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A resistência dos trabalhadores brasileiros no Japão

Serviços realizados por esses operários são conhecidos como 3k: kitsui (pesado), kitanai (sujo) e kiken (perigoso); sindicato tenta conquistar direitos sociais e trabalhistas para os imigrantes. Por Bernardo Alencar de Carvalho, de Tóquio, especial para o

No final de junho, um terremoto de 6,8 na escala richter balançou o Japão. Na região de Niigata, o tremor prejudicou uma fornecedora de autopeças, a Rinken, que presta serviços para grandes montadoras como Nissan, Mitsubishi e Suzuki. Resultado: as linhas de montagem dessas empresas foram paralisadas.


 


Os operários ficaram sem serviço. Para os trabalhadores japoneses, foi apenas um contratempo. Mas para os imigrantes, não. Ficaram sem serviço e sem salário. “No final do mês foi aquela miséria, quase uma semana parado, e as contas não param”, reclama Sérgio Hashimoto que trabalha na Suzuki.



Esse é um pequeno exemplo da condição de vida dos trabalhadores estrangeiros na segunda maior economia do planeta. Quase sempre contratados de forma terceirizada, sem vínculo empregatício, por intermediários das transnacionais locais, muitas delas líderes mundiais em seu segmento. São operários que sobrevivem em uma lógica de trabalho e remuneração que desafia a reprodução humana. O salário e o trabalho não são regulares; dependem da demanda de produção. Ou seja, quando há encomenda da transnacional, por exemplo, há pagamento. Se há produção acima do consumo, quem paga a conta é o trabalhador – menos pedidos, menos salário. Seguridade social? Esse não é um direito para imigrantes.



Quando uma pessoa deseja trabalhar no Japão, o caminho tradicional é esbarrar na intermediação de empreiteiras contratadas pelas próprias transnacionais ou fábricas locais. O operário recebe, por hora, cerca de 1.200 Yens homens e 900 Yens mulheres, e pode ser contratado por um período de tempo de três a seis meses, ou enquanto houver necessidade de sua mão-de-obra. Na maioria das vezes não há aviso prévio quando o trabalho termina.



Os três k



Os acidentes de trabalho são outra realidade que o trabalhador imigrante enfrenta. A maioria dos serviços realizados por esses operários são chamados, no Japão, de 3k: kitsui (pesado), kitanai (sujo) e kiken (perigoso). “O pessoal faz zanguio (hora-extra) permanecendo nas fábricas duas, muitas vezes, quatro horas, além do período normal – de oito horas. Como o serviço é perigoso e repetitivo, a pessoa acaba cometendo uma falha”, analisa o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Hamamatsu, Francisco Freitas.



O sindicalista afirma que muitas pessoas perdem os dedos nas máquinas de prensa ou ficam com lesões musculares graves por conta do período longo de trabalho sem o devido descanso. “Normalmente, é assim: uma pausa de cinco minutos no período da manhã, mais cinco no período da tarde e uma hora para o almoço. Fora desses intervalos, não é permitido aos trabalhadores nem ir ao banheiro ou beber água”, diz Freitas.



Organização e apoio



Na tentativa de criar uma frente contra a exploração das grandes indústrias, trabalhadores brasileiros estão se organizando para conquistar maior seguridade social e direitos trabalhistas. O Sindicato dos Trabalhadores de Hamamatsu tem realizado reuniões para discutir acordos e cumprimentos de leis por parte das fábricas. O objetivo é pressionar os governos brasileiro e japonês e as indústrias sobre questões como aposentadoria e de direitos como férias remuneradas e contratação direta com o empregador sem o intermédio das empreiteiras.



Há dois anos, o operário Sílvio Obuto foi um dos pioneiros a organizar o sindicato dos trabalhadores brasileiros em Hamamatsu. Sílvio diz que no começo foi difícil. Poucos não cederam às pressões das empresas e empreiteiras. “Hoje, nós que resistimos temos direitos a férias remuneradas e somos contratados diretos pela fábrica sem o desconto gordo no salário que vai para as empreiteiras sem que estas não façam nada”, afirma.



Em Osaka, um grupo de brasileiros, peruanos e japoneses de uma metalúrgica fez uma paralisação para protestar contra impasses nas negociações sobre tratados de renovação. Os manifestantes, que tiveram apoio do Sindicato dos Trabalhadores Portuários de Osaka, pediam que os contratos de renovação de trabalho fossem feitos nas línguas pátrias de cada país contrariando a direção da empresa que os obrigava a fazer em japonês.



O japonês Shigemi Ikuma, presidente da Central Sindical dos Trabalhadores Metalúrgicos (JMIU), afirma que as pessoas não podem simplesmente ser utilizadas e dispensadas. “A organização dos trabalhadores é a única maneira de frear a ganância capitalista”, avalia. Já o secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores (Zerouren), Seiji Terama, diz que apóia os brasileiros e os trabalhadores estrangeiros, pois a “luta operária é uma luta internacional”.



A professora da Universidade de Arte e Cultura de Shizuoka, Eunice Akemi Ishikawa, acredita que a autoorganização é um passo muito importante dado pela comunidade brasileira para a conquista de direitos. Para ela, “o envolvimento dos brasileiros em questões trabalhistas é muito positivo, porém a participação ainda é muito baixa”. O sindicalista Sílvio Obuto acha que o problema maior está na “ausência de consciência política”. E reflete: “Para a maioria dos brasileiros política não se discute, e isso é complicado, né?”