Aldo Rebelo: ''Muito além da CPMF''
Diz o ditado que imposto bom é imposto antigo. É natural, portanto, que todo novo imposto, ainda mais com o nome de “provisório”, gere polêmica. Poderiam ao menos trocar o “P” de provisório por “P” de permanente e resolver o assunto de uma vez por toda
Publicado 26/09/2007 19:57
Eu votei a favor da aprovação da CPMF. Tenho naturalmente minhas críticas a esse tipo de imposto. Diferente do ICMS, que é cobrado apenas sobre o valor final do produto, ou do Imposto de Renda, que incide uma única vez sobre a renda anual do cidadão, a CPMF é um tributo “em cascata”. Onera, assim, a produção das mercadorias que possuem cadeias de produção mais longas e aumenta desproporcionalmente os seus custos. Se acrescentarmos o câmbio valorizado, que torna os produtos industriais mais caros em dólar, entende-se porque o Brasil exporta cada vez mais matérias-primas e cada vez menos produtos industriais, na contramão de países como a Índia e a China.
Apesar disso não há como a CPMF deixar de ser cobrada no momento. É por meio dessa contribuição que o governo financia boa parte de seus programas sociais, como o “Bolsa Família”, que atualmente atende 11 milhões de famílias ou 45 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Segundo estudos do IPEA, os benefícios assistenciais e previdenciários vinculados ao salário mínimo, parcialmente financiados pela CPMF, foram responsáveis pela saída de 17,2 milhões de brasileiros da miséria. Aqueles que propõem, portanto, pura e simplesmente o fim da CPMF têm a obrigação de dizer o que governo deveria fazer em relação a esses benefícios. Eliminá-los? Financiá-los deixando de pagar os juros da dívida pública, que consome 8% do PIB?
A questão, portanto, vai muito além da CPMF. O Brasil precisa de uma reforma tributária que reduza a excessiva carga tributária sobre as atividades produtivas e sobre a renda dos assalariados. Não há estudo que não aponte a elevada carga tributária como uma das principais responsáveis pela perda de competitividade da produção industrial brasileira no mercado externo. Mas uma verdadeira reforma tributária deveria começar como uma reforma fiscal que criasse as condições necessárias para a redução dos impostos. Mas aí que a coisa pega. Que gastos o governo deveria cortar?
Eu começaria pelos juros. O Brasil gasta 8% do PIB pagando os juros reais mais elevados do mundo para os detentores de títulos da dívida pública. E quem são os credores do governo? São basicamente os bancos, cujos lucros só têm aumentado, e os investidores estrangeiros que se aproveitam desses juros elevados para realizar grandes lucros que são enviados para fora do país ao menor soluço do mercado financeiro internacional. O Banco Central acaba de divulgar a projeção da saída de US$ 11 bilhões de capitais especulativos até o final deste ano.
Desde 1999 o governo federal vem perseguindo a realização de superávits primários e isso tem sido vendido para a opinião pública como sinônimo de austeridade fiscal, o que é um grande equívoco.
O superávit primário é a diferença entre o que o governo gasta e arrecada antes do pagamento dos juros. Tem um só objetivo: garantir aos credores do governo que os juros serão pagos em dia. Não tem nada a ver com austeridade fiscal.
O Brasil, ao pagar os juros reais mais elevados do mundo e manter a sua conta de capitais totalmente aberta, tornou-se o paraíso dos especuladores internacionais. Todos os dias entram e saem milhões de dólares com o único objetivo de ganhar a diferença entre os juros reais pagos pelo Brasil, na casa de 7% ao ano, e os juros reais pagos no resto do mundo, na casa dos 2%. Ao perseguir superávits primários o governo busca apenas garantir que esses juros sejam pagos em dia. Como não há, da parte desses especuladores, nenhum interesse que a taxa de juros caia, estão pouco se importando com o tamanho da carga tributária, desde que a parte dos juros seja garantida.
Penso, portanto, que de fato é preciso reduzir a carga tributária e reduzir os gastos do governo, para que sobrem mais recursos para o governo e para as empresas investirem. Mas penso, também, que o primeiro passo para isso é reduzir de forma significativa o que o governo gasta com o pagamento de juros, pois de todos os gastos do governo este é o mais improdutivo. Não cria empregos, não diminui a pobreza. Ao contrário, só contribui para que o Brasil continue a ser o país mais desigual do mundo, em que pesem os esforços do governo Lula de melhorar a distribuição de renda.
* Aldo Rebelo é deputado federal pelo PCdoB-SP. Foi presidente da Câmara dos Deputados, ministro da Secretaria de Relações Institucionais e líder do governo de Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara.