 1962, o velho ferroviário relembra até hoje com orgulho a sua aproximação com o PCdoB, o movimento operário na Ferrovia Leopoldina Railway e as prisões na Ditadura Militar.


 


Em 1985 foi editado um documento jornalístico pelo saudoso Luzimar Nogueira Dias. Nele, o jornalista e comunista traçava um perfil de Guilherme Tavares que, já em 1934, participava de greves, não como trabalhador, mas entregando mensagens. “Com 15 anos entrei para trabalhar na Estrada de Ferro Leopoldina Railway Ltda. Já ouvia falar de direitos sociais e algumas conquistas dos trabalhadores. A Leopoldina era uma empresa inglesa e os funcionários lutavam contra isso, ou seja, pela encampação. Essa foi a primeira luta que eu participei, que era na verdade uma luta nacionalista”.


 


Por ser ligado ao partido Comunista do Brasil (PCB) acabou sendo denunciado dentro da própria empresa porque lia os jornais “Classe Operária”, “Imprensa Popular”, “Novos Rumos” e “Folha Capixaba”, que era de Vitória, capital do ES. Depois de 1961 acabou tendo que se afastar do PCB porque não concordava com a orientação que recebia. “Nesse processo “revisionista” foram 100 camaradas que se afastaram para reorganizarmos o partido com a nova sigla PCdoB. E eu orgulhosamente fui um desses”.


 


Logo a seguir, em 1964, veio a Ditadura Militar. Ele conta que foi preso trabalhando. Respondeu a dois inquéritos, administrativo e militar.  Guilherme lembra que foi preso outras vezes na década de 60. “A denúncia era de que eu distribuía um jornal considerado altamente subversivo, que pregava a luta armada”. Eram os tempos da famosa Guerrilha do Araguaia. Levado para o 3º Batalhão de Caçadores, em Vila Velha, respondeu a inquérito policial durante 45 dias, sem direito a lavar o rosto, tomar banho, escovar os dentes e sem visitas. “Me prenderam três vezes, enquadrado na Lei de Segurança Nacional”.


 


Ele conta que foi julgado na 1ª Auditoria da Marinha, e acabou sendo absolvido por cinco a zero, com quatro juízes militares e um civil. “Os advogados à época foram Demisthóclides Baptista (o líder sindical Batistinha) e Arídio Xavier. Nunca mais me incomodaram, mas as marcas da perseguição ficaram para sempre”.


 


*Ilauro Oliveira é Historiador.